Se há homem perfeito para lançar o FC Porto-Manchester United, esse homem é Benedict Saul McCarthy.
De dragão ao peito, Benni faz 59 jogos em 125 jogos oficiais e ganha tudo o que há para ganhar. Na memória azul e branca, os golos ao United (lá está!) e o livre decisivo em Old Trafford são instantes condenados à eternidade.
No total são dois campeonatos, uma Taça de Portugal, duas supertaças, uma Intercontinental e, claro, uma Liga dos Campeões.
Na PARTE I da entrevista ao zerozero, McCarthy detalha esses dois anos no United, fala abertamente sobre os predicados e os defeitos de Ten Hag, opina livremente em relação aos problemas atuais do gigante de Manchester.
Neste segundo segmento, a memória volta ao ano dourado de 2004, época do título europeu azul e branco. E, claro, à noite dos dois fabulosos golos a Tim Howard, keeper norte-americano do United.
O menino bon vivant de outros tempos já não existe, mas neste chefe de família persiste a alegria de sempre. Uma hora de revelações e sorrisos com Benedict Saul McCarthy.
zerozero – Já falámos muito sobre o Manchester United atual e a sua experiência na equipa técnica do Erik ten Hag. Voltemos, agora, ao ano de 2004.
Benni McCarthy – Vamos a isso.
zz – 25 de fevereiro de 2004. Foi a noite perfeita da sua carreira?
BM – Não só para mim, mas acho que foi a noite perfeita do FC Porto e do futebol português. Esse United era um dos grandes favoritos a vencer a Champions, ao lado do Real Madrid. Mas o meu Porto tinha outras ideias e a nossa crença era enorme, nós sabíamos que nunca, jamais, perderíamos esse duelo contra o United. Esta nova geração do FC Porto tem de pensar da mesma forma. Ok, a Premier League é superior à liga portuguesa, mas são 11 jogadores em campo de cada lado e dois gigantes europeus.
zz – O United de 2004 era muito mais forte do que o atual?
BM – Era fortíssimo, um United de elite. Mas a nossa convicção era tremenda, sabíamos perfeitamente o que valíamos, individual e coletivamente. Como equipa, como família, como unidade. Éramos inquebráveis, jogávamos uns pelos outros. É outro dos segredos: saber quando temos de jogar por nós e um bocadinho pelos colegas. Acho que nenhum adepto do FC Porto se esquece dessa noite gloriosa.
zz – Há algum jogador neste novo FC Porto de quem o Benni goste de forma especial?
BM – Sim, claro, mas antes deixem-me falar do Pepe. Foi meu colega e um verdadeiro jogador à Porto. Ele tinha tudo. A determinação, o apetite pela vitória e pela luta. Ele nunca deixou que esse desejo se apagasse. Nesta nova equipa, gosto de alguns jogadores, do potencial. O avançado... como se chama?
zz – Samu.
BM – Samu, Samu, vejo algumas coisas boas nele. Alto, forte, rápido, mas pareceu-me demasiadas vezes longe da área no jogo de Bodo. De certeza que ele pode perturbar o Lisandro Martinez, até porque há uma diferença grande de estatura entre eles. E também gosto de ver jogar o Nico González. Vejo nele algo do Maniche. Se o Nico tiver mais contacto com a bola, do que teve na Noruega, acho que é um jogador que faz as coisas acontecerem. Como o Bruno Fernandes no lado do United. Tem de estar muito envolvido com o jogo, metido na ação. O outro médio também me parece ser bom jogador.
zz – Eustaquio?
BM – Eustaquio, isso mesmo. Bom jogador. Acho que o FC Porto tem muito potencial, apesar de ter perdido jogadores importantes e o treinador Sérgio Conceição. O Evanilson, o Taremi, enfim, este é um novo ciclo. O novo treinador, o Vítor Bruno, precisa de algum tempo para deixar a equipa à sua medida. Se mostrarem o desejo correto contra o Manchester United, de certeza que terão toda a gente atrás deles, a apoiá-los. É só mostrar a atitude certa.
zz – O Benni também trabalhou diretamente com o André Villas-Boas. Que impressão guarda do novo presidente do FC Porto?
BM – O André fazia parte da equipa técnica do José Mourinho, um tipo fantástico. Muito humilde, falava com toda a gente, não tinha um ego inflamado. Os portugueses, na verdade, são geralmente assim: pessoas acessíveis e humildes. Fiquei muito feliz pelo André, porque só alguém extraordinariamente apaixonado pelo FC Porto poderia suceder ao Pinto da Costa. Tinha de ser alguém que conhecesse o clube por dentro e não um tipo só cheio de dinheiro. O Villas-Boas era o candidato perfeito para isso. O FC Porto está em boas mãos. Desejo que possa devolver o FC Porto aos dias de glória na Europa. Desejo-lhe toda a sorte, todo o sucesso.
zz – Já falou com o André Villas-Boas depois das eleições de abril?
BM – Enviei-lhe uma mensagem a dar-lhe os parabéns e a dizer-lhe que estava muito orgulhoso por vê-lo a ser o novo presidente do FC Porto. Desejei-lhe todo o sucesso e toda a sorte.
zz – O André respondeu-lhe?
zz – O José Mourinho contou uma grande história sobre o Jorge Costa num Belenenses-FC Porto.
BM – Sim, eu estava lá nessa noite. É tudo verdade (risos). Estávamos a perder ao intervalo, saía tudo bem ao Belenenses e nós nem estávamos a jogar mal. Voltámos ao balneário e o Jorge Costa virou-se para o Mourinho e disse assim: ‘Mister, agora não’. Fechou a porta e apontou o dedo a quem tinha de apontar. Todos concordámos que aquilo era necessário, porque em alguns jogos é obrigatório carregar no botão de alarme. As outras equipas jogam contra o FC Porto como se fosse uma final e se não jogarmos da mesma forma os problemas aparecem.
zz – O que aconteceu depois?
BM – Passados dez minutos, o Mourinho apareceu e perguntou assim: ‘Está tudo ok?’. Não nos disse mais nada. ‘Boa sorte, vamos lá’. O Bicho nunca tinha marcado nesse ano e marcou dois golos na segunda parte (risos). O Belenenses tinha o meu amigo César Peixoto [Benni está a pensar num Belenenses-FC Porto (3-0) de 2002, um jogo anterior], que marcou um grande golo nessa noite.
Benni McCarthy 16 títulos oficiais |
BM – Da próxima vez que estiver com ele, por favor diga-lhe que eu disse «Palhaço» (risos). Era a alcunha que eu dava ao César.
zz – O Benni vai estar no Estádio do Dragão para ver o FC Porto-Manchester United?
BM – Estou a fazer tudo para conseguir ir ao Porto e estar no jogo. São duas equipas muito especiais para mim. Quando eu era criança, na África do Sul, o meu clube era o Manchester United. Mas o FC Porto roubou o meu coração (risos). Tentarei ser mais um espetador no Dragão e estar com as minhas duas equipas favoritas. Toda a gente sabe que se o meu braço for cortado, jorrará sangue azul do meu corpo.
zz – Falta recordar os seus dois golos ao Manchester United, em 2004. Consegue narrá-los, como se fosse um jornalista?
BM – (risos) Bem, antes tenho de lembrar que essa foi uma noite de sul-africanos. Sofremos um golo de canto [livre] e o autor foi o meu amigo Quinton Fortune. Crescemos juntos e ele partiu-me o coração ali. Tanta gente em campo e tinha de ser ele a marcar?
zz – Mas houve dois golos do McCarthy.
BM – Estávamos muito confiantes e confortáveis. Sabia que íamos dar a volta. Numa jogada, o Carlos Alberto teve um belo momento na direita – o lado do Fortune – e o Alenitchev correu na direção do canto. Recebeu do Carlos, rodou e cruzou. Ele percebeu que eu estava com o Gary Neville e o Wes Brown. O cruzamento caiu exatamente onde eu esperava que caísse. O Gary não era o mais forte e não era o mais alto, tirei vantagem disso. A bola caiu ali e eu lambi os meus lábios, sabia que tinha de aproveitar aquilo. Boom, golo!
zz – O 2-1 já foi na segunda parte.
BM – Estávamos a jogar um grande futebol. O Deco encontrou o Nuno Valente na esquerda e o Nuno fez o cruzamento para mim. Fiz-lhe o gesto a pedir uma bola pelo ar. Era eu contra o Neville e o Brown, em condições normais ganharia esse cruzamento. Mas, nunca num milhão de anos, eu pensei alguma vez marcar um golo assim. O cabeceamento foi feito muito, muito longe da baliza ainda. O Tim Howard estava um bocado fora da posição e vi a bola lá dentro. Uau, uau, foi selvagem! (risos) Corri para a bancada, nem queria acreditar. Na noite anterior, o José Mourinho tinha vindo ao meu quarto, onde eu estava com o Carlos Alberto, e disse-me assim: ‘Benni, amanhã só te peço dois golos e depois substituo-te para receberes uma ovação de todo o estádio’.
zz – O Mourinho acertou.
BM – Ele pensou nisso, porque eu tinha ficado de fora da equipa no jogo anterior, contra o Vitória. Houve um problema entre mim e o Pinto da Costa.
zz – O que se passou?
BM – Os informadores do presidente disseram-lhe que eu tinha estado na noite de Vigo na véspera, o que era mentira, mentira completa. Eu tive um aniversário e pedi autorização ao José Mourinho para isso. ‘Benni, podes ir, mas chega a casa no máximo até à meia-noite’. Eu estava em casa antes disso, mas os espiões do presidente foram dizer-lhe isto, isto e isto e fiquei no banco contra o Vitória. O Mourinho falou comigo, disse-me que estava tudo ok e que regressaria contra o United. O Mourinho era o boss.