Bruno Romão, jovem treinador de 40 anos, conta já com uma experiência invejável em vários contextos competitivos e com passagem por três Continentes (Europa, Ásia e África). Trabalhou em todos os escalões de formação a nível masculino e foi também treinador de futebol feminino e treinador adjunto, percurso que potenciou ainda mais as suas competências para a transição para treinador principal. É o analista do Bola na Rede da prestação das equipas portuguesas, Sporting e Benfica, na Champions League.
Estratégias de Sporting e Benfica
O 11 inicial do Sporting foi composto por Franco Israel, Debast, Diomande, Matheus Reis, Quenda, Hjulmand, Morita, Maxi Araújo, Trincão, Gyokeres e Pote. O perfil de jogo do Manchester City exigiu alguns ajustes estratégicos.
O Sporting preparou-se para estar mais tempo sem bola (comparativamente ao que é habitual) e defender ainda mais compacto (8/10 metros, no máximo, entre as duas linhas 5+4 no bloco baixo) para fechar o espaço entre linhas, tentando obrigar, dessa forma, o adversário a jogar por fora. O City procurou baixar um médio na construção/ligação mais à esquerda, projetando Gvardiol e Matheus Nunes e garantindo a superioridade interior com Rico Lewis a atacar como médio interior.
Esta opção procurou explorar contra-ataques e ataques rápidos para os três jogadores da frente, utilizando a versatilidade/mobilidade e a capacidade de decisão vertical de Pote, Trincão e Gyokeres. Percebe-se que o Sporting procurou aproveitar as dificuldades de coordenação dos defesas (Rúben Dias e Stones ausentes e com substitutos muito inconstantes) e médios do City.
O Sporting procurou condicionar o adversário a pressionar alto com Gyokeres a controlar Kovacic, e Pote e Trincão a saltarem nos centrais, encaminhando a construção para fora, onde os médios, a jogarem mais em posição, estiveram preparados para proteger espaços centrais e dar cobertura aos corredores laterais quando a pressão dos três da frente foi batida. O Manchester City constrói frequentemente em 3 + 1, projetando o lateral-direito no interior e Savinho (esquerdino) aberto no corredor. Na esquerda, Matheus Nunes na largura máxima e a contar com o apoio de Gvardiol, embora mais interior.
O Benfica apresentou-se em 5x3x2, com Trubin, Kaboré, Tomás Araújo, Otamendi, António Silva, Carreras, Kokçu, Aursnes, Renato Sanches, Akturkoglu e Amdouni. Este 11 escolhido, pelas características dos jogadores, demonstrou uma intenção coletiva de posicionar o bloco defensivo baixo para controlar a intensidade e volume ofensivos do Bayern, para, após recuperação da posse, haver transporte e ligação para tentar explorar, com a versatilidade dos dois avançados (um a baixar em apoio e o outro a saltar para o espaço), as fragilidades do adversário nos espaços libertados pela atração dos centrais.
O bloco baixo em 5x3x2 procurou condicionar os espaços, a mobilidade de Gnabry, Musiala, Olise e Kane, bem como a capacidade ofensiva dos laterais. Esta opção pretende manter os três centrais estáveis com Renato Sanches/Aursnes/Kokçu à frente, para dar cobertura à pressão aos corredores laterais, uma vez que o Benfica procurou levar o adversário a jogar por fora.
O início da construção mostrou Trubin mais quatro (Tomás Araújo/Carreras como laterais, com Otamendi e António Silva baixos para reduzir a intensidade da pressão, projetando Kaboré do lado direito, mais alto numa disposição próxima de um 4x3x3. A intenção foi a de atrair a pressão e utilizar os espaços atrás da segunda linha, com um dos avançados em apoio, porque tanto Kim Min Jae como Upamecano se atraem frequentemente à pressão. A escolha do 11 procurou solidez e transição, até porque para haver uma boa gestão da posse teria de haver mais rotinas e associações entre os jogadores.
Rendimento
A sorte é feita de preparação, trabalho e oportunidade. O Sporting preparou- se, sofreu e esperou os momentos certos para impor o que tinha planeado, pelo que teve muito mérito coletivo no resultado.
O resultado final (4-1) não reflete o grau de dificuldade e, sobretudo, o que se passou nos primeiros 45 minutos. Este período foi marcado pelo golo aos 4 minutos numa ação de construção rotina do Sporting para atrair, com Morita a decidir virar-se de costas sem ver o que tinha à sua volta antes, perda que originou o contra-ataque e o primeiro golo do encontro. O Manchester City ficou confortável no jogo e dominou a primeira parte até ao 1-1, criando várias situações para finalizar (empurrando o bloco leonino para trás), com Franco Israel a ter um papel decisivo. O Sporting teve menos bola na primeira parte, e esteve também algo precipitado após recuperar a posse, com dificuldade em identificar os momentos de ser vertical ou de variar e acelerar como tanto gosta. Houve também mérito do City a reagir à perda e a apertar os espaços preferenciais para Pote, Trincão e Gyokeres, sobretudo na primeira parte. Os “expected goals” no global são de 2.54 do Sporting contra 2.23 do Manchester City, no entanto, como referiram os treinadores, houve momentos chave que desequilibraram o jogo (dois penáltis em situações com cobertura). Os “expected goals” sem os golos de penálti são de 0.96 do Sporting contra 1.44 do adversário.
A capacidade de defender (com poucas faltas – 8 do Sporting contra 10 do Manchester City) e sofrer foi decisiva para a equipa se manter a competir pela vitória, anulando os ataques perigosos (entradas na área) do adversário na primeira parte (faltou à equipa ter bola contra um City pressionante num primeiro momento, mas a dar espaço num segundo). Os jogadores do Sporting perderam mais bolas do que o normal por não identificarem a pressão e os espaços livres neste período do jogo.
Um dos momentos-chave (Sporting volta ao jogo e vai mais confiante para os ajustes ao intervalo) é o empate aos 37’, conseguido em ataque rápido, com atração de um dos centrais a Trincão libertando espaço para a rutura de Gyokeres. Aspeto que me pareceu parte do plano de jogo.
A entrada na segunda parte foi decisiva para o desfecho final. O segundo golo, marcado na bola de saída, bem ao estilo de jogo do Sporting, com muito critério, atrai o City à pressão, explora as dificuldades nas coberturas aos corredores laterais, com Pote a quebrar linhas por fora até encontrar o movimento explorado por Maxi Araújo.
Há aqui muito trabalho coletivo, do qual acredito haver menos de estratégico (até impacto do intervalo) e muito mais mérito de um modelo de treino que cria hábitos e comportamentos de identificação/decisão do que está a acontecer no jogo a cada momento (treinar o jogo e fazer o que ele pede como princípio). Este detalhe, de ter mais bola decidindo melhor, aproveitou as fragilidades dos centrais e de cobertura dos médios aos espaços exteriores.
O 3-1 confere tranquilidade à equipa e quebra a confiança do Manchester City. O Sporting não fez diferente do que tem procurado fazer em todos os jogos (cultura da equipa) e identificou bem os espaços para agredir o City, originando o penálti, num momento decisivo no futebol que é o de aproveitar um golo marcado para continuar agressivo e vertical continuando a jogar. Esta ambição coletiva trouxe o momento na partida.
Foi interessante ver como o Sporting lidou com a superioridade numérica interior do City com bola. Durante a primeira parte, um dos centrais livres poderia até ser um pouco mais agressivo a apertar o espaço entre linhas para ajudar os médios (porque o ala contrário ficou pouco compacto no interior). Este detalhe foi acertado ao intervalo e ajudado pelo “caos” criado pelo Sporting num excelente início da segunda parte. Neste aspeto, houve um ajuste defensivo do extremo contrário à bola a fechar estas superioridades numéricas, dando prioridade aos centrais a ficar juntos (até porque os jogadores do City poucas ruturas centrais estavam a fazer). Após o 3-1, a equipa controlou bem os espaços centrais, saltou com mais critério a pressionar e obrigou o City a jogar por fora do bloco.
As substituições (74’, 85’ e 88’) procuraram refrescar e manter os níveis de organização. Os timings e alterações foram mantendo a equipa equilibrada, anulando as alterações do adversário, o que impediu a criação de situações de finalização. Um golo do City poderia trazer instabilidade ao resultado e foi importante que a equipa se tenha mantido sólida.
A equipa da Luz vinha de três vitórias na Liga, após a derrota em casa contra um Feyenoord que foi mais competente. Percebe-se a abordagem estratégica deste jogo, tendo em conta o que o Bayern gosta de fazer em casa. Estamos a falar de um plantel com mais opções e qualidade comparativamente ao dos encarnados.
O Benfica foi exposto a um jogo quase por completo a defender baixo, no qual conseguiu ser sólido, controlando os espaços e as associações dos jogadores mais perigoso do Bayern, mas, no entanto, mostrou muitas dificuldades de ligação/ criação (não houve situações claras criadas). Contra o Bayern e adversários deste nível, com o bloco baixo será quase sempre certo que pelo menos um golo se sofre (neste caso, Musiala até marca aos 70 minutos, com Kane a assistir contra os três centrais). No entanto, nestes jogos, a capacidade/personalidade para ter bola serão decisivos para competir pelo resultado, para criar chances de agredir o adversário, algo que o Benfica não conseguiu.
As águias estiveram sólidas defensivamente na primeira parte, controlando bem os espaços interiores que o Bayern está habituado a aproveitar (e a ser dominante com e sem bola – interessante o papel de Palhinha a ganhar segundas bolas muito alto), mas não conseguiram sair com qualidade em contra-ataque e tiveram pouca bola após recuperar (muitas perdas), sem conseguir agredir o adversário. Neste período, os alemães criaram perigo nos cantos marcados ao segundo poste, o que mostrou preparação estratégica, bloqueando dois jogadores porque Benfica defende à zona, com a intenção de libertar Kane a sair mais aberto.
Ofensivamente, a construção com Trubin mais quatro teve os médios longe e a procura de soluções atrás da pressão foi ineficaz ao longo de todo o jogo. Alguma precipitação e poucas opções deram origem a muitas perdas de bola. Contra um adversário forte a pressionar, os médios baixaram muito, algumas vezes os três ao mesmo tempo (aspeto melhorado na segunda parte, até pelas substituições), o que reduziu a proximidade entre as linhas na construção/ligação e o apoio a Akturkoglu e Amdouni.
A necessidade de mudar a imagem foi clara e Bruno Lage decidiu, ao intervalo, substituir Amdouni e Kaboré por Pavlidis e Beste, com o Benfica a manter o 5x3x2, com Beste a ficar do lado direito e Pavlidis com Akturkoglu na frente. A intenção foi manter a solidez, mas dar maior tempo de bola, com Pavlidis a ser o jogador que baixa em apoio por trás dos médios do Bayern na construção/ligação, e Beste, sendo esquerdino, a procurar dar mais apoio aos dois avançados.
Aos 55 minutos, Di María substitui Akturkoglu e fica na frente com Pavlidis, na tentativa de ter um jogador diferenciado com maior capacidade de reter a bola. Pelo timing, e até por Di María sair do banco, percebe-se que o Benfica está a fazer alguma gestão física do jogador porque, naturalmente, iniciaria este jogo. Aos 79 minutos, Arthur Cabral substitui Kokçu, o que transformou o 5x3x2 em 4x2x4, com a intenção de criar alguma chegada a área. Beste passou para o lado esquerdo e Di María para a direita, com Cabral e Pavlidis na frente.
As alterações táticas durante a segunda parte (momento e jogadores) fizeram sentido e procuraram aproveitar a qualidade dos jogadores vindos do banco. No entanto, o facto de a equipa passar o jogo quase todo a defender baixa, sem capacidade de reter e progredir com bola, quando não são comportamentos coletivos habituais, tornou difícil que estes jogadores que entraram quebrassem o ritmo/controlo do Bayern.
Destaques de Sporting e Benfica
Num resultado como este, com preparação, tanto trabalho e talento dos jogadores, aliado aos ajustes táticos, seria fácil atribuir ou destacar individualmente
Franco Israel pelo que fez na primeira parte, mantendo a equipa no jogo, ou (obviamente) Gyokeres, pelos golos. No entanto, é a equipa que tem de ser valorizada. Só um plantel (aglutinado e comprometido) a jogar bem, organizado, maduro para reconhecer os momentos de sofrer e agredir o adversário, conseguiria um resultado destes. O Sporting foi esta equipa e o clube mereceu este excelente resultado.
O Benfica mostrou um jogo defensivo sólido, mas também incapacidade de ter bola contra um adversário forte. Destaco o planeamento e a falta de profundidade do plantel do Benfica. Houve alguma rotatividade por necessidade estratégica, mas ficaram claras as diferenças de qualidade e intensidade. Parece-me justo que o Benfica consiga, em janeiro, ajustar o plantel, até para ajudar a gestão de Bruno Lage na procura de atingir os objetivos do clube.