Ouvido na Assembleia da República a pedido da Iniciativa Liberal, do Partido Socialista e do Chega, Rui Abrunhosa Gonçalves, ex-diretor da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, voltou a apontar o dedo aos guardas prisionais de Vale de Judeus. “Não ponho em causa o brio e o trabalho dos guardas, mas é preciso apurar responsabilidades. É necessário perceber se alguém não fez o que devia ter feito ou se o fez tardiamente.”

Também referiu mais uma vez que o número de guardas a trabalhar na cadeia quando ocorreu a fuga dos cinco reclusos era o “necessário” e explicou que há dois turnos por dia, com 15 guardas em cada turno, “um número estabelecido após a reorganização dos serviços em 2017”. "Não posso afirmar que esta fuga — e o relatório também não o indica — tenha ocorrido por falta de pessoal. O número de guardas era o adequado e suficiente para aquele contexto no dia de sábado. É muito provável, na minha opinião, que tenha havido alguma falha nas rotinas que poderá ter sido aproveitada."

O ex-diretor dos serviços prisionais admitiu, contudo, que há falta de guardas nas prisões portuguesas. “Desde o início que esta direção-geral nunca se furtou à ideia de que faltam guardas prisionais. Para nós, é uma realidade que faltam guardas, assim como faltam técnicos, médicos e enfermeiros. Tem a ver sobretudo com o envelhecimento e a não abertura de novos concursos.” Rui Abrunhosa Gonçalves revelou também não ter tido qualquer contacto com a ministra da Justiça ao longo de todo o processo, desde a fuga dos reclusos. “Não tenho o número de telefone dela.”

Subdiretor demissionário assume responsabilidade “por todas as falhas”

Também presente na audição na Assembleia da República, o subdiretor-geral demissionário da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Pedro Veiga Santos, apontou "falhas de segurança de gravidade extrema", sem, no entanto, especificar se foram de natureza técnica e estrutural, ou humanas.

Perante as perguntas dos deputados sobre o que aconteceu exatamente no dia 7 de setembro, data da fuga, afirmou que ainda é cedo para saber com precisão. “Ainda não sabemos tudo o que se passou. A direção dos serviços de segurança, após a evasão, realizou uma verificação rápida do sucedido, mas em 48 horas não se consegue apurar tudo. O objetivo desta primeira avaliação não era apurar responsabilidades.” Esse apuramento, acrescentou, está a ser feito por um inquérito conduzido pelo Serviço de Auditoria e Inspeção da Direção-Geral. “Que eu tenha conhecimento, o inquérito não está concluído, portanto, não terá havido instauração de processos disciplinares.”

Independentemente da natureza das falhas, Pedro Veiga Santos assume responsabilidade pelo que aconteceu: "Enquanto Subdiretor-Geral, tinha competências relativas à segurança do sistema prisional, à gestão do corpo da guarda prisional e à população prisional. Tendo estas responsabilidades, todas as falhas de segurança que ocorreram também são minhas. Tenho de assumir responsabilidade pelas falhas que ocorreram."

O problema das torres de vigia

Questionado sobre a demolição das quatro torres de vigia de Vale dos Judeus, que não foram reconstruídas, Pedro Veiga Santos explicou que estavam em degradação, o que suscitou “queixas legítimas por parte dos guardas” que levaram à demolição das estruturas. Havia um projeto de reconstrução, mas o custo total, "mais de um milhão de euros", impediu o avanço. "É possível viver sem torres, mas preferia que estivessem lá", admitiu.

Questionado também sobre o facto de, na altura da fuga, haver apenas um guarda prisional responsável por monitorizar 187 câmaras, esclareceu que, na prática, a situação não é exatamente assim. “A proporção de câmaras é de cerca de 200 por guarda. O guarda tem, de facto, oito ecrãs grandes na parede à sua frente, mas na secretária onde está sentado tem três monitores mais pequenos, onde visualiza as câmaras mais importantes. As câmaras que se veem de dia não são as mesmas que funcionam à noite. Se houver um refeitório a funcionar, a câmara vai mostrar o refeitório; se houver futebol no pátio central, essa atividade será visível. A configuração dos ecrãs varia consoante o que está a acontecer no estabelecimento prisional.”

À semelhança de Rui Abrunhosa Gonçalves, Pedro Veiga Santos também admitiu que o efetivo do corpo da guarda prisional "está em défice", explicando que a margem conseguida há alguns anos com a entrada de 400 novos guardas se perdeu entretanto, "devido à aposentação", não tendo sido possível recuperar essa “folga”. "O efetivo em 2018 era de 4.400 guardas e atualmente é de 4.059." E o problema pode vir a agravar-se, alertou. "Nos serviços, temos 448 guardas prisionais com mais de 60 anos. Há um potencial elevado de aposentação súbita de cerca de 400 guardas, visto que podem aposentar-se aos 60 anos. A previsão de aposentação até 2029 é de mil guardas."