Olinda Soares passou os 60. Nasceu em Barcelos, nos tempos em que a pobreza desaguava nas ruas. Em 1966, aos 7 anos, a mãe enviou-a para Coimbra, entregando-a à guarda das Irmãs do Amor de Deus, que geriam a Casa de Infância Elísio de Moura.

Olinda Soares, a vítima, é o fio condutor do primeiro episódio desta investigação jornalística. Sebastião Cruz, o padre, é o alegado abusador.

Sebastião Cruz morreu em 1996. Padre e professor catedrático da Universidade de Coimbra, integrou a direção da Casa de Infância até à morte do diretor e patrono, Elísio de Moura.

Elísio de Moura foi cinco décadas diretor da instituição. O psiquiatra e, como Sebastião Cruz, professor catedrático na mesma universidade, ajudou a erguer a Casa de Infância. Para as internas, meninas frágeis e desprotegidas, o psiquiatra era o “paizinho”.

A partir destas personagens, esta investigação jornalística entra no território do insólito, do horror, da violência.

Alojamo-nos nesse ambiente, de horror e violência, a partir dos depoimentos de antigas internas e dos desabafos, profundos e dramáticos, que mais de duas centenas de meninas, que estiveram na Casa de Infância nas décadas de 60, 70 e 80 do século passado, deixaram em dois grupos fechados do Facebook, a que acedemos.

Dizem-nos todas essas vozes que, na casa, gerida pelas freiras da Congregação Amor de Deus, se vivia uma realidade paralela: “Quando o paizinho nos visitava, escondíamos, à pressa, as vassouras e os panos de pó. As freiras eram todas sorrisos. Os castigos e os maus-tratos eram interrompidos”, desabafa Olinda Soares, a entrevistada que nos guia neste primeiro episódio.

A Casa de Infância Elísio de Moura, fundada em 1836, teve, desde a sua génese, uma ligação direta à Universidade de Coimbra. A direção da Casa, até hoje, foi sempre assumida por professores desta instituição académica, como Elísio de Moura e Sebastião Cruz.

A maioria das mulheres que passaram pela Casa de Infância - e que deixam a voz nos grupos fechados do Facebook – recusa tornar público o sofrimento que a instituição lhes infligiu. Olinda, Sónia (nome fictício), Sandra, Rosa e Fátima aceitaram falar. Através das cinco, chegamos ao centro da história.

No primeiro episódio avaliamos a forma como a Igreja Católica está a lidar com as vítimas de abuso sexual e, ao detalhe, analisamos as consequências, para as vítimas, da falta de transparência do Grupo VITA, a entidade que a Conferência Episcopal criou para gerir o processo das indemnizações.

“As Pupilas” é uma grande reportagem de Pedro Coelho e Filipe Teles, com imagem de Vítor Caldas, edição de imagem de Rui Berton, grafismo de Patrícia Reis, produção de Diana Matias e Sara Rodrigues (estagiária), coordenação de Miriam Alves e direção de Marta Reis e Ricardo Costa.