PARIS - A tensão na Arena de Champ de Mars sente-se no ar. No tatami luta-se pela medalha de bronze dos -57 kg. Mas até parece que é o título que está em causa.
Sofre-se muito em português do Brasil. Sofre-se tanto em japonês. Mas é a judoca brasileira que nos leva ali.
Rafaela Silva é uma das atletas mais acarinhadas do Brasil. Aos 32 anos, já conquistou tudo. Mas luta como se tivesse tudo por ganhar.
Talvez porque já teve tudo a perder. Muito provavelmente, porque já nasceu com o destino traçado. Mas decidiu ser ela a traçar o rumo que queria dar à sua existência.
Rafaela nasceu na Cidade de Deus há 32 anos. Naquela favela da zona oeste do Rio de Janeiro, uma das mais perigosas do mundo, fama que a deu a conhecer até em filme, a menina apaixonada por futebol, tinha queda para se meter em problemas.
E foi para ela deixar de «brigar com os meninos na rua», que o pai decidiu metê-la no judo, aos 8 anos, fazendo dela uma das primeiras atletas do Instituto Reação, fundado pelo ex-judoca Flávio Canto, e que atualmente conta com 4 mil crianças, espalhadas por 12 polos de seis Estados brasileiros.
Da ascensão ao Olímpico no Rio…
A menina cresceu. E tornou-se gigante no Brasil. Em 2013 conquistou o título mundial, um ano antes de a sua cidade receber os Jogos Olímpicos. Foi, então, com estatuto de favorita que disputou o título. Mas se o peso da favela onde nasceu nunca a fez vergar, não seria, certamente, a pressão de ser campeã Olímpica no Rio.
Rafaela conseguiu-o e ascendeu ao patamar de lenda. Porque mostrou que era possível estar condenada e fugir à sentença de miséria.
Em 2019, porém, voltou a cair. Depois de vencer os campeonatos Pan-Americanos, acusou doping. Defendeu-se e nunca assumiu o uso da substância proibida que disse ter ido para ao seu organismo devido a uma brincadeira com uma criança asmática.
… à queda por doping
Mas dessa sentença não conseguiu fugir. Dois anos de suspensão e a impossibilidade de defender o título em Tóquio.
Por isso mesmo, era em busca de redenção e glória que Rafaela, agora sargento da Marinha brasileira, se apresentava em Paris. Novamente como favorita, depois ter voltado a conquistar o título mundial em 2022.
E tudo lhe correu bem até às meias-finais, onde chegou sem sofrer qualquer ponto contra. O sorteio, porém, ditou o confronto com a sul-coreana Mimi Huh, com quem Rafaela perdera os cinco combates que já fizera. Este não foi diferente e depois de ter sentido uma dor no joelho esquerdo que a limitou, foi derrotada por wazari.
Era o ouro que ela queria. Mas uma medalha ajudaria a atenuar e a fazê-la mostrar-se novamente qual Fénix.
E ela lutou. Para lá da dor. Para lá do tempo. Mas com mais de cinco minutos de tempo-extra – um combate tem quatro! – a brasileira foi desqualificada por se proteger de uma queda com a cabeça.
O desespero foi incontrolável. Na zona mista, onde A Bola a esperou junto de 18 jornalistas brasileiros só da imprensa – mais uma dezena de televisão e rádio -, Rafaela parou para falar com todo. E chorou. E pediu desculpa aos brasileiros. Uma e outra vez. Lágrimas e pedidos de desculpa.
«Fiquei sem a medalha que queria. Eu falhei», disse de cabeça baixa e olhos lacrimejantes.
Mas não desiste. Como nunca desistiu. «Ainda vou tentar ir a Los Angeles», garantiu.
E uma coisa é certa: se for, voltará a ter todo o Brasil com ela.