Em Gondomar, as primeiras horas da manhã são de esperança e desespero. O gigante de chamas que venceu, durante dias, um exército de árvores e gentes foi contido, mas o caminho de destruição que foi oferecendo a cada lugar por onde passou ergue-se por entre o manto de fumo que pousa sobre aquele concelho do distrito do Porto.

Em Branzelo, Melres, o caminho - percorrido ainda no início do mês pelos andores que carregam a imagem de Nossa Senhora da Aflição - é agora feito de cinza e silêncio. Da capela, propriedade privada que passou de geração em geração ao longo de 140 anos, restam as memórias.

As paredes, cujas fissuras revelam a violência do incêndio, escondem o amontoado de destroços no local onde outrora existiu um altar de madeira, de que agora não há vestígio. 

Na mesma manhã em que o incêndio chegou a Branzelo, a proprietária da capela, qual premonição, havia retirado os santos da devoção, salvando-os de um destino certo, contou Altino Rocha que mora junto à Capela da Nossa Senhora da Aflição.

"Não se conseguiu fazer nada dada a dimensão das chamas e do vento. Conseguimos proteger as nossas casas, mas foi impossível vir aqui e acudir à capela", relatou, assinalando que a temperatura era tal que nem permitiu aos moradores estar no exterior com as mangueiras.

Altino Rocha não culpa ou critica os bombeiros. "Tivemos a ajuda possível", diz. Em frente à capela, onde semanas antes tinha tirado uma fotografia de família, mostrou-se convicto que a ermida centenária tem salvação. A Associação Branzelo Ativo a que pertence, já lançou apelo à população, na esperança que a capela possa voltar a ser ponto de romaria.

Não muito longe dali, em Covelo, na localidade de Serra, onde antes um outro incêndio deixou populares cercados, a combater sozinhos, durante longas horas, Tânia Barbosa, é o rosto da resiliência. 

Há 18 anos, no dia em subiu ao altar, um incêndio de grandes proporções fez-se de convidado. 

"Isto ardeu tudo. Tive de fazer o caminho para a igreja, a pé, com as meninas das alianças", contou à Lusa.

Nesta quarta-feira, a memória longínqua regressou quando confrontada pelo cenário dantesco que se viveu em Covelo. Tânia teve toda a família em risco.

"Deixei o café aberto e fui ajudar o meu irmão. Acho que ele não tinha a perceção do que se estava a passar. Vende gás e não tinha sequer arrumado os carros", contou, acrescentando que também os avós, que vivem noutra localidade, em Sobrido, tiveram de ser retirados. 

Também Cidália de 71 anos, teve medo. Conta-nos com os olhos ainda raiados de vermelho, o medo que teve de perder o filho que, como tantos outros populares, tentava combater incêndio que sitiou a localidade de Serra. Cidália não quis dizer muito mais, deixa a tarefa de contar como sobreviveram para a neta Ana.

"Nós olhávamos para cima e só víamos o fogo. Nós não víamos bombeiros. Eu pensei: se não houver bombeiros, vamos morrer aqui todos porque nós estamos completamente isolados", contou a neta de Cidália.

Bastaram minutos e Ana e Cidália já não tinham por onde fugir. "Tivemos muita sorte, não se salvou nada, a não ser as casas. (...) Lá em cima, nós ouvíamos a pessoas a berrar e era arrepiante, porque ninguém conseguia fazer nada", relatou.

"A única coisa que eu fiz foi rezar e pedir para nos salvar", conta Ana que se apercebeu, já depois de "tudo apagado", que ao lado da casa da avó, num pequeno anexo, havia "um bidão de gasolina e uma garrafa de gás".

No seu percurso, o incêndio deixou também marcas profundas em Jovim.

Onde antes funcionou uma marcenaria que empregou em tempos mais de 40 pessoas, ficaram apenas para algumas máquinas para contar a história. Sentado na companhia da filha, nas escadas de um anexo, José Santos de 72 anos, conhecido por "Valente" nos seus tempos de atleta de boxe, conta que foi levado pela GNR antes que as chamas ali chegassem. Salvaram-se a casa e os cães.

"Quanto mais tempo tiver isto [os destroços] no chão, mais doente eu fico", disse de voz embargada, apontando para oficina ladeada pela área de hectares equivalente a dois campos de futebol, que não eram limpos há pelo menos 12 anos.

"Os donos disto dizem mesmo que não limpam. Mais vale pagar a multa, do que limpar", desabafou.

Em todo concelho, tenta-se regressar à normalidade. Hoje ainda havia escolas fechadas e o fogo ainda fazia caminho na boca de quem o enfrentou. 

Junto ao pavilhão Multiusos, onde nos últimos dois dias se recolheram bens alimentares para ajudar os bombeiros na linha de fogo, a feira semanal decorre como é habitual. 

No pavilhão, do outro lado da estrada, mais de uma dezena de pessoas desfazem os cabazes preparados para os operacionais no terreno. 

Sem incêndios ativos, o objetivo é distribuir cabazes com os bens angariados pelos cerca de 500 bombeiros das cinco corporações do concelho, conta a vereadora com os pelouros da Coesão Social, Gestão do Território, Desenvolvimento Económico e Empreendedorismo e Saúde, Cláudia Vieira.

A vereadora adianta ainda que a autarquia tem recebido manifestações de particulares que querem colaborar, oferecendo materiais para a recuperação das habitações ou até mobiliário.

O incêndio que deflagrou na segunda-feira em Gondomar e atingiu as zonas de Medas, Jovim, Jancido (Foz do Sousa) e Melres, bem como em Gens, obrigou ao corte de várias estradas e à evacuação preventiva das localidades de Covelo, Jancindo (Foz do Sousa), e Branzedo (Melres).

Oito bombeiros ficaram feridos durante o combate às chamas -- seis na segunda-feira e dois na quarta-feira -- um deles em estado grave.

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Lusa/Fim