A última década tem mostrado à evidência uma deslocação progressiva e geograficamente marcada dos locais eleitos para receber os mais importantes e prestigiados eventos desportivos internacionais. Durante décadas, os campeonatos ou taças europeias e mundiais vinham sendo organizados sobretudo na Europa central e excecionalmente no continente americano ou extremo Oriente. Falo das competições desportivas organizadas pelas federações internacionais, mas posso incluir também outros eventos de dimensão mundial como os circuitos profissionais de ténis ou golfe, o MotoGP ou a Fórmula 1.

Nos últimos anos foram sendo descobertos novos - e claramente apetecíveis porque repetidos - locais para sua realização. A centralidade dos principais eventos do desporto mundial transferiu-se para países do Médio Oriente e da Ásia Central. Cidades como Doha, Baku, Riade, Tashkent ou Astana, passaram a ser anfitriãs de uma ampla lista de competições internacionais. Direi mesmo que serão poucas as modalidades que ainda não visitaram países como a Arábia Saudita, os Emirados ou o Catar, assim como países nascidos da antiga União Soviética como o Azerbaijão ou o Cazaquistão. São as grandes rotas do petróleo descobertas finalmente pelo movimento desportivo internacional, com claro sucesso e com assegurado futuro. A meu ver, este reajuste geográfico notável deve-se a uma convergência de diversos fatores que importa considerar.

Primeiro: as federações internacionais, para valorização dos seus associados e do valor mediático (sobretudo televisivo e online) das suas modalidades, vão criando novas competições, cujas fases finais com uma dimensão cada vez maior de participação de países e atletas requerem meios financeiros cada vez mais exorbitantes.

Segundo: estas grandes cidades e os seus países estão disponíveis (diria mesmo desejosos) para suportar esses tipos de custo sem regatear. Uns porque procuram uma maior afirmação internacional, demonstrando uma abertura da sua sociedade ao olhar ainda desconfiado do mundo ocidental – o caso claro dos países árabes. Outros porque a sua recente modernização tem assim garantida projeção e promoção mundial por via das grandes audiências desportivas. Num caso e noutro são indiscutíveis a presença e a colossal força do petróleo como financiador. Inspira uma renovada e lúcida reflexão sobre as hierarquias de poder globais, num momento em que governos e ativismo ambiental tentam promover uma transição para as energias renováveis e as opções “limpas” de consumo energético.

Esta convergência de interesses leva a que o mundo do desporto tenha passado a ver no seu calendário estes destinos como obrigatórios quando se trata de garantir a sua participação. Assim acontece também com Portugal. Os nossos atletas e seleção têm percorrido tais paragens e continuarão a fazê-lo, pois para tal são convocados. Provavelmente não se reconhece aqui nenhum problema - vão competir, ora não importa onde, desde que seja em boas condições! E nesses novos destinos não lhes falta nada. Mas falta sim, falta financiamento certo e seguro para garantir a sua presença, a oportunidade de participação.

As federações desportivas portuguesas são confrontadas com dois desafios que convergem numa exigência: mais meios financeiros. Por um lado, porque é cada vez maior o número de provas internacionais para que os atletas são convocados (e em muitas não podem deixar de ir pois aí se conquistam também os pontos ou o ranking para os Jogos Olímpicos) e, por outro lado, porque as deslocações e estadias para tais locais são inevitavelmente dispendiosas. Já nem falo das federações que têm um orçamento tão diminuto que se veem forçadas a pedir aos atletas e suas famílias para custear despesas, o que para quem está a competir nas cores do seu país me parece inaceitável.

Enfim, o que acrescentar a tudo isto? O nosso sistema desportivo é um parceiro digno sim, mas um parceiro menor no contexto europeu ou mundial. Ou seja, tem poucas ou nenhumas possibilidades de resistir ao gigantismo crescente (estimulado pelo mundo dos media, pela grande publicidade, pelo capitalismo multinacional) das grandes competições europeias e mundiais onde temos, e deveremos ter sempre, a ambição de estar presentes a competir com os melhores.

Os tempos já não são fáceis hoje, mas vão segura e progressivamente tornar-se mais difíceis ainda, colocando problemas de financiamento sérios que não se resolvem com anúncios datados e dispersos de aumentos, mas com uma reflexão empenhada do primeiro dos interessados, o Estado português. A este juntam-se as suas federações e clubes, mas também parceiros privados que importa urgentemente trazer para o desporto, a bem do interesse nacional, mas igualmente em seu interesse próprio, dada a escala dos mercados a que dão acesso o desporto e a alta competição internacionais.

Se assim se fizer, com o vigor de novas e convictas vontades, Portugal poderá não apenas resistir aos tempos que mudam, mas vir até a reforçar a sua presença internacional, a proporcionar aos nossos atletas oportunidades de desenvolvimento cruciais e inestimáveis, e a poder mostrar ao mundo novos campeões que virão ampliar a nossa já ilustre lista atual.