Treze anos de guerra, de deslocações, de uma crise humanitária catastrófica. O resultado é inevitável: uma crise de saúde mental generalizada, que está a afetar inúmeras pessoas no Noroeste da Síria.
“No fim de uma sessão de prevenção do suicídio, os meus pacientes costumam dizer-me, ‘Passamos a adorar a vida, quando encontramos o nosso caminho’ – uma frase do poeta palestiniano, Mahmoud Darwish”, conta a coordenadora de atividades de saúde mental da Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Noroeste da Síria, Rumeysa Seyh. “Face a tanto sofrimento, as pessoas continuam com uma vontade muito forte de viver.”
O impacto de uma guerra prolongada
No Noroeste da Síria, ter abrigo é um luxo, e muitas famílias vivem em tendas improvisadas com lonas gastas. Encontrar alimentos para as crianças ou aceder a cuidados de saúde é um desafio constante para os pais. No total, há mais de 4 milhões de pessoas a viver assim, em condições insalubres, incluindo 3,5 milhões que estão deslocadas internamente.
Encurraladas deste modo, num ciclo de violência, perdas de entes queridos e de deslocações repetidas, há três condições que ligam as pessoas afetadas e deslocadas pelo conflito no país: a ansiedade, a depressão e o transtorno de stress pós-traumático, que se manifesta através de pesadelos recorrentes.
Como resultado, a taxa de suicídio está a aumentar no Noroeste da Síria. Desde o início de 2024, os coordenadores da resposta da MSF registaram 37 mortes por suicídio e 21 tentativas falhadas, representando um aumento de 14% em relação ao ano anterior.
“A maioria dos nossos pacientes são mulheres, que são especialmente afetadas pelas dificuldades económicas, violência e oportunidades de vida limitadas. Tudo desafios que sublinham a necessidade de reforçar o apoio em saúde mental”, explica Seyh.
Também passaram pelas instalações da MSF 11 pessoas que tentaram cometer suicídio, incluindo duas crianças com menos de 15 anos.
Saúde mental, segurança e estabilidade
Segundo o Gabinete de Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas (OCHA, na sigla em inglês), o plano de resposta humanitária no Noroeste da Síria está criticamente subfinanciado.
Em outubro de 2024, apenas 26% do plano havia sido cumprido, deixando um défice de 3 mil milhões de dólares em todos os setores humanitários. Ao setor da saúde, por exemplo, faltavam 471 milhões de dólares, com cerca de 90% das metas por cumprir.
Nesta onda de financiamento deficitário são os cuidados de saúde mental os primeiros a ser colocados em segundo plano, o que pode levar a mais violência e abuso de substâncias, desestabilizando ainda mais as comunidades com maior vulnerabilidade.
Estigma e violência
O acesso a apoio psicológico para sobreviventes de violência e abuso é extremamente limitado. Não existem quadros legais de ação e tampouco um sistema integrado de apoio, criando ainda mais desafios para as pessoas que sentem necessidade de esconder os transtornos mentais que enfrentam, devido ao estigma social e ao medo da violência.
Naseem e Raghda, duas mulheres casadas com o mesmo homem, são pacientes regulares de um dos centros de saúde apoiados pela MSF no Noroeste da Síria, onde vêm frequentemente buscar antidepressivos, devido aos abusos físicos e verbais que enfrentam do marido. Só podem sair de casa com uma desculpa, a doença dos filhos, porque o parceiro as impede de consultar um profissional de saúde mental.
"Um dos desafios enfrentados pelo setor da saúde mental é o estigma associado a transtornos mentais, tratamentos e medicamentos psiquiátricos", explica Ayham Al-Khatab, médico da MSF no Noroeste da Síria. "Mas nas instalações da MSF, a dignidade e a privacidade dos pacientes são protegidas".
ordagem holística à saúde mental e ao bem-estar físico
No Noroeste da Síria, a MSF trata a saúde física em conjunto com a saúde mental. As equipas da organização prestam cuidados através de oito clínicas móveis em campos de deslocação e em dois centros de saúde primários.
Em 2024, a MSF providenciou serviços de saúde mental a mais de 12 mil pessoas em consultas presenciais, e mais de 69 mil pacientes participaram em sessões de sensibilização.
Na região de Atmeh, onde foi instalado um hospital para tratar pessoas que sofreram queimaduras, as equipas fornecem apoio psicossocial, e aconselhamento: serviços vitais para pacientes que lidam com o trauma, a dor e a desfiguração.
A MSF também desempenha um papel crucial no apoio a nove espaços seguros para mulheres e crianças. Nas províncias de Idlib e Aleppo, profissionais da MSF gerem diretamente quatro desses espaços seguros, garantindo que são continuamente fornecidos serviços essenciais.
"As pessoas no Noroeste da Síria têm enfrentado anos de violência, deslocação e privação. Precisam de uma oportunidade para curar não apenas as feridas físicas, mas também as profundas e invisíveis cicatrizes psicológicas que têm", frisa o coordenador do projeto da MSF no Noroeste da Síria.
"Investir na saúde mental é um investimento num futuro mais estável onde as pessoas podem recuperar as suas vidas," acrescenta Thomas Balivet.