*com Diogo Organista Pereira

É sabido que atuar pelas camadas jovens de Portugal é, para muitos, a rampa de lançamento para voos mais altos no futebol de clubes. São inúmeros os exemplos e a qualidade da prata da casa é inegável e inconfundível.

O processo, porém, não é tão simples quanto parece. Seja por falta de oportunidades ou por adversidades ao longo do processo - como lesões inesperadas -, existe uma panóplia de motivos para que a afirmação de um atleta não aconteça ou apareça de forma mais tardia.

Com isto em mente, o zerozero esteve à conversa com Ricardo Benjamim, guarda-redes de 25 anos que rumou cedo na carreira para fora do país - contratado pelo Deportivo aos 17 anos - e conquistou um Campeonato da Europa Sub-19 por Portugal, em 2018.

O guardião representa, atualmente, o S. João Ver, emblema que opera na Série A da Liga 3, e o nosso portal procurou saber os contornos e as voltas que a sua carreira já teve.

«Era avançado, mas decidi jogar a guarda-redes devido à ausência de um colega meu»

zerozero - Como é que está a correr o início de época no S. João Ver?

Ricardo Benjamim - Não tem sido o melhor arranque de época. Sabemos as dificuldades em jogar e ganhar na Liga 3. Na Taça [de Portugal], temos feito um bom percurso. Duas vitórias nas duas eliminatórias que disputámos, podemos fazer bonito este fim-de-semana, frente ao USC Paredes, e marcar presença numa quarta eliminatória, que é importante para o clube.

zz - E a nível pessoal, como tem corrido?

RB - Não tem sido o que ambiciono, a nível individual, mas acredito que a minha oportunidade vai surgir. Enquanto estiver a jogar na Taça de Portugal, farei de tudo para ter os melhores resultados possíveis.

Ricardo Benjamim
S. João Ver
2024/2025
2 Jogos 210 Minutos
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zz - A titularidade no S. João Ver é o que almeja a curto prazo?

RB - Sim, vim para o clube com essa ambição. Sabia que iria ter uma grande disputa pelo lugar, com os meus companheiros, mas também sei das minhas capacidades. Estou a trabalhar para isso e vou lutar para que essa oportunidade surja. Quando surgir, vou agarrar com toda a minha força, para fazer o maior número de jogos possíveis.

zz - Recuando no tempo, começou a formação no Lusitânia de Lourosa. A paixão pela baliza foi imediata?

RB - Pelo contrário. No Lourosa, eu jogava na frente, penso que a ponta-de-lança. Devido à ausência de um colega meu, decidi jogar como guarda-redes. O treinador viu que eu era alto e tinha as características da posição. Estive um ano como guarda-redes do Lourosa e depois fui logo para o FC Porto.

zz - Teve algumas dificuldades nessa transição?

RB - Não, até porque na escola gostava de jogar à baliza, jogava sempre. Quando jogava à noite no Lourosa, nos treinos, ficava à frente. Mas sempre tive a ideia do que era ser guarda-redes.

«Um miúdo que vai sozinho para Espanha é obrigado a crescer muito rápido»

zz - Depois das passagens por FC Porto, Feirense e AD Sanjoanense, ruma ao histórico Deportivo, na Corunha. Como é que surgiu esta oportunidade e o que o levou a seguir este trajeto na carreira?

RB - Fiz uma época fantástica pela AD Sanjoanense, a jogar no Campeonato nacional Sub-17. Fui praticamente totalista e apareceu a oportunidade de ir fazer um treino a Espanha. Sabia que era muito difícil ficar lá, não tive a formação que muitos tiveram, mas sabia que, com o meu foco e com o trabalho que coloco nos treinos, ia certamente fazer com que eles pensassem muito se ficavam ou não comigo.

Ricardo Benjamim ao serviço da AD Sanjoanense @Arquivo Pessoal do Jogador

Fui lá fazer uma semana de observação, voltei para Portugal e, passado uma semana, chamaram-me novamente para ir ao Mundialito de Clubes, em Madrid. Depois da prova, assinei logo para a próxima época, mesmo antes de regressar a Portugal, e foi a partir daí que começou a minha aventura no Deportivo.

zz - Não hesitou na escolha? Ponderou antes de realizar a mudança para Espanha?

RB - Não tive qualquer tipo de dúvidas. Encontrei ótimas condições. Chegar lá, vindo de uma realidade completamente diferente, e ver campos com relvado natural, uma incrível cidade desportiva... Era aquilo que eu queria. Tive algumas propostas aqui em Portugal, de clubes bons, mas não tive dúvidas que queria rumar a Espanha.

zz - Fez esta escolha cedo na sua carreira, com apenas 17 anos. Que adversidades enfrentou na mudança para o país vizinho?

RB - Correu tudo bem, inicialmente. Comecei a crescer muito lá como guarda-redes, mas também como pessoa. Um miúdo que vai sozinho para Espanha, apesar de ter lá um ou outro português, é obrigado a crescer muito rápido, longes dos pais e dos amigos. É sempre difícil habituar a novos contextos, a uma nova língua...

Apesar de ter ido para o Deportivo como júnior A, treinei rapidamente com a equipa principal e na B, e isso fez com que a minha motivação fosse ainda maior. Depois surge a chamada à seleção, a primeira vez com Sub-18. Começo a conquistar o meu espaço, a ir à seleção de forma recorrente. No meu último ano em Espanha, após ser campeão europeu, decidi regressar a Portugal.

qTinha clubes interessados aqui em Portugal, mas nunca me iriam dar as condições que me foram dadas em Espanha
Ricardo Benjamim

zz - Qual foi o motivo?

RB - Foi dos piores momentos que vivi em Espanha. Fiquei sozinho, já não tinha nenhum português na equipa. Também deixei de ir à seleção porque lá jogava numa equipa satélite ligada ao Deportivo, que era o Laracha. Tudo isso pesou um pouco. Já não me sentia feliz e, em conversa com quem trabalhava comigo na altura, decidimos regressar a Portugal e fui para o Feirense.

zz - Como mencionou, partilhou plantel com outros portugueses, tais como Pedro Martelo, Luisinho, Bruno Gama, entre outros. Qual foi a importância de estar rodeado destes jogadores?

RB - O [Pedro] Martelo, além de ser da minha geração, ia comigo à seleção. Vivíamos juntos, éramos o apoio um do outro quando estávamos em Espanha. Tivemos dois anos e meio juntos lá. Tinha uma boa relação com o Bruno Gama, o próprio Domingos Duarte chegou durante o meu último ano e era uma pessoa incrível.

zz - Que memórias tem dessa altura?

RB - O Bruno Gama e o Luisinho davam-me boleia para o treino, eram pessoas que nos recebiam incrivelmente bem. Uma vez, fui com o Bruno [Gama] e com o [Pedro] Martelo almoçar fora, depois fomos tomar um café e lembro-me que ficámos a falar e que o Bruno nos deu muitos conselhos.

zz - Em retrospetiva, arrepende-se de ter feito esta mudança na carreira de uma forma tão precoce?

RB - Não me arrependo da minha escolha nessa altura. O meu crescimento lá foi enorme. Tinha clubes interessados aqui em Portugal, mas nunca me iriam dar as condições que me foram dadas em Espanha. Senti que o meu crescimento lá ia ser muito grande e a verdade é que foi.

Ricardo Benjamim com as cores do Deportivo @Arquivo Pessoal do Jogador

«Quando as oportunidades surgiram, por um motivo ou outro não consegui jogar»

zz - Em 2018 surge a chamada à ultima da hora à seleção Sub-19, para suprimir a ausência de Diogo Costa. Qual foi a sua reação quando recebeu a chamada?

RB - Inicialmente, eu não acreditei. Não tinha visto nada da lesão do Diogo [Costa] e pensei que estavam só a brincar. Achei que fosse para ir assistir à final, com os que ficaram de fora - eu, Pedro Neto e Costinha -, e estar junto da equipa.

Só comecei a acreditar quando vi as notícias e o que tinha acontecido ao Diogo. Lembro-me que nessa noite tive dificuldades para dormir, porque só queria viajar e estar juntos dos meus colegas.

zz - Falou com o Diogo Costa antes do jogo? Ele deu-lhe algum conselho antes da final?

Diogo Costa, João Virgínia e Ricardo Benjamim no jogo do título frente à Itália @Arquivo Pessoal do Jogador

RB - Tínhamos uma boa relação entre todos os guarda-redes que estavam na seleção. Lembro-me que, na altura, o Diogo Costa estava muito abalado com toda a situação, por causa da lesão e por querer muito disputar o jogo da final frente à Itália. De uma maneira ou outra, também tentei ajudá-lo e puxá-lo para cima.

No final da jogo, após a vitória, abraçámo-nos a chorar porque era realmente um jogo que ele queria muito ter jogado. Era um momento que eu queria muito, trabalhei para poder estar mais vezes na seleção e sinto que foi um presente que me foi dado.

zz - Durante as seleções jovens partilhou balneário com jogadores que estão a dar cartas, neste momento, na liga portuguesa, como Francisco Trincão, Florentino, Francisco Moura, Nuno Santos, entre outros. Que recordações tem deste período e deste grupo?

RB - Tínhamos um grupo fantástico, era excecional. Lembro-me, por exemplo, que nos treinos, qualquer jogo que fizéssemos era uma qualidade brutal. Toda a gente se dava bem.

zz - Que explicações encontra para não ter acompanhado a geração que conquistou o título europeu para um patar mais elevado? O que correu menos bem na sua carreira?

RB - Sinto que o principal motivo foi a falta de oportunidades. Quando surgiram, por um motivo ou por outro não consegui jogar. Não por motivos de lesão, mas por motivos alheios. Em termos de formação, também cheguei tarde. Foi nos Sub-18 que chego a um patamar mais elevado e começo a ir à seleção. Por isso, sei que basta ter essa oportunidade.

Sinto que pode ser este ano. Sinto que aos 27 ou aos 28 anos estarei nesses patamares que tanto ambiciono, porque sei das minhas qualidades. Se continuar a trabalhar e as oportunidades, que vão chegar, forem dadas... Sonho em alcançar esses patamares e acredito que vou lá chegar. Pode ser tarde, mas sei que vou chegar.

Ricardo Benjamim e restante plantel nas celebrações do título

«Sonho em jogar na La Liga ou chegar a um dos cinco grandes em Portugal»

zz - Referiu, numa publicação sua, que «decisões administrativas e lesões» o afastaram do sucesso. Pode explicar o peso destas duas vertentes na sua carreira?

RB - Uma das situações refere-se ao facto do clube onde eu estava, o Feirense, ter acabado com o escalão Sub-23 e ter ficado como terceiro guarda-redes da equipa principal. Na altura recebi uma proposta para ir para outro clube, onde iria ter mais oportunidades. No espaço de uma semana, tinha tudo acordado para viajar.

Ia ser bom para mim, ia ter a oportunidade de jogar numa bola liga. Depois, pediram milhares e milhares por um guarda-redes que ainda não tinha feito um jogo na segunda liga. As negociações caíram por terra e foi uma oportunidade desperdiçada para mim.

Tive outra situação, nesse mesmo clube. Ia estrear-me nesse mesmo ano em que estava como terceira opção. Foi na altura da Covid-19 e os dois guarda-redes testaram positivo, então eu ia jogar. Chego no dia de jogo e afinal eles estavam lá, porque tinham acusado negativo num segundo teste.

Havia algo que não me deixava avançar. Sinto que tem sido isso, de forma recorrente na minha carreira. No ano passado, também estava a fazer uma época muito boa e, em dezembro, tenho a infelicidade de me lesionar no joelho e ficar de fora até ao final da época.

zz - Esteve de fora dos relvados cerca de 3 a 4 meses. Como é que lidou com a lesão e como foi a recuperação da mesma?

Ricardo Benjamim ao serviço do Montalegre, na época em que sofreu grave lesão @Arquivo Pessoal do Jogador

RB - No início foi difícil, depositei muita confiança naquela época para me relançar. Levava cerca de dez jogos pelo Montalegre e estávamos bem no campeonato. Levar com aquela lesão no dia após o jogo foi duro para mim. Sinto que esse ano deixou-me muito mais preparado psicologicamente.

Foi algo que eu nunca tive, nunca tinha estado tanto tempo afastado dos relvados nem dos treinos. Ainda que não tenha sido preciso ser operado, a recuperação da lesão fez com que eu ganhasse muita resiliência, com muita vontade de voltar mais forte.

Agora tenho sempre um trabalho de prevenção, de ginásio, que tem de ser feito para prevenir essa lesão. Acho que é o que retiro de positivo desse momento menos bom. Tornou-me mais homem, mais jogador e fiquei mais forte.

zz - Sei que a sua carreira ainda vai a meio, mas aponta a conquista do Europeu pelos Sub-19 como o melhor momento da mesma?

RB - Até ao momento, sim. Sem dúvida que é dos momentos mais altos da minha carreira, mas quero mais. Quero jogar, ser feliz e desfrutar a fazer o que mais gosto. Certamente que, quando isso acontecer, melhores momentos como esse vão aparecer.

zz - O que podemos esperar de si, tanto a curto como a longo prazo?

RB - A curto prazo, podem esperar um Ricardo que vai trabalhar no máximo para conquistar a titularidade no S. João Ver. E a longo prazo, podem esperar um jogador que, conquistando esse primeiro objetivo, vai estar noutros patamares. Que sonha em chegar à primeira liga antes de acabar a carreira. Espero que seja ainda muito longa, para jogar em divisões que sempre sonhei, como a La Liga ou então chegar a um dos cinco grandes em Portugal.

zz - Vê com melhores olhos uma saída do país ou uma afirmação a nível nacional na primeira liga?

RB - Gostava de afirmar-me aqui, no meu país. Ser visto como um guarda-redes forte aqui no campeonato principal, para poder representar as melhores equipas. Sei o quão difícil isso é, esse sonho está atrasado, mas está vivo em mim. Vou todos os dias à procura disso mesmo. Sei que vai acabar por acontecer, mais tarde ou mais cedo. Pode ser tarde, mas vou chegar onde quero.

Ricardo Benjamim ao serviço do S. João Ver @Arquivo Pessoal do Jogador