Teoricamente, todos os portugueses podem ter a sorte de encontrar um fóssil de dinossauro no quintal. E, legalmente, todos poderão vender os fósseis que encontram em propriedades privadas, se não tiverem sido classificados previamente como sendo de interesse público. É nesse ponto da lei que se geram alguns negócios. “Há de facto contrabando, vamos assim dizer. Portanto, há pessoas que coletam exemplares fósseis e que os vendem maioritariamente fora do país”, denuncia Pedro Mocho, paleontólogo que trabalha na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e no Instituto Dom Luiz, no podcast Futuro do Futuro.

O paleontólogo português surgiu recentemente nas notícias de ciência com o anúncio da catalogação de uma nova espécie de dinossauro denominado Qunkasaura pintiquiniestra. Os fósseis foram descobertos em Lo Hueco, nas imediações da cidade espanhola de Cuenca, em Espanha, durante as obras da linha ferroviária de alta velocidade entre Madrid e Valência.

Pedro Mocho defende restrições para a venda de fósseis descobertos em propriedades privadas
Pedro Mocho defende restrições para a venda de fósseis descobertos em propriedades privadas Matilde Fieschi

De acordo com a equipa de paleontólogos, o Qunkasaura pintiquiniestra viveu por aquelas bandas há cerca de 73 milhões de anos – e é hoje um indício de uma alteração na fauna que ocorreu numa ilha bem remota no tempo. “Eles [os dinossauros] saltavam entre ilhas. E nós tínhamos uma ilha que incluía Portugal, Espanha e o Sul de França”, descreve Pedro Mocho.

É o embalo da “descoberta” levada a cabo em Lo Hueco que leva Pedro Mocho a responder aos desafios do Futuro do Futuro com uma imagem que ajuda a ilustrar o que poderá ter sido um Qunkasaura pintiquiniestra e ainda sons relativos às obras que permitiram destapar esse passado longínquo.

Imagem que Pedro Mocho trouxe para o Futuro do Futuro, para ilustrar o aspeto e as dimensões do dinossauro Qunkasaura Pintiquiniestra por comparação com Dom Quixote e Sancho Pança
Imagem que Pedro Mocho trouxe para o Futuro do Futuro, para ilustrar o aspeto e as dimensões do dinossauro Qunkasaura Pintiquiniestra por comparação com Dom Quixote e Sancho Pança GBE-UNED

Pedro Mocho recorda que, em Espanha, há limitações à venda de fósseis de dinossauros independentemente de serem encontrados em terreno privado ou estatal. “Há países que proíbem completamente a venda de fósseis e a colheita de fósseis de forma ilegal, portanto, sem ser controlada”, refere o investigador da FCUL.

"Em Portugal, se encontrar um fóssil dentro de um parque natural, não posso, obviamente, nem remover, nem retirar, nem vender”, refere o investigador, sem fazer qualquer reparo a esta restrição. Em contrapartida, se o fóssil for encontrado num terreno privado, “teoricamente” pode ser retirado e comercializado por quem o descobre, “a não ser que seja declarado um bem de interesse comum, um bem com valor de interesse público ou que seja considerado património”, sublinha o paleontólogo.

Por razões óbvias, é difícil que todos os fósseis obtenham essa classificação antes de serem descobertos – e a prova disso mesmo surgiu mais uma vez na jazida de Lo Hueco, que só foi descoberta com as obras de uma nova linha ferroviária. Pedro Mocho considera que é chegada a hora de acautelar estas situações também em Portugal.

“Eu tendo a acreditar numa perspetiva mais restrita. Acho que a nossa atividade devia ser regulamentada e também acho que, obviamente, não devia ser permitida a venda de fósseis coletados no nosso território, seja em que condições for”, defende o cientista.

Em Lo Hueco, foram já recolhidos 10 mil exemplares de fósseis relativos a dinossauros. Pedro Mocho admite que, nos próximos tempos, possam vir a ser anunciadas mais espécies que ainda não estavam catalogadas oficialmente, mas também não esconde que o anúncio relativo à “descoberta” do Qunkasaura pintiquiniestra vai estar sujeita ao escrutínio da comunidade de paleontologia.

“Uma espécie nova é uma hipótese. É uma hipótese que pode ser comprovada ou refutada por outros colegas”, refere Pedro Mocho. “À medida que o tempo passa, às vezes, temos que repensar as espécies anteriormente estabelecidas para saber se realmente são válidas”, acrescenta.

Com mais de 30 expedições científicas no currículo, Pedro Mocho destaca entre os momentos mais emotivos da carreira a vez em que encontrou um crânio de um Tiranossauro no Novo México, nos EUA, mas lembra que Portugal tem também locais ricos em fósseis.

“Há alguma coisa do cretáceo superior, por exemplo, na região de Aveiro… em Taveiro, que é ao lado de Coimbra, mas o que domina em Portugal é o registo de dinossauros do jurássico Superior. Portanto, com 145 milhões de anos”, descreve o investigador, apontando a Região Oeste como a que tem maior número de jazidas.

Sobre o Qunkasaura pintiquiniestra, Pedro Mocho diz tratar-se de um dinossauro saurópode, de 10 a 15 toneladas, e cerca de 15 metros de comprimento.

“Quando começámos a estudar, percebemos que era um grupo completamente diferente. O que realmente marca a importância deste achado é que identificámos, pela primeira vez, um grupo de dinossauros saurópodes, ou pelo menos, suportámos essa ideia de que não pertencia aos típicos saurópodes que encontramos na Europa, mas sim a um grupo que, em princípio, teria vindo da Ásia”, conclui o paleontólogo.

Tiago Pereira Santos

Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos.