PARIS – Passam menos de 24 horas desde que o hino do Brasil ecoou, orgulhoso, nas colunas da Arena de Bercy para celebrar a medalha de ouro conquistada pela ginasta Rebeca Andrade. Um hino cantado a plenos pulmões por milhares de brasileiros, que faziam frente a outros milhares de norte-americanos, em maioria nas bancadas.
No pódio, a fazer uma vénia à brasileira, nada mais, nada menos que Simone Biles, a melhor ginasta de todos os tempos, que conquistara a prata, e a também norte-americana Jordan Chiles, dona do bronze.
Mas apesar de se ter cumprido sequer um dia desse momento, ele parece que aconteceu noutra vida. Onde antes se viam barras paralelas, traves de equilíbrio e colchões, vê-se agora duas tabelas e um campo de basquetebol. Até as bancadas se estenderam uns metros mais para baixo.
E as camisolas amarelas que ainda há poucas horas tinham inscrito o nome do Brasil, agora não têm mangas e dizem Lakers. As verdes são todas dos Celtics. E as algumas azuis que se viam dizem Warriors ou Thunder. Ah, e muitas, num azul-escuro, têm letras vermelhas ou brancas com USA.
Bercy tornou-se colónia dos EUA?
Então, para onde foram todos os brasileiros?, damos por nós a perguntar enquanto caminhamos no hall de acesso às bancadas. Será possível que os norte-americanos tenham tomado conta disto tudo? Parece que sim. Bercy parece agora uma colónia norte-americana na qual até os franceses parecem escassear.
Ah! Há ali uma bandeira do Brasil!
- Boa tarde, posso falar com o senhor?
- Sorry! No portuguese…
Então, mas e bandeira às costas? E as bandeiras pintadas na cara?!
«Sou alemão. Mas hoje estou a apoiar o Brasil. Porquê? Para não apoiar os EUA», atira-nos o Dirk, antes de nos despedirmos.
Sim, os norte-americanos tomaram mesmo conta disto tudo. Até adeptos do Brasil o são para não puxarem pela equipa de Lebron James, Steph Curry, Kevin Durant e companhia.
A chegada da versão de 2024 da Dream Team do basquetebol norte-americano a Paris – depois da fase de grupos disputada em Lille - faz-se sentir também na rua. Sobretudo na quantidade de polícias nas imediações da Arena, desde muito cedo.
E nota-se também na bancada de imprensa! Se era difícil encontrar um lugar duas horas antes das provas de ginástica que tivessem Simone Biles, é quase impossível fazê-lo cinco (!!) horas antes do jogo dos EUA começar.
E é verdade que pelo meio há também jogo da equipa da casa, mas os lugares permanecem lotados até para lá das 23h, quando acaba o jogo dos quartos de final entre os EUA e o Brasil.
«Os brasileiros não acreditavam»
A busca é difícil, mas encontramos brasileiros verdadeiros nos corredores da arena. E na bancada depois há algumas bandeiras com a «Ordem e Progresso» inscritos.
Os primeiros com quem nos cruzamos são Ana Paula e Maurício. Ambos com o número 34 e o nome De Paula nas costas.
«Estamos aqui a acompanhar o nosso filho, que é da seleção do Brasil. É o Georginho de Paula», revelam, admitindo que para o Brasil estar nesta fase da competição já é muito positivo.
«Só estar a jogar aqui contra os EUA já tem de ser valorizado. Já é uma grande vitória apurar para os Jogos Olímpicos, chegar aos quartos e ainda jogar com a Dream Team é para os meninos aproveitarem», dizem.
Mas é Daniel Gabrieli que nos dá a justificação mais plausível para a invasão de norte-americanos ser tão expressiva.
«Os brasileiros não acreditavam que a equipa podia chegar a esta fase, por isso não houve muitos a comprar bilhete. E os norte-americanos estão aqui para ganhar, é natural que sejam muito mais», defende, ele que está em Paris desde o primeiro dia dos Jogos, numas férias de família para ver o máximo possível destas olimpíadas.
Artur e Carol, um jovem casal que também viajou de São Paulo de propósito para os Jogos Olímpicos e conseguiu bilhetes à última hora. Depois de já terem visto ténis, voleibol nas vertentes de pavilhão e de praia, e de não terem conseguido bilhetes para as várias exibições de Rebeca Andrade na ginástica, ali estão eles para ver o Brasil defrontar a equipa que mais expectativa cria entre os amantes de basquetebol.
«O desejo é que o Brasil jogue bonito contra todos esses caras da NBA. Para que eles tenham de se esforçar para ganhar. O Brasil vencer seria histórico, porque já o fez, mas não contra da Dream Team», recorda Artur, com razão, ou não fosse o Brasil a seleção que mais vezes bateu os EUA em basquetebol, num total de 14.
Desta vez, porém, não foi possível. Os EUA confirmaram todo o favoritismo e venceram por expressivos 87-122, marcando encontro com a Sérvia nas meias-finais.
Lebron quê? Léon Marchand!
Mas afinal, Bercy não era tanto dos norte-americanos como podia parecer. E isso percebeu-se a dois minutos do final, naquela que foi – de longe! – a maior ovação da noite.
Não foi para Lebron, como ele achou incialmente. Não foi para Curry, e muito menos para Embiid, que cada vez que tocou na bola foi muito assobiado – velhas questões com França. Também não foi para Snoop Dog que saiu ao intervalo depois de ter ido fazer o seu show habitual.
O alvo da maior ovação num pavilhão cheio para ver a Dream Team do basquetebol dos EUA foi para Léon Marchand.
Isso mesmo. Quando o nadador francês surgiu no ecrã gigante da Arena de Bercy, o povo francês fez-se notar como não se vira até então. Os quatro ouros conquistados pelo nadador de 22 anos nestes Jogos Olímpicos fazem dele uma das, ou a figura maior destas olimpíadas.
E aquele momento fez perceber: podem vir as maiores estrelas planetárias, a figuraças da NBA, ou do que for. Isto são os Jogos Olímpicos e os heróis do povo são os campeões olímpicos.
Lebron… Léon… James entendeu isso mesmo logo depois de apontar para o seu nome nas costas, até ver que afinal não era ele o alvo da adoração.
Afinal, Bercy continua a ser palco olímpico. Por muito mudada que esteja a Arena.