Dia 2 de setembro de 2024. Na reta final do mercado de transferências de verão, o Benfica conseguiu adquirir os serviços de Karem Aktürkoğlu, extremo que representou o Galatasaray durante as últimas épocas, para reforçar as opções do ataque (12 milhões de euros).
Depois do avançado assinar o contrato de trabalho em pleno aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, estava confirmada a chegada de mais uma cara nova. «Bem-vindo, Aktürkoğlu», uma mensagem publicada já para lá da meia-noite nas redes sociais encarnadas.
Um nome desconhecido para a esmagadora maioria dos adeptos do futebol português. Um atleta de 25 anos que nunca tínha saído do seu país, mas que já contava com várias internacionalizações pela Turquia. Participou no Euro 2020 e no Euro 2024. As experiências nas competições europeias, essas, já tinham sido muitas, apesar de nunca ter dado o próximo passo no seu crescimento.
A pergunta que se impunha, numa primeira instância, era a seguinte: quem é Kerem Aktürkoğlu? Depois de três meses ao mais alto nível, o zerozero mergulhou nas origens do camisola 17 que está a encantar o Estádio da Luz. Pegamos no telefone e entrámos em contacto com dois treinadores que privaram (e privam) de perto com o jogador: Vincenzo Montella, atual selecionador da Turquia, e Kenan Kocak, antigo treinador-adjunto da Turquia entre 2021 e 2023.
Sempre a subir
Embarque connosco nesta viagem que começa em Izmit, uma cidade no noroeste da Turquia com quase três milhões de habitantes. Esta localidade esteve nas bocas do mundo um ano depois do nascimento de Karem Aktürkoğlu, em 1998. A razão? Um terramoto de grandes dimensões (7.6 na escala de Richter) que abalou Kocaeli (epicentro) - a mais de 100 kilómetros de distância.
Tendo em conta a tenra idade, Karem não se lembra de nada. Mas, segundo uma reportagem publicada pelo The Athletic, o turco esteve desaparecido e acabou por ser encontrado com vida. Um milagre, numa altura em que o seu avô era um dos responsáveis pela cidade. «Só as pessoas que passaram pelo terramoto de 1999 sabem o que é estar nessa situação. A minha família insere-se na mesma narrativa, apesar de não ter memórias sobre o sucedido», confessou ao jornal inglês.
A trajetória para chegar ao topo do futebol europeu também esteve longe de ser fácil. As primeiras experiências no futebol acabaram por estar repartidas entre o Golcukspor e o Hisareynspor, emblemas modestos do país. Esta última equipa, aliás, continua a lembrar-se com orgulho do seu pequeno prodígio.
As palavras são de Muammer Akçay, treinador que encontrou o extremo numa fase precoce da carreira. «Trabalhei vários anos com ele e dizia-lhe com insistência que ia chegar à seleção turca. Ele respondia-me que era um dos grandes objetivos no seu trajeto (...) Agora tornou-se num jogador de destaque. Ficamos muito orgulhosos. Ele visita-nos com regularidade, é uma pessoa fiel às suas origens», disse, em declarações reproduzidas pelo Anadolu Ajansı, jornal turco.
28 jogos, quatro golos. Nada mau para um jovem de apenas 18 anos que ainda procurava o seu espaço nos maiores palcos. Terminou devolvido ao clube de origem, antes de rescindir e seguir para o Karacabey Belediyespor, agora no terceiro escalão. 35 jogos e três remates certeiros garantiram uma transferência para o 24 Erzingcanspor.
Foi na cidade de Erzincan que o futebol turco observou a melhor versão de Kerem Aktürkoğlu. 20 golos em 34 partidas (!) fizeram do extremo um dos melhores jogadores a atuar nos escalões inferiores, chamando a atenção de vários emblemas de topo. O Galatasaray foi o escolhido. Altura de regressar a Istanbul, a capítal do país, agora na Spor Toto Super League.
«O Kerem não é apenas um grande jogador»
Uma realidade completamente diferente ao que já tinha vivenciado até então. Um plantel com soluções em praticamente todos os setores. Nomes como Fernando Muslera, DeAndre Yedlin, Arda Turan, Radamel Falcao, Ryan Babel ou Gedson Fernandes. Uma lista que parece não ter fim, mas que receberam o jovem, na altura com 22 anos, de braços abertos - 29 encontros, seis golos e duas assistências sob o comando técnico de Fatih Terim, treinador que decidiu apostar nos seus serviços.
A partir daquí, foi sempre a subir em termos estatísticos, quer a nível de golos ou assistências. Tornou-se indiscutível num piscar de olhos. A 27 de maio de 2021, na sequência de um jogo amigável contra o Azerbaijão, somou a primeira internacionalização pela Turquia, depois de ser chamado por Senol Günes. Kenan Kocak, antigo treinador do Hannover 96, fazia parte da equipa técnica do experiente timoneiro.
«Sabe muito bem de onde vem e quais as suas origens no futebol. É uma pessoa pacata. Sempre teve boa relação com os seus companheiros, portanto, a equipa gostava muito dele», acrescentou o treinador, atualmente ao serviço do Ankaragücü, da segunda divisão da Turquia - orienta Diogo Coelho e Renat Dadashov, atletas que já passaram pelo futebol português.
O impacto na seleção por parte de Kerem Aktürkoğlu tem se traduzido, por enquanto, em dez golos (e duas assistências) em 38 jogos realizados. Consequentemente, as boas exibições no Galatasaray chamaram à atenção de várias equipas europeias, entre as quais o Benfica, que adquiriu o seu passe em setembro de 2024.
«É difícil encontrar um atleta tão completo»
Tal como já referido, a aventura no campeonato português foi a primeira além-fronteiras, após ter passado toda a carreira na Turquia. Diferentes culturas, pessoas diferentes, quotidiano distinto: tudo é novidade para o camisola 17. No entanto, isso não impediu que o seu início tenha sido em grande: dez partidas, oito golos apontados e quatros assistências. Fenomenal.
«O Kerem Aktürkoğlu conta com caraterísticas únicas e indispensáveis no futebol moderno. Tem uma velocidade e um faro para o golo acima da média. Para além disso, claro, possui uma excelente técnica para encontrar espaços quando não tem bola», começou por dizer o antigo avançado, atualmente com 50 anos.
«Por outro lado, quando tem bola trabalha para a equipa, uma altura em que consegue causar bastantes estragos. É difícil encontrar um jogador tão completo como ele. Desde que cheguei à Turquia, em 2021, foi um dos atletas que tive debaixo de olho. Estou mesmo muito contente pelo nível que atingiu no campeonato português», acrescentou.
A adaptação a uma nova realidade é sempre complicada. Ainda assim, por enquanto, tal parece não interferir na qualidade dentro de campo. «Quando vi que ele ia para o Benfica, no final de agosto, acreditei logo que ia ter um grande impacto. É importante que as coisas estejam a correr bem nesta primeira fase de um novo capítulo. Estou feliz por ele», disse Kenan Kocak, antes de dar a sua opinião no que toca ao futuro.
«[Até onde é que poderá chegar?] Se continuar a trabalhar arduamente e a acreditar nas suas capacidades, penso que não existirão limites no futebol europeu. Não nos podemos esquecer, claro, de que esta é a sua primeira temporada no estrangeiro», argumentou.
Um feiticeiro
Não podíamos terminar esta peça sem uma referência a Harry Potter. O festejo, que já foi utilizado em oito ocasiões distintas, conta com ligações à famosa série desenvolvida por J.K. Rowling. «Existem muitas semelhanças entre eu e o Harry Potter. Partilhávamos as mesmas cores [n.d.r Galatasaray e Gryffindor], tínhamos o mesmo número [n.d.r camisola sete que também é utilizado no Quidditch] e utilizei uns óculos redondos. Os adeptos começaram-me a chamar Kerem Potter», explicou, ao The Athletic.
Quem conseguirá encontrar o antídoto para travar os feitiços de Aktürkoğlu?