A vida de Ricardo Baptista Leite já se dividia entre Genebra, sede da Health AI (fundação sem fins lucrativos especializada em Inteligência Artificial aplicada à saúde, de que é CEO), e Lisboa, onde vive com a mulher, a chair do Organismo Anti-Fraude Europeu (OLAF), Teresa Anjinho, e os três filhos rapazes, entre os 8 e os 20 anos. Agora, Ricardo vai somar à sua rotina as reuniões semanais nos Estados Unidos, ao serviço da Fundação Obama.

O médico e ex-deputado do PSD foi o primeiro português escolhido para integrar o restrito grupo de líderes criado em 2020 pelo antigo presidente americano, Barack Obama, que vai integrar no biénio 2024-2025 com a missão de ajudar a desenvolver competências de liderança e de envolvimento cívico, com vista a aumentar o impacto do seu trabalho nos setores público, privado e social. "O Dr. Baptista Leite será um dos 36 líderes participantes no programa Leaders Europe e é o primeiro de sempre de Portugal a ser selecionado pelo Programa de Líderes da Fundação Obama", que reúne um total de 205 líderes globais, anunciou ontem a Health AI.

"O propósito de uma causa maior é fundamental; eu não seria feliz apenas a vender sapatos"

"Como um dos Obama Leaders, estou ansioso por aprender e trabalhar com um grupo impressionante de líderes globais e com a Fundação Obama para causar mudanças quer a nível local quer global. Mal posso esperar por começar", reagiu Ricardo Baptista Leite, assumindo a vocação de prestar serviço e pôr o seu talento ao serviço das comunidades, bem óbvio não apenas no seu percurso profissional mas até aos dias de hoje — é vereador em Sintra, fundador e presidente da UNITE Parliamentarians Network for Global Health, uma rede de atuais e antigos parlamentares de 112 países, preside ao Harvard-Charité Global Health Policy Lab, em Berlim, e é chair do Center for Global Health da NOVA IMS, em Lisboa. "O propósito de uma causa maior é fundamental; eu não seria feliz apenas a vender sapatos", afirmou em entrevista, revelando que o seu foco maior é sempre a componente de serviço, o que o deixa verdadeiramente feliz e realizado.

Médico, especializado em doenças infecciosas e com uma pós-graduação na Universidade Johns Hopkins, na Harvard Kennedy School of Government e na Harvard Medical School, Ricardo vai agora ter sessões interativas semanais desenhadas para ajudar os líderes a impulsionar a mudança em áreas como a crise climática, a democracia e o envolvimento cívico, a diversidade e a defesa racial, os direitos dos refugiados e das pessoas com deficiência, "melhorando as suas capacidades de liderança, construindo relações profundas com os seus pares e interagindo com líderes de pensamento e membros da comunidade da Fundação Obama. Terão também a oportunidade de participar em diversas experiências virtuais e eventos especiais, incluindo conversas individuais com mentores experientes na rede global da Fundação", explica-se.

Primeiro emprego no Canadá, aos 8 anos

"Eu tinha definido um tempo de dez anos para a minha vida na política partidária, mas esse prazo foi sendo adiado por sucessivos convites que não tinha como recusar. Agora chegou a altura de me dedicar a outros temas", contou ainda na entrevista, explicando que regressar à vida clínica também não estava no horizonte. "Sinto que consigo ser mais útil no que agora faço." Mesmo que isso implique regressos de emergência à medicina, como aconteceu quando rebentou a pandemia e durante meses quase não parou em casa, dedicando toda a sua energia como voluntário no Hospital de Cascais, ou quando rebentou a guerra na Ucrânia e embarcou com a missão de ajudar no Hospital de Lviv.

Ricardo Baptista Leite
Ricardo Baptista Leite À esquerda, na missão a Lviv, e um momento da pandemia de covid 19, à direita

As decisões de vida são tomadas pelo impulso de entrega, temperado com a ponderação da mulher e do pai, João Baptista Leite (presidente da Unicre), de quem herdou a veia tecnológica. "Lembro-me de estar em casa com ele, a brincar com um modem, ele a explicar-me aquilo... Tinha 6 anos e já lia sobre programação." A viver em Toronto, no Canadá, para onde os pais emigraram em 1975 para fugir a um país mergulhado no caos, teve o primeiro emprego aos 8 anos, a distribuir publicidade e depois jornais, às escondidas dos pais. Uma visita de estudo ao Parlamento Provincial de Ontário despertou-lhe o interesse pela política e chegou a escrever ao primeiro-ministro, Brian Mulroney, a reclamar impostos mais baixos para uma jovem mãe, grávida (a dele, à espera da irmã) – a taxa não mudou, mas a missiva mereceu resposta do gabinete.

"Chegou a altura de me dedicar a outros temas. Sinto que consigo ser mais útil no que agora faço"

De regresso a Lisboa com 11 anos, conseguiu cumprir o currículo sem perder um ano, apesar de estar a aprender português correto em simultâneo. Do St. Dominics para os Maristas e depois para Medicina, cumprida na Nova sem perder tempo, Ricardo Baptista Leite foi-se envolvendo nas atividades partidárias e escolheu o PSD em consciência: depois de ter lido os manifestos partidários todos disponíveis e de se apaixonar pelo discurso de Sá Carneiro. Foi o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que o apadrinhou na filiação; com António Capucho cruzou-se logo a seguir, sendo desafiado a escrever o programa da freguesia e integrando as listas na JSD de Cascais e chegou a presidente do gabinete de estudos da juventude social-democrata, já com o internato feito no Amadora-Sintra (a Medicina ainda o levaria a Coimbra e ao Egas Moniz).

Uma vida de serviço

Tinha posto a política em pausa para fazer formações na sua área de especialização e um estágio na OMS, em Copenhaga, quando o governo de José Sócrates caiu e Ricardo foi desafiado a integrar as listas a deputados. Aceitou, de novo para servir: "Preocupava-me muito o impacto na saúde dos enormes problemas financeiros que sabíamos que havia e achei que podia dar um contributo." Mas impusera uma década como limite para estar na política partidária e a concretização da saída aconteceu (apenas um pouco mais tarde) em 2022.

De então para cá, dedica-se a entregar-se integralmente à sociedade através das suas múltiplas participações em instituições globais — na Health AI, na UNITE Parlamentarians Network for Global Health, no Harvard-Charité Global Health Policy Lab... e agora como líder global na Fundação Obama, onde terá muito para dar.