— Também já esteve ligado a algumas seleções nacionais femininas, por isso qual pensa ser o próximo passo para o basquetebol português evoluir?

— Por um lado é interessante percebermos que o contacto internacional que as jogadoras vão tendo, aquelas que vão estudar para os Estados Unidos e depois regressam, e aquelas que saem para outras competições mais apelativas do que o campeonato português, é importante para a evolução.  Mas, o meio-termo também. Não sei se será no sentido de ser 50-50, mas existir algum equilíbrio em não perdermos nas nossas competições nacionais, a bem da competitividade nacional e do crescimento das jogadoras que precisam dessas basquetebolistas mais experientes para crescer também, e que vão depois municiar as seleções seniores. Isto embora reconheça que, de facto, seja perfeitamente normal essa aspiração existir. Depois também é necessário manter o investimento a nível mediático que a federação tem feito, em parceria com outras entidades, a Betclic nos tempos mais recentes, mas é importante que essa parceria tecnológica-financeira, como queiram chamá-la, desportiva, continue a existir.

Fazer um trabalho mais abrangente ao nível da formação portuguesa vai permitir melhorar e levar-nos a um campeonato da Europa a breve prazo.

Há ainda o investimento na formação, não chega termos um investimento do ponto de vista logístico, dos programas nas seleções jovens. Isso não chega porque estas são municiadas pelo trabalho que se faz nos clubes. Nem sequer é suficiente termos centros de treino em que possamos treinar ou individualizar a preparação de determinadas jogadoras. Fazer um trabalho mais abrangente ao nível da formação portuguesa vai permitir melhorar e levar-nos a um campeonato da Europa a breve prazo ou colocar-nos no top 20 das seleções que disputam para ir aos Europeus.

A questão da abertura à jogadora estrangeira e ter mais uma vaga, neste momento são quatro, com alguns condicionalismos, poderá igualmente ajudar a fortalecer o plantel.... permitirá maior equilíbrio e competitividade e vão aparecer mais surpresas ao longo da temporada

— Acha então difícil, a médio prazo, não haver dois/três candidatos ao título e passarem a ser seis? É sobre isso a que se estava a referir dos 50 por cento?

— Neste momento diria que há três candidatos crónicos e depois dois ou três que, num bom ano, possam lutar. A Quinta dos Lombos há uma época venceu a Taça e na passada a Supertaça. É possível projetar estas equipas também e em vez de termos três passar-mos a contar com cinco ou seis. A questão da abertura à jogadora estrangeira e ter mais uma vaga, neste momento são quatro, com alguns condicionalismos, poderá igualmente ajudar a fortalecer o plantel. Não vai tornar tão dependente de determinadas condicionantes, nomeadamente em relação às jogadoras nacionais, sem que isso as prejudica, o que é importante, mas permitirá maior equilíbrio e competitividade e vão aparecer mais surpresas ao longo da temporada porque o basquetebol, a modalidade em si mesma, está construída de maneira a não haver hegemonia, mas para existirem uma variedade de equipas a vencer.

 — Se pudesse aplicar algo rapidamente seria então a permissão de haver mais uma estrangeira em cada equipa. E, por exemplo, a final, passar a ser disputada à melhor de cinco jogos?

— Sinceramente, acho que sim. Claro que há aqui uma relação federação/clubes. A federação toma uma decisão também com apelo aos clubes e à vontade destes e das associações. Portanto, terá de ser uma decisão, não diria unânime, mas baseada numa vontade de fundo dos próprios clubes. Penso que a abertura a mais uma jogadora estrangeira em obediência a determinadas regras pode ser um factor importante para uma maior competitividade do basquete em Portugal. Não tenho dúvidas disso. Isso terá de ser aliado a uma política de apoio à jogadora nacional. Não se trata de exclui-las simplesmente da equação, isso não pode ser.

Depois, as regras de termos uma final a cinco. Repare, no último jogo da final da época passada a diferença do resultado foi um bocadinho maior, mas os jogos 1 e 2 foram renhidíssimos. Portanto, para o espetáculo, o patrocinador e para o próprio basquetebol português, só beneficiaria termos uma final à melhor de cinco, Seria sobretudo mais espetacular e torna mais justa a competição. Já estivemos na posição do Sportiva, que a época passada foi primeiro na fase regular, não invicto, mas conseguiu a tal supremacia e depois perdeu o campeonato. Há duas épocas fomos nós: limpámos a fase regular e depois claudicámos na parte final do campeonato. Um play-off a cinco jogos acaba por se tornar mais justo.

Não é só uma questão económica. Se assim fosse invariavelmente ganhava a equipa que investia mais. E não é o caso.

— Até chegar ao Benfica passou por vários clubes nacionais, existe um problema de estrutura nesses que não permite aos mais pequenos rivalizarem com os candidatos ao título ou é só uma questão económica?

— Não é só uma questão económica. Se assim fosse invariavelmente ganhava a equipa que investia mais. E não é o caso. Posso falar abertamente, estive no Olivais de Coimbra antes de vir para o Benfica e não conhecendo os orçamentos de outros clubes no projeto que tinham, o investimento era maior do que o nosso. No entanto o Olivais venceu competições nessa altura. E já tinha ganho antes de mim.

— Mas nesse ano foi a estrutura do clube que permitiu vencer?

— Sim, foi uma escolha criteriosa. Fomos felizes também na maneira como juntámos um staff e grupo de jogadoras e naqueles quase dois anos, que depois foi interrompido pela pandemia, tudo funcionou bem. Existiram uma série de regras muito criteriosas na escolha das várias coisas que iam acontecendo. Claro que houve algum investimento, teve que existir, e o apoio. Este é fundamental por parte das entidades e forças vivas da própria cidade. No caso, não era o único clube da cidade, mas, na altura, tratava-se do mais representativo em basquetebol feminino. Tudo isso foi importante para que esse projeto existisse. Não tenho dúvidas que, nos vários pontos do país, e o basquete feminino está espalhado de lés a lés, incluindo ilhas, quanto maior for esse apoio e essa capacidade de movimentar as forças vivas que podem ajudar àquele projeto, maior é a probabilidade de sucesso.

Em alguns casos não ter medo que a pedrada que se atira ao charco tenha várias ondas de choque, por que é fruto dessas ondas de choque e pedradas que por vezes não passa mais, mas a médio ou longo prazo vamos buscar aquilo que nos falta nesta altura.

— Pensa que o basquetebol feminino ainda tem um estigma face ao público — se calhar até pela imprensa - que é preciso ultrapassar para ter maior projeção, ou ainda não atingiu um patamar em que possam dizer: vocês não estão a falar de nós, mas já temos esta qualidade e devem ter atenção?

— É um pouco das duas coisas, embora também tenha muito a ver igualmente com a cultura do próprio país em que estamos, não podemos ser alheios a isso. Durante anos e anos o desporto masculino capitalizava toda a atenção mediática e investimento, porque uma coisa anda aliada à outra e é um circulo que se torna vicioso. Hoje em dia, e já há alguns anos a esta parte, temos um maior cuidado na atenção que as entidades federativas dão, e não me reporto só ao basquete, um cuidado diferente. Bem sei que para muita gente às 11 da manhã não é uma hora muito convidativa, mas existirem transmissões televisivas àquela hora é bom. Já se ouve dizer é a hora do basquete feminino.

Sou do tempo em que a NBA dava na televisão aos domingos e também tinha religiosamente um horário da NBA de manhã para ver os jogos. Foi aí que, há muitos anos, cresci a gostar de basquetebol. Por isso, se por um lado já existe muita coisa feita, por outro creio que pode continuar a fazer um caminho. E em alguns casos não ter medo que a pedrada que se atira ao charco tenha várias ondas de choque, por que é fruto dessas ondas de choque e pedradas que por vezes não passa mais, mas a médio ou longo prazo vamos buscar aquilo que nos falta nesta altura. E sobretudo não deixar cair as coisas porque com certeza vão existir retrocessos neste processo de crescimento.