Um transeunte que queira usar a rua para seguir no percurso que idealizou tem que pedir autorização para que o jogo que decorre no meio do trajeto seja interrompido e dê lugar à sua passagem. É como chegar a um check point em que são as autoridades que dominam aquela área a tomar as decisões. A soberania da bola a rolar estipula que se a partida estiver muito intensa, provavelmente quem deambula terá que redefinir a rota e contornar o quarteirão sob pena de, ao tentar passar, ser atingido por um remate menos bem calculado.

É no futebol de rua que se educam os pés, onde lhes é transmitido que a bola subsiste com gentileza. Antes de irem para os relvados e para os pavilhões, os jogadores são autodidatas e descobrem sozinhos coisas sobre a beleza do jogo que, mais tarde, na alta competição, lhes pedem que não repliquem.

O Brasil é pródigo em fazer brotar talento no asfalto. Tanto que a certo ponto acaba por ser mais a oferta do que a procura. No futsal, entre milhões, são apenas 14 os jogadores escolhidos para estarem no Mundial. Um número demasiado limitado para que aqueles que são selecionados possam abdicar de marcar presença.

Diego Roncaglio tem 36 anos. No próximo Mundial, será um quadragenário a quem, ao que aparenta, restará pouca vontade de continuar em atividade. Por isso, como guarda-redes que é, terá que agarrar as oportunidades com a mesma segurança com que pára remates.

Ao selecionador, Marquinhos Xavier, não lhe falta por onde escolher. Basta ver a quantidade de jogadores que, mesmo tendo nascido no Brasil, acabam a representar outros países para terem a oportunidade de disputar torneios de seleções. A situação até tem levantado questões burocráticas. Para o Mundial do Uzbequistão, o selecionador convocou três guarda-redes – entre os favoritos a vencer a prova, Portugal e Argentina só nomearam dois. Roncaglio foi um dos eleitos tendo a possibilidade de, pela primeira vez numa carreira já longa, participar na competição. No entanto, o logro tinha um preço etiquetado.

Uma vez que o Mundial está entalado entre duas épocas desportivas, a seleções optaram por fazer estágios alargados. O do Brasil durou 30 dias, o que significava que o início da preparação ficava com os pés de fora das datas que a FIFA delimitou para que os clubes fossem obrigados a libertar os jogadores. Assim, o Anderlecht foi intransigente no desejo de contar com Roncaglio antes do Mundial. Caso comparecesse nos trabalhos da equipa belga, o jogador falharia a antecâmara da competição que decorre no Uzbequistão, logo tornar-se-ia uma opção pouco viável para Marquinhos Xavier. Foi então que Roncaglio decidiu pagar a própria cláusula de rescisão (20.000€) para estar com o Brasil.

“Admito que não foi fácil fazer isto. Pensei que tinha que cuidar da minha família, da minha mulher e do meu filho, mas eles sabem que é um sonho estar num Mundial e talvez esta seja a minha última oportunidade de disputar o torneio mais importante do futsal”, justificou ao site espanhol “Relevo”.

A insistência do Anderlecht terá sido motivada pela calendarização da Supertaça da Bélgica. O primeiro troféu da época discutiu-se a 8 de setembro, a menos de uma semana do Brasil se estrear no Mundial. Em Portugal, para contrastar, o troféu homólogo só é atribuído em dezembro (Sporting e SC Braga são os participantes).

Uma vez desvinculado do Anderlecht, Roncaglio não teve problemas em juntar-se à concentração do Brasil, onde a concorrência é forte. Marquinhos Xavier entregou a titularidade a Willian nos dois primeiros jogos da fase grupos. Roncaglio somou minutos contra Cuba, mas não saiu do banco contra a Croácia. Ou seja, o guarda-redes investiu na presença num Mundial em que tem o estatuto de suplente.

Diego Roncaglio esteve cinco épocas em Portugal, ao serviço do Benfica, e conquistou um campeonato e três Taças da Liga. No Brasil, partilha balneário com Guitta, tantas vezes adversário nos dérbis lisboetas frente ao Sporting.

O Brasil é a seleção que mais vezes conquistou o Mundial de futsal, a última das quais em 2012. A canarinha é uma das seleções favoritas ao título assim como Portugal, vigente campeão.

O Anderlecht conquistou a Supertaça (vitória por 2-0 contra o Charleroi) e, antes do campeonato belga arrancar, veio a Portugal realizar um torneio de pré-época, onde defrontou o Sporting. Zeno Debast, futebolista dos leões, esteve presente nas bancadas.