Reconstruir Lisboa após um sismo semelhante ao de 1755 custaria hoje perto de dez mil milhões de euros. Quem teria capacidade para o fazer? Com praticamente metade das casas em Portugal a não terem qualquer seguro (47%), apenas um terço a ter cobertura de incêndio ou multirriscos (34%) e menos de uma em cada cinco cobertas contra riscos sísmicos (19%), é urgente que se crie instrumentos adequados de proteção, sobretudo numa altura em que os eventos climáticos extremos se tornaram frequentes e os estragos deles decorrentes assinaláveis.

O alerta tem sido repetido pela Associação Portuguesa de Seguradores (APS) e encontra respaldo nos custos da última década com inundações, tempestades e fogos, que ascenderam a 609 milhões de euros em indemnizações garantidas pelas seguradoras. Mas muitas famílias terão visto desaparecer ou ficar destruídos bens imóveis na sequência de fenómenos extremos da natureza, até porque o valor do seguro muitas vezes subestima o valor real do edifício e até os seguros obrigatórios (contra incêndio) são muitas vezes ignorados. A solução poderia passar, tem defendido a APS, pela criação de um fundo e pela obrigatoriedade de as casas passarem a ter este tipo de cobertura nos seguros. Mas uma resposta tarda.

O sismo que nesta noite abalou o país foi também um abanão de realidade. Apesar de os 5.3 na escala de Richter terem sido amplamente sentidos e registados, desta vez não houve estragos a lamentar. Mas a destruição potencial não pode ser ignorada. “O risco sísmico é o maior risco catastrófico a que está exposto o território nacional, com perdas que podem atingir 20% do PIB num evento mais severo”, explicou em entrevista recente José Galamba de Oliveira, presidente da APS, que há muito defende a urgência de “agir já também contra os riscos crescentes” decorrentes das alterações climáticas.

A própria Assembleia da República aprovou uma recomendação para a criação de um Fundo de Garantia para os Riscos Climáticos e Sísmicos a 2 de março de 2023, com a  Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) a ficar com a missão de preparar um regulamento, que devia ter sido entregue em março mas estará ainda a ser ultimado, confirmou a instituição ao ECO. E até agora, nada andou para a frente. No início do ano, ao ECO, a presidente da ASF, Margarida Aguiar, confirmava que o projeto estava em marcha e que a decisão política quanto ao seu financiamento deveria ser tomada pelo novo governo.

Um fundo como aquele que vários países europeus têm constituído — com Espanha à cabeça, que criou o "Consórcio", em 1972, e que já lhe permitiu, por exemplo, pagar os estragos provocados pelo vulcão das Canárias, em 2022 — permitiria ajudar a criar meios para que o Estado português consiga fazer face às enormes perdas que possam resultar de um fenómeno sísmico ou aos efeitos dos cada vez mais frequentes fenómenos climáticos extremos.

O sistema, defende Galamba de Oliveira, deveria priorizar o risco sísmico, através de um fundo nacional que permitisse repartir custos entre os segurados, as seguradoras e as resseguradoras, alargando-se então aos fenómenos climáticos. Esta divisão de esforço permitiria libertar o Estado da fatura maior, entrando apenas em ação quando esgotadas as restantes camadas de proteção ou caso pretendesse assumir algum apoio específico.

Isso passaria por tornar obrigatória a cobertura de risco sísmico, bem como por criar mecanismos de fiscalização que garantissem que, à semelhança do que acontece já com o seguro automóvel, os proprietários estivessem de facto seguros. Assegurar essas condições permitiria então que, “no cenário em que a APS mais trabalhou em 2018, se respondesse por uma capacidade global de 8 mil milhões de euros na componente seguradora”. Os valores teriam de ser atualizados aos preços correntes, mas esses pressupostos poriam “o custo médio da cobertura de sismos abaixo dos 50€/ano”, estima o responsável.

Recuperando o estudo apresentado pela APS em outubro, de perto de 6 milhões de casas no país havia, 3,2 milhões com “estruturas protegidas por apólices de incêndio ou multirriscos”. Só um terço dessas tinham cobertura específica do risco sísmico. “O volume global de capitais seguros das apólices de incêndio e multirriscos ascendia a 514 mil milhões de euros”, o que equivale a uma média de 161 mil euros por habitação (171 mil nas apólices com cobertura do risco sísmico). Muito pouco quando um evento extremo pode significar perda total na apenas da casa mas de acessos, infraestruturas básicas e estragos alargados à propriedade privada e pública.