Até 2024, o caminho mais direto para se chegar ao espaço passava por uma viagem para Lisboa, mas neste ano letivo que agora arranca muitos jovens nortenhos passaram a dispor de um atalho com a estreia do curso de engenharia aeroespacial da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). Logo no ano de estreia, o novo curso passou a liderar as médias de acesso, com a nota mais baixa a ficar fixada em 19,45. Decididamente, a distância é um fator para quem quer chegar às estrelas.
“Começámos a ver muitos desses cursos, em particular o curso do Instituto Superior Técnico, que foi o grande percursor do do ensino aeroespacial desde 1991 em Portugal. Grande parte da população estudantil destes cursos vinha da zona norte. Começámos a perceber que estávamos a perder talento e, pior que tudo, talento à nossa porta”, responde João Tavares, diretor do Departamento de Mecânica da FEUP, no podcast Futuro do Futuro.
Com 30 alunos munidos de notas que qualquer faculdade gostaria de ter, Engenharia Aeroespacial da FEUP não promete formar astronautas nem fabricantes de naves, mas promete facilidade na colocação dos futuros engenheiros, como tem acontecido com cursos de mecânica e eletrotecnia que já começaram a fazer carreira no sector.
“As empresas já nem sequer querem estar à espera [dos alunos] e estão a instalar-se em Portugal exatamente para conseguir aceder aos nossos recursos humanos”, responde João Tavares.
O professor da FEUP também admite que parte da nova fornada de alunos deverá rumar ao estrangeiro, mas destaca o crescendo da indústria nacional ao lembrar que, hoje, qualquer aeronave tem, pelo menos, um componente produzido em Portugal. A este fator junta-se o paradigma do Novo Espaço, que tem vindo a democratizar tecnologias que permitem lançar missões orbitais ou de exploração de planetas. “A aposta está nos mini-satélites. Aí Portugal já tem recursos para ir a jogo”, responde João Tavares.
O Porto Espacial de Santa Maria, nos Açores, e os projetos de desenvolvimento de foguetões de menores dimensões são também apontados como oportunidades que podem ajudar Portugal a ingressar no restrito pelotão de países que já têm acesso ao Espaço.
João Tavares não tem dúvidas de que o espaço pode funcionar como alavanca da economia nacional e destaca alguns números auspiciosos. “Temos cerca de 18.500 pessoas já a trabalhar neste ecossistema. Temos verbas geradas de um €1,72 mil milhões. Temos cerca de 30 institutos de investigação e laboratórios de investigação associados a este setor”.
Além do fator geográfico, o fator monetário terá influenciado a escolha dos alunos. “Temos um setor que está a crescer imenso, que é constituído por pequenas empresas, na grande maioria com 40, 50 ou 60 funcionários, onde a inovação e a dinâmica estão com toda a pujança, como se costuma dizer. E é um setor que paga cerca de 27% a mais que os outros”.
Em resposta aos dois desafios que costumam ser colocados no podcast Futuro do Futuro, João Tavares trouxe para estúdio uma imagem alusiva ao curso de mecânica e o tema Space Oddity, de David Bowie.
Entre caloiros de aeroespacial não faltam notas que roçam a perfeição e que têm implícitos custos pessoais que nem todos os adolescentes estão dispostos a fazer. “Eles não conseguem os resultados se não trabalharem imenso”, refere o professor sobre os novos alunos.
Simone Pinto, a aluna mais bem classificada em aeroespacial da FEUP, é apontada como exemplo por não deixar os hobbies enquanto estudava para entrar em Aeroespacial, mas João Tavares admite que a força mental é indispensável: “Acima de tudo exige trabalho e espírito de sacrifício, porque, se calhar, os alunos passaram os fins de semana a estudar enquanto outros colegas que iam para festas”. A recompensa há de chegar com o regresso às aulas.
Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos.