Transformar Lisboa numa referência mundial em saúde pública, a muito breve prazo. É este o objetivo que a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) abraçou e que a levou a concorrer ao Healthy City Challenge. Agora, a iniciativa promovida pela Novo Nordisk e pela C40 Cities acaba de anunciar que o projeto da Escola portuguesa da Universidade NOVA de Lisboa está entre os dez finalistas, numa lista de candidatos que incluiu 90 propostas de 34 países.

Desenvolvido por Carolina Santos, Ana Gama, Sónia Dias e Susana Viegas, que constituem a equipa de investigação portuguesa, o Lisbon: City of Public Health 2025 parte da transformação do campus da ENSP num espaço seguro e acessível "para que as pessoas se relacionem com a natureza e participem em diversas iniciativas de promoção da saúde, destinadas a melhorar a saúde física e mental", impactando toda a comunidade local.

Carolina Santos, professora da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa e coordenadora do projeto Lisbon: City of Public Health 2025, explica ao SAPO como a ideia da ENSP chegou aos 10 finalistas do concurso internacional Healthy Cities Challenge, que quer transformar Lisboa numa referência mundial em saúde pública até 2025, e como poderia ajudar a inverter o impacto cada vez maior que as doenças crónicas têm na população portuguesa. E como seria capaz de responder ao objetivo assumido de trazer mais qualidade de vida para os portugueses e os lisboetas em particular.

Carolina Santos ENSP
Carolina Santos ENSP

O projeto da ENSP está entre os dez melhores entre 90 propostas de 34 países. Que diferenciação traz que justifique esta shortlist?
O projeto da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa (ENSP NOVA) contribui para o desenvolvimento da cidade de Lisboa e da freguesia do Lumiar em particular, transformando-a numa referência na promoção da saúde pública nos próximos anos, de uma forma sólida e integrada e permite também a adaptação a outras realidades, apoiando-se na evidência criada pela própria academia.

Mas pode ser alargado a um ecossistema maior.
Sim, o projeto é escalável para outras localizações, e está desenhado de modo a aumentar o interesse no local para quem vive, estuda ou trabalha na zona do campus, mas também para quem nos visita e espera conhecer a vida na cidade e dinâmicas das comunidades locais. O projeto prevê a transformação do campus da ENSP NOVA com a instalação de diversos recursos relevantes para a organização de roteiros de atividades na cidade, promotoras de saúde e qualidade de vida. De forma a promover escalabilidade do projeto, um critério relevante para o júri do concurso, incluímos a organização de workshops de capacitação com a CCDR-LVT (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo), para todos os municípios interessados em replicar a iniciativa.

Que características são mais distintivas e adaptadas à realidade dos lisboetas e de que forma se propõem melhorar a sua vida e assim tornar a cidade mais sustentável e saudável?
O projeto promove uma maior ligação das pessoas com a natureza, algo que os lisboetas necessitam dado o nível de urbanização da cidade. Por outro lado, promove a conexão dos munícipes com a comunidade local e a participação em workshops de desenvolvimento de soluções que promovem uma vida mais saudável e sustentável na cidade. A organização de debates em torno de diversos desafios ligados à saúde de todos, em conexão com os atributos das comunidades saudáveis, é também uma peça central. Não poderíamos deixar de fora os elementos de gamificação para atrair um público mais jovem e iremos introduzi-lo, por exemplo, nas atividades organizadas com o nosso parceiro Ecomood Portugal. Em súmula, as atividades que desenhámos abrangem todo o ciclo de vida e necessidades de diferentes grupos, incluindo os mais vulneráveis, contribuindo para que as pessoas conheçam os determinantes sociais e ambientais da saúde, observem os atributos da sua comunidade, se sintam apoiadas na mudança dos seus estilos de vida e sejam ativas na promoção de ambientes saudáveis, sustentáveis e inclusivos.

O que é que vos levou a concorrer a esta iniciativa e o que norteou o projeto?
Um dos grandes objetivos da ENSP NOVA é ser uma escola aberta à comunidade e capaz de desenvolver projetos de investigação aplicada e soluções baseadas em processos de cocriação. A oportunidade de avançar com uma transformação nos jardins da ENSP que fosse catalisadora de comportamentos promotores de saúde física e mental e que contribuísse para as metas associadas aos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), em particular o ODS 3, é uma das ambições deste projeto, em sintonia com a missão da ENSP NOVA. O projeto cria condições para fazermos investigação nesta área, desenvolvermos uma rede de parcerias, colocarmos várias instituições a trabalhar em rede, sempre no sentido do desenvolvimento de uma agenda para a cidade preenchida com atividades classificadas como promotoras de saúde e com micro projetos que endereçam os determinantes ambientais da saúde.

A realidade portuguesa, e dentro desta a lisboeta (em particular no que respeita à obesidade e à incidência de diabetes), é especialmente preocupante no que respeita aos padrões de saúde que se observa noutras capitais europeias?
As doenças crónicas não transmissíveis estão a ter um impacto cada vez maior em muitos países, e Portugal não é exceção, pelo que beneficiaria de um maior investimento na prevenção de doenças como a diabetes e a obesidade. Por exemplo, dados da Federação Internacional de Diabetes estimam que Portugal apresente a segunda maior prevalência padronizada de diabetes nos 27 países da União Europeia, onde, em 2021, a prevalência média de diabetes foi de 6,2%, quando em Portugal foi de 9,1%. Também o relatório “Health at a Glance” da OCDE, de 2022, apontou que os países com a maior taxa de prevalência de diabetes entre adultos são a Croácia, Turquia e Portugal. Já o relatório "European Regional Obesity Report 2022" da OMS, referente a dados de 2019, concluiu que mais de metade (52,7%) dos adultos que vivem na UE tinham excesso de peso. Em Portugal o valor era de 55,9%. Estudos que têm abordado a mesma problemática nas crianças também demostram que a realidade nos mais novos merece uma atenção especial. Quanto à realidade regional, o Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física 2015-2016 estimava que a região de Lisboa fosse a segunda de Portugal com maior prevalência de obesidade e pré-obesidade, logo depois do Alentejo. Independentemente das várias estatísticas, sabemos hoje que o futuro das sociedades e dos sistemas de saúde depende da nossa capacidade de tornar a promoção da saúde e a saúde pública numa prioridade nacional.

Então este tipo de iniciativas tem ainda mais valor em sociedades envelhecidas e com necessidades decorrentes de maior incidência de doença crónica, como Portugal?
Sem dúvida, porque o índice de envelhecimento que se regista no país, e em particular na cidade de Lisboa, traz necessidades acrescidas de suporte social para prevenir o isolamento e o desenvolvimento de doença física e mental. Por outro lado, a elevada carga de doença associada às principais doenças não transmissíveis - cancro, doenças cardiovasculares e respiratórias crónicas, diabetes - exige respostas diferenciadas, que promovam um maior investimento na promoção da saúde e prevenção da doença, levando a que as pessoas possam viver mais anos com saúde e qualidade de vida. O projeto prevê, por exemplo, a realização de passeios de trishaw para a população senior pelo nosso parceiro Pedalar Sem Idade Portugal.

E se vencer a bolsa de 100 mil dólares, qual será a prioridade da ENSP?
O design e instalação de uma biblioteca natural nos jardins da Escola, construída com materiais sustentáveis e ponto de interesse para a atração de visitantes à cidade de Lisboa e campus da Escola, um espaço promotor de leitura, de contacto com a natureza e de estabelecimento de ligações significativas entre os membros da comunidade local, onde também se irão organizar inúmeras iniciativas, em conjunto com os parceiros desta candidatura, e construir roteiros de atividades para a cidade classificadas como promotoras de saúde e bem-estar são alguns exemplos dos primeiros passos a dar.