Sintra, o segundo município mais populoso e um dos mais belos do país, é, como o nome indica, a casa do Sintrense. Não o será este domingo, já que o duelo frente ao FC Porto será disputado numa casa emprestada (Amadora), como tantas vezes acontece na Prova Rainha, mas isso não afasta os holofotes de um dos jogos mais atrativos desta 3ª Eliminatória da Taça de Portugal.

Vendo além do esmagador favoritismo dos visitantes, há muito para apreciar num clube que atualmente disputa o quarto escalão do futebol português. Desde logo o orgulho de uma equipa que ainda não conhece o sabor da derrota em 2024/25, mas também a ambição sóbria de um treinador que, entre a construção dos alicerces para sucessos futuros, disfrutará este fim de semana de uma «realidade diferente»

Pedro D´Oliveira tem apenas 28 anos e até ao início deste mês era o mais jovem treinador principal entre os 112 que compõem os escalões nacionais. Ciente de que a idade não está relacionada com experiência ou maturidade, abriu a porta a uma longa conversa em que se deu a conhecer aos leitores do zerozero.

Sintrense ambicioso e com novo treinador

zerozero (zz) - Antes de falarmos sobre o que esta semana traz no horizonte, que tal abordarmos o atual momento do Sintrense? Estão invencíveis com cinco triunfos e dois empates na temporada, liderando a vossa série do Campeonato de Portugal. Parece que as coisas estão a correr bem...

Pedro D´Oliveira (PDO) - Nós deste lado é que agradecemos a atenção, porque se ela não chegar trabalhamos no silêncio. Este sucesso que estamos a ter, este arranque, tem também a ver com isso. Estamos focados no que controlamos e entramos em todos os jogos para ganhar. Acredito que é assim que temos um pouco mais de possibilidades de ter sucesso.

zz - Se calhar também ajudou o facto desta não ser a tua primeira passagem pelo clube. Isso foi um fator?

@Arquivo Pessoal Pedro D´Oliveira
PDO - Tenho um carinho especial por este clube, que foi a minha porta no futebol sénior. Foi uma pequena reunião ou entrevista com um Tiago Zorro e ele deu-me a oportunidade. Dois anos que me deixaram com a sensação de que este clube merece um bocadinho mais. É um clube com uma história muito rica e que tem infraestruturas boas para um clube de Lisboa. Quando chegou o convite, disse logo que muito dificilmente não iria aceitar, porque tenho este carinho e queria saber o que é estar aqui como treinador principal. Aceitei e, até agora, sinto-me rodeado de pessoas que querem acima de tudo o sucesso do Sintrense.

zz - É uma versão mais ambiciosa do Sintrense, especialmente desde a entrada de novos investidores. O próprio Ricardo da Silva Oliveira, presidente da SAD, assumiu o objetivo de chegar à Primeira Liga! Até que ponto estás envolvido nesse projeto?

PDO - Quem está a controlar a SAD não pode só pensar no curto prazo. O projeto está delineado a sete/oito anos, é assim que o Ricardo pensa. Da minha boca nunca vão ouvir isso, porque os treinadores nestes patamares não têm contratos de longa duração. Por vezes há investimentos desmedidos que desaparecem porque só se pensou no curto prazo... Estamos aqui pelo processo, acreditamos no processo, e se sentirmos que as coisas estão a ser bem-feitas, vamos continuar mesmo que a bola não entre. Nós enquanto equipa técnica tentamos não pensar nesse tipo de coisas.

zz - Mesmo não tendo o projeto a longo prazo como tua responsabilidade direta, dirías que é realista para um clube como o Sintrense?

PDO - Há bons exemplos. Temos nos escalões profissionais equipas como o Torreense, Mafra, Vizela ou Casa Pia, clubes que estiveram muitos anos nestes campeonatos e que chegaram lá acima sem ascensões meteóricas de subir as divisões todas de uma vez. Se é realista? Sem dúvida. As pessoas dentro deste clube são sérias e não só têm uma relação de experiência com o futebol como com a gestão. Em quatro meses de trabalho nunca nos faltou nada, nem ao fim do mês, nem em termos de condições que nos aproximam do sucesso. O maior júri é os jogadores, que acreditaram em nós e até agora não viram as expectativas defraudadas.

zz - E se o teu trabalho é garantir o sucesso a curto prazo, o que dizes desta temporada 2024/25? Será desapontante não garantir uma subida à Liga 3, ou esse não é um objetivo assumido?

@Arquivo Pessoal Pedro D´Oliveira
PDO - Queremos sempre estar preparados para o nível seguinte. Eu e a minha equipa técnica trabalhamos assim, já no Interoeste, na 1ª Distrital de Lisboa tínhamos muito presente aquilo que era um Campeonato de Portugal. Este campeonato tem especificidades muito grandes. Olhamos para o Amora, Louletano, Operário Lagoa... São muitas equipas com condições para subir e só duas vão ao apuramento de campeão. O que tentamos fazer internamente é criar uma cultura de vitória, a sensação de que ganhar é muito diferente de empatar ou perder, porque isso está sob o nosso controlo.

«Associamos a idade a falta de maturidade, mas...»

zz - Aos 28 anos, és um dos treinadores principais mais jovens dos escalões nacionais do futebol português. Como é que chegas a esse papel, no Campeonato de Portugal, tão jovem?

PDO: Não tenho qualquer ligação ao futebol por laços familiares, mas sempre tive essa paixão. Tinha o lado racional apurado ao ponto de saber que não podia ser jogador e por isso lutei para ser treinador. Tive sorte, os meus pais disseram-me isso: «luta».

Tirei o curso, comecei a exercer e entrei no futebol sénior com 21 anos, então como adjunto no Sintrense. Houve o projeto universitário da Nova SBE, trabalhava nos dois ao mesmo tempo. Depois fomos para o Damaiense, depois houve o convite do Est. Amadora B onde encontrámos uma equipa em sétimo e acabámos em primeiro mas tomámos a decisão de sair porque não me identificava com algumas coisas. Seguiu-se o Interoeste a agora o CP. Posso olhar para isto como «sou muito novo», mas também como «já estou aqui há alguns anos».

zz - Quando muitos treinadores passam vários anos a treinar escalões de formação, tu optaste por procurar rapidamente o futebol sénior. Qual foi o motivo?

@Arquivo Pessoal Pedro D´Oliveira
PDO - Com a maior sinceridade, é aquilo que me preenche. Queria trabalhar com homens, saber o que é a liderança, e sabia que o quanto mais rápido o fizesse, mais sucesso podia atingir. Tem a ver com as especificidades de trabalhar com um homem de 20 e tal ou 30 anos em relação a um miúdo de 16. Não é por ser melhor ou pior, mas é o que me preenche. Aquela instabilidade e a pressão sobre ganhar... Queria o mais rapidamente entrar neste mundo. Hoje sei que foi uma decisão importante, mas eu e grande parte da equipa técnica, que está comigo desde o início, colhemos o que semeamos.

zz - E para vocês o futebol já é um compromisso a tempo inteiro?

PDO - Na minha equipa técnica todos trabalham. Acabam o treino e vão a correr para o trabalho, depois chegam a casa às 22h e ainda têm de ir ver jogos. Deitam-se às tantas e não têm folgas. Se muitas vezes é prazeroso, noutras vezes é a consistência e a resiliência que tornam possível. Sentimos que se o fizermos agora, estamos muito mais perto de um dia termos isto como a único trabalho.

zz - Por esta altura já deves estar habituado a treinar jogadores mais velhos do que tu... Quais são os desafios de um treinador tão jovem?

PDO - Há sempre a dúvida, não é? Associamos a idade a falta de maturidade, mas se olharmos para o futebol vemos um Geovany Quenda, nascido em 2007, a jogar como um sénior. Na Bundesliga eu não sei quantos treinadores têm menos de 35 anos! Acho que isso vai cada vez cair mais, como já caiu em relação aos jogadores. Em relação à parte interna, é que é muito fácil. A minha liderança apoia-se em ouvir todos, temos de ter todos envolvidos porque queremos todos que as coisas corram bem. Temos jogadores que nos dão muito para beber. Se eles sentem que algo está mal, temos de ouvir, para no dia em que perdermos, perdermos todos juntos. O difícil é com jogadores a quem não faz diferença ganhar ou perder.

A equipa 2024/25 do Sport União Sintrense @SU Sintrense


zz - «O dia em que perdermos...» Ultimamente tem sido difícil, parece! Para encontrar a tua última derrota como treinador é preciso recuar oito meses e 27 jogos. Foi ainda no Interoeste, o clube que representaste na temporada passada (2º na 1ª Divisão da AF Lisboa) e que atualmente nem sequer compete...

PDO - Estou muito grato pela oportunidade que me deram e, tal como aconteceu no Sintrense, dissemos logo que nos comprometíamos a valorizar toda a gente naquele balneário. Tínhamos muito poucas condições, mas focámo-nos nas soluções. Tentei ao máximo ser justo naquilo que controlava. Aconteciam problemas e eu dizia-lhes "vamos tentar resolvê-los de segunda a sexta, mas aos domingos não há desculpas". Valorizámo-nos todos, porque agora estamos quase todos acima.

zz - A anterior passagem pela Nova SBE também é algo que chama à atenção no teu currículo. Uma equipa universitária a competir no futebol federado. Como surgiu isso?

PDO - Um amigo fez-me esse convite, que foi muito importante para mim. De manhã dava treinos como adjunto no Sintrense e à noite dava treinos no futebol universitário. Encontrei um grupo de jogadores muito competente, que trabalharam em contextos muito fortes até aos juvenis. Nesse ano fiz o desafio ao presidente da Associação de Estudantes de inscrevermos o clube na terceira distrital. Inscrevemos e a partir daí foi uma subida sem pressa nenhuma. Fomos campeões universitários e subimos à segunda distrital.

«Andamos no futebol para jogar este tipo de jogos»

zz - Voltemos então à atualidade. Em semana de preparação para a Taça de Portugal, consegues recordar a sensação de ver o FC Porto a sair no sorteio?

PDO - A sensação é ótima, não vou negar. Andamos no futebol para jogar este tipo de jogos, com os grandes e com equipas europeias. O primeiro impacto foi bom, foi saber que teríamos um dia para desfrutar de uma realidade que não é a nossa. A primeira coisa que me passou pela cabeça foi aproveitar ao máximo, mas fazer o mesmo que faríamos nos jogos da nossa realidade. A mensagem é essa. É um jogo interessante e vamos tentar ao máximo para que o nosso ADN apareça nesse jogo, mas se não aparecer isso não quer dizer nada sobre a nossa competência porque é uma realidade muito diferente.

zz - Sentes que também pode ser um palco de afirmação para ti enquanto treinador?

@Arquivo Pessoal Pedro D´Oliveira
PDO - Tento mesmo não pensar nisso. São aqueles pensamentos irracionais, do banho ou de quando nos vamos deitar, mas a mim nem me vêm à cabeça. É uma semana atípica, até pela comunicação social, e eu disse logo a quem está acima porque não podemos deixar que isto nos entre na cabeça. Não é a nossa realidade e não nos pode subir à cabeça porque podíamos estar no último lugar da nossa série e mesmo assim jogar com o FC Porto, foi um sorteio. Isto nem é para ser politicamente correto, é o que eu sinto e o que eu penso.

zz - E a equipa também partilha da mesma linha de pensamento ou nota-se alguma diferença neles durante esta semana de trabalho?

PDO - Até hoje, ainda não senti. Lembro-me que depois do sorteio dissemos à equipa que o FC Porto era um elefante dentro da sala e que tínhamos de falar sobre ele. Disse que se tivessem pensamentos sobre o FC Porto, então que aproveitassem cada treino e cada jogo até lá para serem melhores e estarem mais preparados. Serviu de motivação, como uma cenourinha à nossa frente. A melhor forma de reduzir esses fatores, é assumir que são normais e aceitá-los.

zz - E quando domingo chegar, o discurso do treinador no balneário será nessa base do «desfrutar» ou terá a exigência de um bom resultado?

PDO - Tem que existir sempre essa crença e exigência. Costumamos dizer que não ganhamos sempre que jogamos mas jogamos sempre para ganhar. Só vamos verdadeiramente desfrutar se nos valorizarmos. Acho que quando chegar o dia, o meu discurso será muito parecido ao que faria num jogo de campeonato. Muita coisa será diferente, como a parte mediática, os adeptos, a relva... O pré-jogo tentaremos que seja o habitual, mas no fundo tudo o que não controlamos será mesmo muito diferente.