“Nós, os chefes de Estado e de Governo, representando os povos do mundo, reunimo-nos na Sede das Nações Unidas para proteger as necessidades e interesses das gerações presentes e futuras através das ações neste Pacto para o Futuro.”

Assim começa o tão aguardado Pacto para o Futuro, documento resultante da Cimeira do Futuro das Nações Unidas. Este Pacto procura posicionar-se como uma resposta coordenada aos desafios globais que definem a atualidade: o desenvolvimento sustentável e as formas de o financiar, a paz e a segurança internacional, a inovação e a transformação digital, a juventude e as futuras gerações e a governação global.

Não obstante, à medida que os representantes dos “povos do mundo” regressam aos seus países, permanece a questão incontornável: terá este Pacto a profundidade, o apoio e o compromisso necessário para reconfigurar o rumo da governação global ou estará condenado a juntar-se ao vasto rol de acordos internacionais que, apesar das boas intenções, se revelam insuficientes na sua implementação?

Nos últimos anos, o multilateralismo tem enfrentado uma grave crise de confiança. As divisões crescentes entre as grandes potências, o impacto devastador de crises globais, como a pandemia de COVID-19, e as diversas tensões regionais tornaram evidentes as limitações do atual sistema multilateral. A Organização das Nações Unidas (ONU), que foi concebida como uma plataforma de cooperação internacional, vê-se, muitas vezes, paralisada pela falta de consenso entre os seus membros. Neste cenário de polarização, muitas nações, especialmente o chamado sul global (G77), sentem-se à margem das decisões globais, incapazes de influenciar processos dominados pelos interesses das grandes economias e potências mundiais.

O Pacto procura abordar e nivelar esta disfunção estrutural, mas os desafios são profundos e históricos. Entre os seus principais objetivos, destaca-se a necessidade de acelerar a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com especial ênfase na erradicação da pobreza e na mitigação das alterações climáticas. Foi assumido que só 17% dos ODS estavam implementados, sendo que alguns deles até regrediram abaixo da linha de base de 2015. Em suma, o cumprimento da Agenda 2030 está, seriamente, em risco e anos de ganhos em desenvolvimento sustentável estão, atualmente, a ser revertidos.

A justiça climática, um dos eixos centrais do Pacto, coloca os países desenvolvidos sob uma maior pressão para liderarem o esforço global de combate às alterações climáticas, ao mesmo tempo que garante a proteção das comunidades mais vulneráveis. No entanto, por mais que as metas climáticas sejam urgentes, é nos campos das futuras gerações e da transformação digital que o Pacto para o Futuro procura realmente distinguir-se. Uma das suas inovações mais notáveis é a vontade de nomear um Enviado Especial para as Gerações Futuras, cuja função será garantir que os interesses das próximas gerações estejam no centro das decisões políticas globais.

No entanto, a reforma das instituições internacionais, nomeadamente do Conselho de Segurança, continua a ser um assunto tabu. Ficou claro para todos que, sem uma transformação profunda e urgente do Conselho de Segurança, o sistema corre o risco de se manter paralisado pelas mesmas dinâmicas de poder que o enfraqueceram ao longo das últimas décadas. Esta ausência de decisão, quanto à reformulação do Conselho de Segurança, está a minar a credibilidade da ONU. Não será demais sublinhar que, mesmo com todas as incapacidades, debilidades e inoperância que reconhecemos às Nações Unidas, não se vislumbra, no espetro dos atores do sistema político internacional, nenhuma alternativa ao papel desempenhado por esta importantíssima instituição. Nesse sentido, dado que não existe alternativa, a ONU terá mesmo de ser reestruturada com urgência.

A União Europeia, e necessariamente Portugal, têm a oportunidade de desempenhar um papel de liderança na implementação deste Pacto. Enquanto defensores históricos do multilateralismo, temos a responsabilidade de garantir que os compromissos assumidos sejam transformados em ações concretas. Contudo, para que estas intenções se traduzam em impacto real, será necessário mais do que meros Pactos e seus anexos: será fundamental uma mobilização concertada de recursos e uma adaptação das políticas nacionais e europeias para apoiar a execução eficaz do Pacto.

O Pacto para o Futuro representa mesmo a última oportunidade para reafirmar o multilateralismo que conhecemos, centrado nas Nações Unidas. A sua implementação não pode depender de promessas vagas ou sofrer mais adiamentos. Exige ação decidida, liderança corajosa e um compromisso real com as gerações futuras. O tempo de agir é agora.

* Hélder Sousa Silva é eurodeputado do PSD