“Proponho que consideremos a questão: "Podem as máquinas pensar?" Esta é a primeira linha de um documento publicado em outubro de 1950, por Alan Turing. O cientista e matemático britânico tinha tido, na década anterior, um papel determinante na Segunda Guerra Mundial, ao descodificar mensagens decisivas dos nazis. Estava neste momento na linha da frente do pensamento que refletia sobre a capacidade de tornar um computador em algo mais, algo que pudesse trazer inteligência.

Ao longo de quase sete décadas, as máquinas têm vindo a evoluir: passaram de sistemas reativos, que desempenham apenas uma tarefa, sem capacidade para criar memória, para mecanismos que conseguem olhar para o passado; tomam decisões e aproximam-se cada vez mais da inteligência humana.

"De alguma maneira os computadores também permitem um sonho antigo da Humanidade, que é a inteligência digital. E neste momento estamos a assistir a desenvolvimentos significativos nessa frente", diz Arlindo Oliveira, académico, investigador e escritor português, autor do livro “Inteligência Artificial”.

“Até que ponto é que vamos deixar esses sistemas evoluir até terem níveis muito elevados de consciência e de autonomia é uma boa pergunta porque podemos ficar demasiado preocupados com os riscos disso. Podemos ficar preocupados que sistemas como esses não sejam inteiramente controláveis e que passem a ter objetivos seus que não estejam alinhados”, acrescenta.

O efeito Chat GPT

Nos últimos anos, e muito depois da entrada em cena do Chat GPT, em finais de 2022, foi relançada a discussão sobre inteligência artificial. Falamos de machine learning, a verdadeira capacidade das máquinas aprenderem, ou de inteligência artificial generativa, ou seja, a partir de algoritmos é possível criar algo, seja uma imagem a partir de um texto ou modelos avançados de linguagem que nos dão respostas a questões complexas.

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São criadas as redes neuronais, com os cientistas a tentar replicar em laboratório, dentro das máquinas, através dos algoritmos, a dinâmica de um cérebro humano.

“Funciona com uma arquitetura complexa de múltiplos neurónios espalhados, uma quantidade infindável de pequenas unidades, que fazem pequenos processos como se fossem um computador”, refere o neurocientista Bruno Miranda, que investiga o que nos vai na cabeça com apoio da inteligência artificial. “O que já se percebeu é que, realmente, tem poder computacional. O que é que isto quer dizer? Tem, realmente, a possibilidade de fazer uma previsão de múltiplos passos à frente que às tantas o cérebro humano tem dificuldade em continuar”, diz

“Vai-nos ajudar a criar desafios de como conseguimos estudar todo o processo da consciência. Eu acho que devemos aproveitar estas oportunidades para trazer alguns temas que se calhar até estavam afastados da neurociência, para criarmos novas maneiras de olharmos para o cérebro. E sobretudo focarmo-nos em aprendermos mais do que é que nós somos, do que é que o cérebro é”, acrescenta.

O peso da consciência

E é claro, que tudo isto, tem vindo a levantar várias questões, nem sempre consensuais. No início de 2023, depois de o mundo despertar para o efeito do Chat GPT, Geoffrey Hinton colocou à disposição o lugar que tinha na Google. Considerado o padrinho da inteligência artificial, preocupado com o impacto destes avanços, decidiu lançar vários avisos a quem navega nestes mares ainda desconhecidos: “A partir do momento em que estas coisas começarem a criar alguns objetivos, a serem muito inteligentes, elas vão-se aperceber, se tiverem mais controlo, podem ter noção dos seus objetivos mais facilmente. E quanto tiverem controle, as coisas vão começar a ficar piores para as pessoas”, referiu o cientista de computação, numa das várias entrevistas que deu.

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Uma das questões passa pela consciência, até que ponto podem ir as máquinas, o que poderemos deixar que elas sejam e naquilo que se podem tornar. É preciso relembrar que em causa estão mecanismos alimentados com dados. E quanto mais variados, em termos de quantidade e diversidade, melhor o algoritmo e mais aprumada será aquela ferramenta de inteligência artificial.

“A partir do momento em que estas coisas começarem a criar alguns objetivos, a serem muito inteligentes, elas vão-se aperceber, se tiverem mais controlo, podem ter noção dos seus objetivos mais facilmente. E quanto tiverem controle, as coisas vão começar a ficar piores para as pessoas”, diz à SIC Paulo Castro, especialista em Filosofia da Ciência. Sublinha que existe uma “preocupação tremenda de que essas IA , desses sistemas, que são tão sofisticados que podem, facilmente, sair do controle humano ou serem, por lapso, não se verem as consequências previsíveis, ou serem utilizadas por grupos maliciosos, para o que quer que seja”.

O risco dos enviesamentos

E de regresso aos dados. Há o risco dos enviesamentos. A forma como podem, de alguma maneira, levar a que sejam tomadas decisões preconceituosas, os chamados enviesamentos. “Nós sabemos que a nossa sociedade é enviesada, nós sabemos que há problemas, e criámos a ilusão de que, usando dados de uma sociedade enviesada, conseguimos criar modelos neutros. E que o modelo é menos enviesado do que a sociedade. E não temos razão nenhuma para pensar que isso é verdade. Pelo contrário”, sublinha Joana Gonçalves de Sá.

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Confiar no algoritmo para tomar decisões complexas pode conduzir ainda é um risco, seja no mundo do emprego ou até mesmo na justiça. E neste caso, em Portugal, ainda se está a tentar perceber que caminho se deve seguir. Há grupos de reflexão e algumas certezas em cima da mesa, entre elas as especificidades que diferenciam cada um dos tribunais. Mas há um ponto que começa a ficar bastante claro: o fator humano é imprescindível.

Não se retira desta equação o papel do juiz, podendo a inteligência artificial ajudar na parte da burocracia. E é esta a ideia que ganha forma em diferentes quadrantes da investigação relacionada com este avanço tecnológico. Permitir a cada um ter mais tempo e permitir que as máquinas consigam dar apoio nas variáveis mais burocráticas da sociedade.

O peso da IA

Em Portugal, existe a estratégia nacional de inteligência artificial, publicada em 2019, com horizonte até 2030. Pretende promover a investigação e a inovação nesta área. Em 2022 (dados do INE), menos de 8% das empresas usava inteligência artificial. No ano seguinte, um estudo independente mostrava que 35% tinha já integrado esta tecnologia. Até ao final da década, o impacto económico da inteligência artificial poderá atingir os 61 mil milhões de euros.

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Em todo o mundo, o valor de mercado da inteligência artificial rondava os 125 mil milhões de euros em 2022. No ano seguinte atingiu os 180 mil milhões e deverá continuar a crescer na ordem dos 40% por ano, até 2030. Para já, na dianteira desta locomotiva estão os Estados Unidos e a China. Quanto à Europa tem vindo a focar-se, mais que tudo, na regulamentação.

Será a primeira, a nível mundial e será um marco em todo este processo. De Bruxelas vão sair quatro níveis de risco: inaceitável, elevado, limitado e mínimo. As instituições europeias prometem ser rigorosas no acompanhamento de cada um dos produtos alimentados pela Inteligência Artificial. E não só, esta mesma exigência terá em conta os dados que alimentam as máquinas, que até aqui têm estado concentrados nos gigantes tecnológicos.

O futuro do trabalho

O que se segue, é incerto. Estão a ser feitas investigações através da Inteligência Artificial para se conseguirem diagnósticos precoces de cancro no pulmão. Exemplo disso é o trabalho que está a ser desenvolvido no Hospital de São João, no Porto. Há os desafios colocados na educação, entre o proibir ou abraçar ferramentas como o Chat GPT. E até na agricultura, com estas novas tecnologias a desenharem um esboço do que poderemos ter no futuro, num equilíbrio constante com a biodiversidade e proteção da natureza.

Pedro Domingos, professor emérito na Universidade de Washington, investigador nesta área envolvido em algumas discussões mais polémicas sobre o tema, acredita que ainda estamos no início: “Se o caminho, desde a inteligência zero, até à inteligência humana são mil quilómetros, nós percorremos talvez uns 10. Dez quilómetros já é muita coisa, é muito progresso, mas faltam ainda 990 para se chegar à inteligência humana”, refere.

A questão “não é quando é que os algoritmos vão atingir a inteligência humana, porque não vai haver um momento único em que isso acontece”, aponta. “Vai chegar a uma altura em que eles fazem tudo melhor que nós, eu penso que sim, mas é muito difícil prever se isso vai ser daqui a 10 anos, ou cem ou mil”.