Parece um jogo de xadrez apenas com um jogador. Do outro lado da mesa, nem sequer uma máquina, um computador. Quando muito, a mesma pessoa. Rui Costa contra Rui Costa. Ou a(s) sombra(s) dele.

As movimentações políticas no interior do Benfica conseguem colocar em segundo plano a entrada de João Diogo Manteigas na corrida eleitoral marcada para outubro de 2025. Nem a generosidade manifestada pelo jovem advogado, abrindo a sede de campanha a João Noronha Lopes, serve para abafar os ecos da demissão de Fernando Seara, o ex-presidente da Mesa da Assembleia Geral (AG) que renunciou ao cargo no último sábado.

Quando nada o fazia prever e pelos vistos apenas movido pela intolerância face aos pedidos de suspensão da AG extraordinária que votava a revisão estatutária, Seara largou os trabalhos e engrossou o lote de desistentes do caminho traçado pelo homem que os sócios elegeram com mais de 80% dos votos em 2021.

De uma ponta a outra do universo benfiquista, os focos de incêndio vão dizimando a estrutura, abalada pelas saídas na SAD (primeiro Domingos Soares Oliveira, depois Luís Mendes, a seguir Maria Gabriela Pestana, Rita Sampaio Nunes e Lourenço Coelho), no departamento jurídico (Gustavo Silva) e no Seixal Campus (Pedro Mil-Homens).

É verdade que o Conselho de Administração da SAD foi já recomposto, mas até a nomeação de Eduardo Stock da Cunha mereceu de Luís Filipe Vieira um aplauso que deixa o novo administrador a pisar areias movediças. Lançado na explosiva entrevista dada por Vieira à CMTV como a figura ideal para sossegar os associados numa corrida às urnas (“eu e todos os benfiquistas ficaríamos bem se o Stock da Cunha fosse presidente do Benfica no futuro”), o reputado gestor tornou-se de repente uma referência do “Vieirismo”, com tudo aquilo de negativo que a associação acarreta.

MÁRIO CRUZ

Sem muitos motivos para estar descansado com alguns dos elementos que sobreviveram à passagem de testemunho, Rui Costa, após a remodelação de poderes, ficou também com a certeza de que ainda está longe a data em que pode olhar sem desconfiança para todos os sinais exteriores de apoio e de suposta cumplicidade. E do ponto de vista interno, o próprio clube sentiu a necessidade de propor um voto de confiança ao Conselho de Administração e ao Conselho Fiscal, voto esse curiosamente sugerido no mesmo domingo que marcou a apresentação do Relatório e Contas relativo aos meses compreendidos entre julho de 2023 e junho deste ano.

Outro Zé como ninguém

Daqui a 72 horas, quando se realizar a Assembleia Geral de acionistas, de certeza que o Maestro se recordará do que ainda significa neste País um voto de confiança passado pelas Direções aos treinadores, bastando, para isso, lembrar-se do que aconteceu em casa com o “chicoteado” Roger Schmidt. Levando em linha de conta a mudança desesperada de técnico cumpridas somente quatro jornadas da Liga, a recomposição dramática da SAD, os efeitos bastante corrosivos da referida entrevista de Luís Filipe Vieira, sem esquecer a apresentação de um resultado líquido negativo em 2023/24 que ultrapassou os 21 milhões de euros, no mínimo dos mínimos era de esperar por parte de Fernando Seara uma superior capacidade para lidar com os protestos de alguns associados.

Gualter Fatia

Ao reagir como reagiu, o professor que nas tribunas mediáticas tanto se notabilizou na defesa das águias terá de uma vez por todas liquidado as possibilidades de um dia se submeter ao sufrágio popular e, mais grave do que isso, ter-se-á esquecido do dever de solidariedade institucional, algo, de resto, absolutamente inerente às funções. Por muito sensível que fosse às acusações de falta de transparência no processo de votação dos novos estatutos, alguém com a sua experiência não poderia cair no erro colossal de virar costas ao projeto e logo numa altura nevrálgica no que respeita tanto ao enquadramento associativo como à performance desportiva.

Quando emprestar de viva voz uma explicação para o sucedido, talvez o ex-presidente da AG descodifique ao pormenor uma decisão que de momento não colhe aprovação seja qual for a perspetiva. Se foi uma atitude ponderada há algum tempo, é incompreensível que a mesma tivesse sido executada quando o seu profissionalismo era mais requerido do que nunca, dando a imagem de que nos últimos tempos também ali se escondia um rosto da oposição. Noutro ângulo, se foi um ato cometido a “quente” (proibido a dirigentes de semelhante dimensão curricular), derrama-se a suspeita de que Fernando Seara só conseguiu olhar para o espelho e ignorou, com a maior leveza, os estilhaços que caíram nos ombros dos seus pares.

Alfredo Rocha/Getty Images

Vai valendo a Rui Costa, que tem passado boa parte deste ano a pedir desculpa aos adeptos (após os 5-0 sofridos no Dragão em março e após a demissão de Seara no sábado...), a circunstância de o FC Porto não empregar o único José Pereira da Costa competente no futebol português.

O José Pereira da Costa que tomou as rédeas da AG interrompida na Luz mostrou-se um “vice” à altura da crise e evitou que o “fogo” alastrasse Seara fora e tomasse várias frentes, com consequências de todo imprevisíveis. Salvou o que podia salvar, com a cabeça a responder tão depressa como o coração, adiando um xeque-mate elaborado do outro lado da mesa. Da Mesa da Assembleia Geral.