Washington comunicou por carta a Israel que enfrentará consequências dentro de 30 dias se não permitir a entrada de mais ajuda humanitária em Gaza, afirmou o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, citado pelo jornal “The New York Times”.

O secretário da Defesa norte-americana, Lloyd J. Austin III, e o secretário de Estado Antony J. Blinken, assinaram a mensagem e enviaram-na, no domingo, ao ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, e ao seu ministro dos Assuntos Estratégicos, Ron Dermer. Os EUA têm assistido a uma deterioração das condições humanitárias em Gaza, e Israel continua a impor restrições à entrega de ajuda internacional. “O que temos visto nos últimos meses é que o nível de assistência humanitária não tem sido sustentado”, explicou Miller, em conferência de imprensa. “Na verdade, caiu mais de 50%, desde que atingiu o seu máximo." (Em setembro, o fluxo de apoio terá sido o mais baixo desde 7 de outubro do ano passado.)

Blinken e Austin procuraram “deixar claro ao Governo de Israel que há mudanças que precisa de fazer” para aumentar os níveis ”muito baixos" de ajuda a entrar. O porta-voz do Departamento de Estado não revelou quais seriam as consequências a aplicar se Israel desrespeitasse o pedido de Washington. No entanto, o jornalista de política norte-americano da “Axios” Barak Ravid publicou uma cópia da carta, que levanta a possibilidade da suspensão da ajuda militar, já que a lei dos EUA proíbe o fornecimento de ajuda militar a qualquer país que esteja a bloquear a entrega de ajuda humanitária fornecida por Washington.

“Estamos agora a escrever para sublinhar a profunda preocupação do governo dos EUA com a deterioração da situação humanitária em Gaza e procurar ações urgentes e sustentadas por parte do seu Governo, este mês, para inverter esta trajetória”, pode ler-se no documento divulgado.

De acordo com o porta-voz Matthew Miller, o prazo de 30 dias dá a Israel “um período de tempo apropriado para implementar” mudanças.

Noutro plano, o Governo israelita terá comunicado a Washington que evitará atacar locais iranianos de enriquecimento de urânio e de armazenamento de petróleo, refere o jornal “The Washington Post”. O objetivo será reduzir a probabilidade de a retaliação de Israel desencadear imediatamente uma guerra total entre os dois adversários. Estas linhas vermelhas terão também sido estabelecidas por Washington ter manifestado que os EUA não queriam ser arrastados para um confronto maior no Médio Oriente, num momento em que as eleições presidenciais estão à porta.

O ataque de retaliação israelita deverá então cingir-se a alvos militares no Irão. Além de a escala dos ataques não ser para já conhecida, Israel admite ainda que poderá mais tarde seguir-se uma ronda de novas ofensivas, contra objetivos mais ambiciosos, se o Irão persistir em responder.

O Irão reagiu com drones e mísseis balísticos contra Israel em abril, depois de Israel ter executado vários comandantes iranianos. Israel respondeu atacando uma estação de radar iraniana e, mais tarde, matando um líder do Hamas, Ismail Haniyeh, quando este se encontrava de visita a Teerão. Nas últimas semanas, o Irão disparou outra enorme ronda de mísseis contra Israel, em parte em resposta ao assassinato de Haniyeh, deixando as autoridades norte-americanas em sobressalto quanto ao próximo movimento israelita.

Joe Biden e o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, falaram na semana passada pela primeira vez em meses. Num comunicado divulgado nesta terça-feira, o gabinete de Netanyahu afirma: “Ouvimos as opiniões dos Estados Unidos, mas tomaremos as nossas decisões finais tendo por base os interesses nacionais."

Há ainda uma vasta gama de alvos militares à disposição de Israel, como lançadores de mísseis e drones, locais de armazenamento de mísseis e drones, fábricas de equipamento militar, bases militares e grandes edifícios do executivo. Há ainda a possibilidade de serem atacados laboratórios de investigação nuclear, contornando assim a hipótese de atingir os locais subterrâneos de enriquecimento nuclear do Irão.

“O maior desafio para Israel seria a distância e a topografia do Irão”, diz ao Expresso Abhijit Apsingikar, analista militar indiano da GlobalData (uma consultora de análise de riscos, em Londres). “O Irão, que tem um terreno maioritariamente montanhoso, investiu significativamente no desenvolvimento de sistemas de defesa aérea robustos em torno da tecnologia chinesa e russa e, embora tecnologicamente desatualizado, possui uma rede de abrigos e bases subterrâneas robustas e de elevada capacidade de sobrevivência, espalhadas por todo o vasto país, o que torna particularmente difícil suprimi-los a grandes distâncias. Além disso, o Irão desenvolveu também um programa robusto de mísseis balísticos, que continua a ser um grande risco para Israel, e apesar dos seus investimentos no sistema de defesa antimíssil Arrow, as salvas de mísseis podem sobrecarregar os sistemas de defesa antimíssil, saturando-os.”

As possibilidades de um confronto direto entre o Irão e Israel estão a aumentar “a um ritmo alarmante”, assume Abhijit Apsingikar. “Com o Irão a atacar persistentemente Israel através dos seus representantes em Gaza, no Líbano e no Iémen, é apenas uma questão de tempo até que Israel responda. No entanto, os riscos de desencadear um conflito mais amplo no Médio Oriente são um risco fundamental que o Ocidente não pode suportar e, como tal, poderia esperar-se que os EUA e a União Europeia mediassem, para evitar um conflito mais amplo.”

Jamie Shea, antigo vice-secretário-geral adjunto para os Desafios Emergentes de Segurança da NATO, também acredita “muito depende do Irão e do tipo de capacidades de mísseis e drones que este dá ao Hezbollah, e das armas que permite à organização utilizar para atacar Israel” - isso condicionará as respostas e retaliações de Israel, e, consequentemente, do adversário. “O Hezbollah recebe ordens de Teerão, e o Irão sabe que, se o Hezbollah atacar Israel com mísseis balísticos pesados, será culpado, e Israel atacará Teerão, em vez de manter a guerra limitada ao Líbano”, explica ao Expresso Jamie Shea.

“Israel está a atacar os lançadores de mísseis do Hezbollah no sul do Líbano e no Vale do Bekaa e os seus depósitos de munições e mísseis no sul de Beirute. Está a lançar múltiplas bombas para penetrar nos bunkers subterrâneos do Hezbollah. As FDI afirmam ter destruído dois mil lançadores e bunkers do Hezbollah até ao momento. Esta atividade deverá diminuir a capacidade do Hezbollah para continuar a atacar o norte de Israel.” Mas o Hezbollah também possui mísseis balísticos de longo alcance fornecidos pelo Irão, e, se Teerão permitir que o Hezbollah utilize estes mísseis de maior alcance e de voo mais rápido, estes poderão penetrar na defesa antimíssil de Israel e infligir baixas consideráveis ​​nas vilas e cidades de Israel, de acordo com Shea.

“Estes mísseis podem ser disparados a partir do norte do Líbano ou mesmo da Síria, além do alcance das atuais operações de Israel no sul do Líbano. Isto tornaria difícil para Israel alcançar o seu objectivo de realojar os seus 60 mil cidadãos nas suas casas no norte de Israel, mesmo que as FDI tentassem estabelecer uma zona de ocupação ampla e de longa duração no sul do Líbano. O problema para Israel é que não pode ocupar todo o Líbano, como atualmente ocupa todo o território de Gaza. Por conseguinte, não pode eliminar o Hezbollah nem isolar as fronteiras do Líbano para impedir que este receba novos fornecimentos e mísseis do Irão. Mesmo em Gaza totalmente ocupada, o Hamas ainda sobrevive e até se reconstituiu, no norte.”

Outras notícias a destacar:

⇒ O Pentágono anunciou que os primeiros componentes e o pessoal necessário para operar o sistema antimísseis Terminal High Altitude Air Defence (THAAD) chegaram a Israel na segunda-feira, acrescentando que mais elementos e operadores chegarão nos próximos dias. Essa bateria antimísseis estará totalmente operacional "num futuro próximo", mas, por razões de segurança, não foram fornecidos pormenores sobre o calendário.

⇒ Os Estados Unidos afirmaram que se opõem à campanha de bombardeamentos levada a cabo por Israel sobre a capital libanesa, Beirute, e que puseram a par as autoridades israelitas. "Deixámos claro a Israel que nos opomos à campanha de bombardeamentos que lançou nas últimas semanas em Beirute", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, aos jornalistas, sublinhando que estes ataques diminuíram de intensidade nos últimos dias.

⇒ O Exército israelita informou que capturou três combatentes do Hezbollah no sul do Líbano, o segundo anúncio deste tipo desde a escalada de violência com o grupo armado xiita, no mês passado. "Uma conduta subterrânea foi localizada dentro de um edifício utilizado pelo Hezbollah. As forças cercaram o edifício, onde estavam escondidos três terroristas da força Radwan", disse o Exército em comunicado, referindo-se à unidade de elite do movimento libanês apoiado pelo Irão. Por outro lado, o Hezbollah acusou o Exército israelita de usar munições de fragmentação, proibidas internacionalmente, e anunciou novo ataque com 'rockets' contra a cidade de Safed e contra uma base militar no norte de Israel.

⇒ O Presidente francês, Emmanuel Macron, sublinhou que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, "não deve esquecer que o seu país foi criado por uma decisão da ONU". O chefe de Estado francês referia-se ao facto de a Assembleia-Geral da ONU ter aprovado em 1947 o plano para a divisão da Palestina entre um Estado judaico (Israel) e outro árabe.