A inteligência artificial tem vindo a desenvolver-se e a consolidar-se enquanto área de estudo multidisciplinar, despertando um interesse crescente de investigadores e de outros atores sociais. Numa dimensão mais prática, a sua relação com a inteligência humana tem levantado dúvidas, hesitações e alguns dilemas. Reconhecendo a necessidade de uma regulamentação robusta, que garanta a preservação de todas as dimensões éticas, não podemos negar as vantagens que a inteligência artificial introduziu e continua a introduzir em múltiplas áreas. A sua aplicação na política não é exceção e, considerando a particularidade deste campo, é fundamental refletir sobre os seus desafios.

Há desde logo um grande plano possível de aplicação da inteligência artificial na política: o do apoio à decisão. A primeira grande questão é a de perceber que espaço cabe à inteligência artificial nesse processo, num contexto em que a tecnologia tem a capacidade de realizar tarefas e de tomar decisões de forma autónoma a partir do processamento de informação, isto é, através de bases de dados.

Numa perspetiva filosófica, poderemos até discutir o quanto a inteligência artificial aplicada à política pode desafiar o contrato social do mundo contemporâneo, pelo menos como o conhecemos. É legítimo perguntar a quem vincularia uma decisão política robotizada ou computorizada. Aliás, levanto esta questão precisamente para sublinhar a preponderância do decisor político humanizado.

A inteligência artificial será sempre útil e vantajosa na articulação entre os níveis técnico e político. Por exemplo, no processo normal de construção de políticas públicas, ou em casos de resposta urgente, como são as situações de crise, mas não pode substituir-se à iniciativa ou à tomada de decisão política que vincula e responsabiliza o decisor político.

A inteligência artificial deve ser uma ferramenta para decidir, sem se substituir ao decisor. Dessa forma, a sua influência na política tem tudo para ser positiva, por permitir o controlo atempado de processos e uma maior transparência, além de uma maior agilidade e monitorização, por ⁠libertar o trabalho (humano) para aquilo que vale a pena e verdadeiramente acrescenta valor, ou por ⁠permitir que a realização dos trabalhos estandardizados fique entregue às máquinas.

A inteligência artificial, devidamente articulada no processo de decisão política, pode diminuir o erro e permitir mais e melhor serviço às pessoas e, entre outras vantagens, pode mesmo prestar informação em tempo real, nomeadamente para uma gestão mais eficiente dos recursos. Pode ainda aproximar os decisores políticos e os cidadãos, com a vantagem de ser um verdadeiro auxílio na tomada das (melhores) decisões, a partir dos dados que sustentem a formulação de políticas. Aqui, entramos numa outra noção não menos importante: a participação política, que a inteligência artificial tem também a capacidade vantajosa de poder fomentar e potenciar.

A comunicação política é também um plano possível de aplicação da inteligência artificial. Os riscos são mais iminentes, por serem mais difíceis de controlar e pela facilidade de disseminação da contrainformação ou de notícias falsas, não raras vezes através de conteúdos audiovisuais aparentemente realistas. Sobretudo, porque o combate político pode incorrer na tentação de manipular e a inteligência artificial e os seus mecanismos podem ser subvertidos, deturpando discursos, com a mesma voz e os mesmos movimentos. Não obstante, a relação da inteligência artificial com a comunicação política também tem um lado positivo. Seja pela possibilidade de análise de dados ou pela personalização e adaptação eficazes da mensagem política, a inteligência artificial faz parte da comunicação política de hoje, contribuindo para o sucesso eleitoral.

Há uma tendência clara de consolidação e de aplicação da inteligência artificial às mais diversas áreas. Creio que em todas elas o principal objetivo é comum: otimizar processos, potenciando a eficácia e a eficiência. Não sendo imediato nem linear, o caminho tem sido percorrido de forma mais acelerada do que lenta, na saúde, na educação, na indústria e na economia, como na política. Os limites das suas vantagens estão na ética e no equilíbrio da articulação com a inteligência humana, sempre ao serviço das pessoas, do seu bem-estar e da sua felicidade.


Ricardo Costa é deputado socialista à Assembleia da República