A procuradora-geral da República negou, esta quarta-feira, ter-se recusado a prestar esclarecimentos ao Parlamento, ao lembrar que é a quarta vez que é ouvida, e desvalorizou o atraso na divulgação do relatório de atividade do Ministério Público (MP).
Em audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a propósito da apresentação do relatório de 2023 do MP e na sequência de vários processos mediáticos que agitaram a sociedade, Lucília Gago reiterou a sua "total recetividade" ao convite para estar na Assembleia da República e rejeitou que tivesse pedido o adiamento da audição.
"Esta é a quarta vez desde o início do meu mandato que me encontro a ser ouvida na Assembleia da República, correspondendo a solicitações. Em 2019, no âmbito da comissão parlamentar de inquérito de Tancos; em junho do mesmo ano, no âmbito de uma audição sobre crianças e jovens; e em 2021 numa audição sobre a diretiva dos poderes hierárquicos em processo penal", frisou.
"Tudo foi rigorosamente cumprido"
Lucília Gago desvalorizou também o facto de o relatório do MP só ter sido publicamente divulgado em agosto, quando o prazo previsto é 31 de maio, ao lembrar atrasos no mandato da sua antecessora, Joana Marques Vidal.
"Em setembro de 2018, antes de iniciar o meu mandato, foram divulgados três relatórios, reportados aos anos 2017, 2015-16 e 2015-14. Relativamente ao meu mandato, os relatórios foram sequenciais e tudo foi rigorosamente cumprido, salvo o momento de apresentação", observou.
Afirmou que o relatório tem sido todos os anos publicitado e sublinhou que esta é "a primeira vez que um procurador-geral da República é questionado sobre o tema".
Já sobre as razões do atraso no relatório, a procuradora-geral da República apontou o envio retardado de alguns dados por comarcas do MP e as greves dos funcionários judiciais, apesar de reconhecer a "justeza das reivindicações" dos seus profissionais.
"Magistrados fazem esforço dantesco"
Ao nível da prestação de contas, Lucília Gago invocou também o aumento dos inspetores e da atividade inspetiva durante o seu mandato, ao notar que existe atualmente "uma verificação mais apertada".
"Os magistrados do MP fazem um enorme esforço, por vezes dantesco, para levar por diante a sua missão, não obstante a falta de meios", assegurou, numa audição que está também a ser acompanhada presencialmente pelo presidente da Assembleia da República, Aguiar Branco.
Revisão da lei do recurso às escutas pode fazer cair investigações
A procuradora-geral da República alertou ainda para o risco de uma eventual revisão da lei de recurso a escutas fazer cair algumas investigações judiciais, sublinhando que o número de interceções telefónicas diminuiu nos últimos anos.
"A opção existe e é óbvio que pode ser alterada, ainda que consideremos que a lei, tal como está, está bem. O Ministério Público apenas recorre a escutas quando justamente e de forma criteriosa percebe que elas são essenciais", começou por dizer Lucília Gago, complementando: "Se for outra a opção do legislador, algumas investigações poderão vir a soçobrar. É bom que não tenhamos qualquer dúvida".
A PGR frisou também que o máximo de escutas foi atingido em 2015, com mais de 15 mil interceções, enquanto em 2023 ficaram abaixo das 11 mil.
"Em qualquer circunstância, as escutas carecem de autorização judicial e de renovação dessa mesma autorização. Ou seja, tem de haver do magistrado titular do processo a avaliação de recorrer a escutas e também da magistratura judicial idêntica leitura, não só naquele momento como aquando das renovações", referiu.
Questionada sobre o tempo prolongado de realização de algumas escutas telefónicas que vieram a público no último ano, a procuradora-geral da República destacou que essas situações "são absolutamente excecionais" e apenas ocorrem porque "se reconhece a necessidade para as finalidades do inquérito".
Lucília Gago salientou também que o peso das escutas nos inquéritos é reduzido e "tem vindo a diminuir de forma sustentada", notando que "os inquéritos com escutas nunca atingiram 2,5% dos inquéritos em cada ano e em 2023 não chegaram a 1,5%".
Com Lusa
Artigo atualizado às 11:27