Se sofrer uma paragem cardiorrespiratória em campo é assustador, duas então só pode ser pior. Mas foi o que aconteceu a Dragisa Gudelj, defesa sérvio de 26 anos que acabou por deixar o futebol no ano passado, quando jogava em Espanha, ao serviço do Córdoba. O primeiro desfalecimento aconteceu em março de 2023, num jogo com o Racing de Ferrol; o segundo em dezembro do mesmo ano (já com um desfibrilador implantado no peito), diante do Melilla. Agora, numa entrevista ao jornal 'As', o ex-jogador, que passou pelo V. Guimarães, explica como tudo aconteceu.

"Estive em campo três minutos e meio praticamente morto, sem pulso", recorda o antigo capitão do Córdoba, sobre o primeiro episódio. "Para mim foi tudo num segundo. Depois pensei 'que aconteceu? Alguém me deu uma pancada'. Mas disseram-me que estive 7 minutos desmaiado e três minutos em paragem cardiorrespiratória. No vídeo vê-se que me levanto e começo a empurrar as pessoas, dizendo que estava bem. Foi um momento da minha vida muito estranho, senti que me estava a perder, que entrava num túnel que se tornava cada vez mais pequeno e estreito, parecendo ouvir o que dizia cada uma das quase 25 mil pessoas que estavam no estádio. Na ambulância depois disseram-me 'Dragi, tens de te acalmar porque sofreste uma paragem cardíaca'. Nesse momento o meu mundo parou. Nunca o vou esquecer."

Mas depois de passar por um período difícil, e de falar com várias pessoas, incluindo Christian Eriksen - médio dinamarquês que passou por uma situação semelhante no Euro'2020 -, Dragisa Gudelj decidiu voltar a jogar. "Não tinha medo, mentalmente estava bem. Tinha muita vontade de voltar e queria ser um exemplo para muita gente. Comecei a época como capitão, fisicamente estava muito bem."

Até que em dezembro voltou a acontecer o mesmo. "A chave foi a rapidez e a coordenação. O médico, a ambulância, o desfibrilador... foi tudo muito rápido. Além disso tive a sorte de ter um anjo de Deus, que estava na bancada com o filho, Pepe Segura, cardiologista no hospital de Córdoba e um dos melhores de Espanha. É o meu segundo pai, tenho uma relação especial com ele. Quando me viu no chão, caído, percebeu o que estava a acontecer e saltou para o campo sem pensar duas vezes. Ele e o médico do Córdoba lidaram com a situação com muita calma, num estádio cheio. Foram três minutos e meio fora desta vida, estive muito perto de não voltar, ou de voltar de outra maneira. Mas graças a Deus e a eles, que estavam ali... Devo-lhes a vida."

O defesa, que acabou por ter de deixar o futebol, explica que os futebolistas estão sujeitos a situações de muito stress. "Treinar em alta competição não é a mesma coisa que jogar diante de 30 mil pessoas. É quando ficas em stress. Embora alguns futebolistas possam parecer tranquilos no campo, há muita adrenalina e isso foi demasiado para o meu coração. O futebol de alto nível não é uma vida muito saudável. Corremos durante 90 minutos com pulsações em torno das 140-200 e com muitos estímulos: a bancada, a pressão dos objetivos ou o contexto. Quando entrava em campo fazia-o sempre com um sentimento de responsabilidade muito alto, vivia os jogos intensamente, o que para mim era demasiado. Era dar tudo ou nada. Mas sou assim na vida, dou 120 por cento em tudo o que faço..."