O debate sobre o que é a consciência, ou, melhor dizendo, qual a melhor definição capaz de a representar, não é cientificamente consensual. Tal como explica o neurocientista David Eagleman em O Cérebro - À Descoberta de Quem Somos (livro publicado em 2015), “sabemos muito sobre a mecânica dos neurónios, das redes e das regiões do cérebro, mas não sabemos porque é que todos aqueles sinais que o percorrem têm algum significado para nós, como pode a matéria do nosso cérebro fazer com que nos preocupemos com o que quer que seja”, desde ler o texto que leitor tem neste momento diante de si e dele tirar sentido, até contemplar o pôr do sol e pensar que nos sentimos amados por alguém ou fazer planos para o futuro.

Em grande medida, só conseguimos obter definições enxutas e grosseiras sobre o que é a consciência, como, por exemplo, de que é o “conhecimento imediato da própria atividade psíquica” ou o “sentimento de si mesmo”. Todavia, nenhuma explicação satisfaz por completo, e, acima de tudo, não nos diz como é sequer possível que surjam pensamentos, no nosso cérebro, a que damos o nome de consciência.

Atualmente, o que a ciência tenta fazer com maior vigor, para chegar perto de perceber o fenómeno da consciência, é medir a atividade dos nossos neurónios dentro do cérebro, seja através de um eletroencefalograma ou de uma ressonância magnética, dando-nos uma ‘imagem’ de milhões de neurónios a disparar, detetando os sinais elétricos que se produzem dentro do nosso crânio.

De onde vem a consciência humana?
De onde vem a consciência humana? De onde vem a consciência humana? Pixabay

Para começar, há que explicar que o mundo exterior, para o isolado cérebro humano, não existiria se não lhe chegassem informações através dos nossos órgãos sensoriais. “Olhos, ouvidos, nariz, boca e pele funcionam como intérpretes , detetando uma diversidade de fontes de informação (incluindo fotões, ondas de compressão do ar, concentrações moleculares, pressão, textura e temperatura) e traduzindo-as para a moeda corrente do cérebro: os sinais eletroquímicos”, resume Eagleman.

“Esses sinais eletroquímicos percorrem rapidamente densas redes de neurónios, as principais células de sinalização do cérebro. O cérebro humano tem cem mil milhões de neurónios, e cada um deles envia dezenas ou centenas de impulsos elétricos para milhares de outros neurónios a cada segundo da nossa vida. Tudo o que experienciamos  — cada visão, som ou odor — não é uma experiência direta, mas sim uma interpretação eletroquímica num auditório às escuras.” É a partir daqui que o cérebro tenta entender o que existe em seu (nosso) redor.

Ao contrário do que antes se julgava, o cérebro não opera de forma compartimentada, não há uma determinada função associada a uma única região do mesmo, pelo que tampouco a consciência emerge de alguma zona específica. O cérebro, sabemos hoje, funciona da interação em rede dos neurónios que a compõem, redes interligadas que se podem espalhar por pequenas ou vastas áreas do tecido cerebral. David Eagleman, ao tentar explicar o que está em causa, compara o cérebro a uma cidade e faz a seguinte pergunta: onde está situada a atividade económica, dentro dela? Sabemos que está um pouco por todo o lado, que ela existe (ou emerge) graças a bancos, lojas, comerciantes e clientes, entre os quais existe uma intrincada e complexa teia de relações, tanto locais como à distância.

Para percebermos, mecanicamente, como surge a consciência humana, também podemos tecer um paralelismo com uma colónia de formigas, um superorganismo que, em alguns casos, chega a ser composto por milhões de formigas. Visto com o devido distanciamento, esse superorganismo exibe propriedades coletivas mais sofisticadas do que os seus pequenos insetos e a suas ações individuais. “Este fenómeno, conhecido como «emergência», é o que acontece quando unidades simples interagem das maneiras certas e surge algo maior”, resume o neurocientista da Universidade de Stanford, nos EUA. No caso do nosso cérebro, se um número suficiente das suas células (os neurónios) “se juntar e interagir das maneiras certas, surge a mente”, embora “sem consciência da coisa que construíram juntos”.

O neurocientista e divulgador da ciência David Eagleman
O neurocientista e divulgador da ciência David Eagleman Um best-seller de livros. O neurocientista e divulgador da ciência David Eagleman Brian Goldman

O que torna tudo bastante especial é o facto de cada neurónio no nosso cérebro ser capaz de estabelecer dez mil ligações com outros neurónios, e “eles ligam-se de uma maneira muito específica, exclusiva de cada pessoa” — e é por isso que a mente, a forma como temos consciência de nós e do mundo, é diferente de indivíduo para indivíduo. “As nossas experiências, as nossas memórias, tudo o que nos define como pessoas está representando no padrão único dos mil biliões de ligações entre as células de cada um dos nossos cérebros”. Para Eagleman, estamos face a um “padrão demasiado grande para ser compreendido”.

É este desconhecimento, apesar de todos os avanços científicos que a cada ano são feitos no estudo do cérebro, que dá lugar às diferentes teorias que tentam explicar exatamente o que é a consciência humana, criando uma aura de mistério sobre o que ela realmente é, tornando-a em algo que, por vezes, soa a místico. Por norma, e de momento, estudar a consciência é perscrutar os neurónios e as interligações eletroquímicas que criam, a rede que se forma: ou seja, analisar a sua mecânica.

Todavia, é precisamente este tipo específico de análise mecânica que Johnjoe McFadden, investigador em genética molecular pela Universidade de Surrey, no Reino Unido, mete em causa. Segundo ele, e conforme explica num ensaio publicado na revista Aeon, em vez de nos concentrarmos nos neurónios, na parte material do cérebro, deveríamos estar à procura da consciência humana, do sítio onde reside, noutro lugar. Onde? No campo eletromagnético do cérebro. Uma visão nada convencional de olhar para a questão, numa busca por respostas mais satisfatórias.

Milhares de milhões de neurónios a ‘disparar’ átomos e a criar pulsos de energia pelo cérebro adentro

Para este cientista britânico, a atividade elétrica registada pelo eletroencefalograma a que o seu filho estava a ser submetido — para um tumor que se revelou benigno — foi um dos momentos que o fez interrogar-se sobre a natureza da consciência humana e aquilo que os riscos no papel (os sinais de atividade elétrica) do exame poderiam dizer sobre ela.

Ao fim e ao cabo, o que está ser detetado num desses típicos exames, refere, são as descargas elétricas dos neurónios do cérebro ao serem estimulados por diferentes informações sensoriais suscitadas pelo mundo exterior. O que o cérebro está a fazer no momento do encefalograma, portanto, é a processar informação, muita informação, tal como faz um computador. Todavia, só isto não basta para explicar, no entender de Johnjoe McFadden, a noção de que há consciência em nós, de que sabemos estar conscientes. “Os computadores processam imensa informação, no entanto, nunca exibiram a menor centelha de consciência”, diz.

Eletroencefalograma
Eletroencefalograma Eletroencefalograma Getty Images

“Pode-se argumentar, pois claro, tal como os neurobiólogos por norma fazem, que apesar de um simples neurónio não saber nada [do que se está a passar], a coletânea de 100 mil milhões de neurónios no cérebro do meu filho conseguem saber tudo e, por isso, acabariam por sentir algo. Mas esta explicação esbarra com o chamado ‘problema da vinculação’, o qual questiona como é que toda a informação em milhões de neurónios vastamente distribuídos pelo cérebro [situados em diferentes pontos e regiões cerebrais] se juntam para conseguir criar uma perceção consciente, complexa, de, por exemplo, uma sala”, remata.

Outra questão que vem à tona, para McFadden, está relacionada com uma “omissão” que não pode continuar a ser ignorada pelos investigadores. “Porque é que nada sabemos [não temos consciência] da complexa rede de entrada e processamento de informação entre as células imunes, responsáveis por decidir que tipo de resposta imunológica o nosso corpo deve implementar para se proteger de uma infeção?”

Em suma, há um quebra-cabeças a resolver, o de tentar perceber porque existem alguns tipos de atividade cerebral capazes de conferir consciência e capacidade de pensamento, enquanto outros não. E o que torna especial determinada atividade cerebral ao ponto de não ser possível replicá-la a um nível artificial?

Para o cientista da Universidade de Surrey, o ponto de partida, para começarmos a entender o problema através de outro ângulo de abordagem, passa por perceber que quando um neurónio ‘dispara’ e se interliga com outros, ele, de facto, está a emitir um sinal sob a forma de átomos eletricamente carregados — a estes átomos dá-se o nome de iões. Estes iões, uma vez em movimento, entram e saem dos neurónios numa reação em cadeia. Basicamente, estamos a falar da emissão e receção de partículas, de matéria. Até aqui, nada de novo.

Para a história em causa, interessa também saber que quando os átomos eletricamente carregados viajam e se espalham por determinado trajeto do nosso cérebro, eles também emitem um pequeno pulso de energia eletromagnética no espaço envolvente, semelhante a quando enviamos um SMS por telemóvel. Em suma: além de matéria, sob a forma de partículas, temos, igualmente, energia.

Fica já a saber, portanto, que quando ouve a janela ou a porta a fechar-se, por exemplo, é despoletado um processo que leva milhares de milhões de neurónios e enviar sinais, ao mesmo tempo que são gerados outros milhares de milhões de pequenos pulsos eletromagnéticos no nosso cérebro.

Imagem por ressonância magnética
Imagem por ressonância magnética Imagem por ressonância magnética de diferentes áreas do cérebro ativadas

Todos estes pulsos de energia, frisa McFadden, aglutinam-se e acabam por formar um campo eletromagnético: uma área percorrida por uma corrente elétrica e onde se manifestam ações magnéticas, como o que é gerado em torno de um íman. “Algo que os neurobiólogos negligenciaram ao sondar a natureza da consciência”, critica.

Mas vamos ao que realmente interessa. “Existe uma diferença crucial entre milhões de neurónios dispersos a ‘disparar’ e o campo eletromagnético gerado pelos seus ‘disparos’”, começa por explicar, e uma das consequências é que “a informação codificada por milhões de pedaços discretos de informação, no seio de milhões de neurónios espalhados, é fisicamente unificada dentro de um só campo eletromagnético no cérebro”.

Uma espécie de rede Wi-fi de onde emerge a nossa consciência?

O que se segue é física pura. Uma rede de Wi-fi recorre a ondas de rádio para transmitir informação da Internet, a qual recebemos através de um aparelho recetor, como um computador ou smartphone. Ou seja, ondas de radiação (energia) eletromagnética, imateriais e contendo informação, permeiam um determinado espaço e estão acessíveis a quem tiver um aparelho adequado para captar e descodificar a informação que, dito de forma extremamente simples, anda à solta pelo ar.

Quando na presença de um campo eletromagnético, também pode existir informação codificada dentro dele, igualmente de forma imaterial — sob a forma de radiação eletromagnética —, aponta Johnjoe McFadden. É o que sucede com o campo eletromagnético no cérebro, sendo precisamente aí que está o substrato da nossa consciência, defende.

“Localizar a consciência no campo eletromagnético do cérebro pode parecer bizarro, mas é isso ainda mais bizarro do que acreditar que ela reside na matéria?”, escreve no ensaio para a Aeon.

Esta teoria não é nova, tendo sido pela primeira vez apresentada em 2000 pelo próprio McFadden. Desde então, surgiram algumas teorias semelhantes por parte de cientistas nas áreas da neurobiologia, da neurofisiologia e da ciência de dados. O mais recente artigo científico sobre o tema, da autoria do investigador da Universidade de Surrey, data de setembro de 2020, tendo sido publicado na revista Neuroscience of Consciousness, ligado à Universidade de Oxford. Nele, McFadden atualiza a teoria, com base em investigações realizadas na última década e meia, e aprofunda-a com novas ideias e observações.

Segundo ele, a teoria do “campo eletromagnético da informação consciente” — a que deu o nome de teoria CEMI — preenche alguns dos buracos deixados em aberto no estudo da consciência.

Johnjoe McFadden
Johnjoe McFadden Johnjoe McFadden desenvolveu a teoria do campo eletromagnético da informação consciente (CEMI) Andres McKay

Por exemplo, serve de explicação para o já mencionado ‘problema da vinculação’, para a questão de como é que informação codificada em milhares de milhões de neurónios (matéria), distribuídos ao longo do cérebro, se une e emerge na forma de uma mente dotada de consciência: a unificação é feita através do campo eletromagnético (energia). Dentro desta lógica, a experiência de ouvir uma porta fechar é “uma perturbação no campo eletromagnético do cérebro” que se correlaciona com o que já foi memorizado e associado, numa rede de neurónios, como sendo o fechar de uma porta.

Quanto aos processos do nosso sistema imunitário, não há registo de que produzam interações ao nível do campo eletromagnético, e é por isso, a crer na teoria CEMI, que da multidão de informação trocada e processada para nos defender de doenças não emerge nada que contribua para nos conferir consciência.

Uma das maiores especulações da teoria CEMI é a de que a nossa história evolutiva, enquanto espécie, também poderá ter ditado que atividades cerebrais conferiram, ou não, consciência e capacidade de pensamento. À medida que o nosso crânio se foi enchendo de neurónios, alguns deles, devido ao campo eletromagnético que formavam, podem ter começado a interferir com o campo de outros neurónios, o que poderia ser prejudicial para nós, pelo que a seleção natural poderá ter entrado em ação e “insulado” alguns neurónios vitais — como se fosse colocado neles uma espécie de plástico isolante, igual ao que existe em torno de fios elétricos.

Ao mesmo tempo (e isto é outra especulação que necessita de bastantes provas), algures no nosso passado evolutivo, e ocasionalmente, a “interferência elétrica pode ter sido benéfica”, promovendo interações no campo eletromagnético que ajudaram a computar pedaços de informação, vindos dos neurónios, que uma vez unidos se tornaram bastante complexos. Isso pode ter levado a um aumento na sensibilidade do campo eletromagnético do cérebro, mas também criou um problema: “diferentes ideias atiradas para dentro do campo CEMI do cérebro interferem, similarmente, umas com as outras”, daí que a nossa mente só seja capaz, conscientemente, de fazer uma tarefa de cada vez. Por outras palavras, e por mais que queiramos, não dá mesmo para escrever um texto com ideias complexas, no telemóvel, ao mesmo tempo que conduzimos um carro por uma estrada movimentada.

Computador quântico do Google
Computador quântico do Google Componentes do computador quântico do Google. Apesar de revolucionários, estes computadores têm de evitar interferências, como as que surgem dos campos eletromagnéticos Google

Uma das curiosas previsões da teoria CEMI prende-se com a inteligência artificial. Segundo ela, ou melhor, a crer em McFadden, os engenheiros informáticos não conseguirão, usando a tecnologia convencional, criar uma forma de inteligência que emule a dos humanos, dotada de algum tipo de consciência, isto porque os computadores usados para esses fins tentam, por motivos de eficiência, evitar as interferências causados por... campos eletromagnéticos.

Um aviso. Nesta teoria não há espaço para justificar fantasmas ou a telepatia

Para evitar confusões e mal-entendidos, Johnjoe McFadden, desde que apresentou a teoria CEMI, tenta evitar que ideias esotéricas possam minar o seu trabalho científico. Daí que, no seu site pessoal, dá resposta a quem possa ter dúvidas mais transcendentais.

Pode a teoria CEMI confirmar a existência de telepatia? “Lamento, mas não. O campo eletromagnético fora da cabeça é demasiado fraco e é altamente improvável que outro cérebro o possa detetar. E é ainda mais improvável que um outro cérebro possa descodificar o campo eletromagnético informativo que foi codificado pelo nosso cérebro (o que, penso eu, é uma coisa boa)”.

E fantasmas? “Definitivamente, não. Se os fantasmas fossem um campo eletromagnético seriam muito fáceis de detetar. Além do mais, os campos eletromagnéticos são gerados por moléculas [eletricamente] carregadas — eles não andam por aí sem uma fonte óbvia. Se os fantasmas fossem uma espécie de campo eletromagnético, então seríamos capazes de localizar a fonte do campo.”

Para finalizar, a pergunta que muitos já deveriam estar à espera. Pode o campo CEMI sobreviver à morte? “É uma questão interessante. A minha hipótese é que a consciência é a experienciação de informação, a partir do nosso interior. Existe um postulado da física que diz que a informação não é criada ou destruída — é a ‘lei’ da conservação da informação. Trata-se, contudo, de apenas um postulado [científico], nunca ninguém o provou. Mas, a ser verdadeiro, pode sugerir que a consciência (se associada à informação) — e de determinada forma — pode sobreviver à morte.”