Quem é o jogador subvalorizado - valor inferior atribuído em relação qo que lhe é devido - da história do futebol? Não há propriamente uma resposta certa e muitos podem ter sido os nomes pensados pelos vários leitores ao pensar nesta questão, mas a probabilidade do nome de Thomas Muller ter sido, pelo menos, equacionado é elevadíssima.

Muller começou a jogar no modesto TSV Pähl e, com apenas 10 anos, mudou-se para o Bayern, fazendo uma viagem de 50 kms para, quiçá, seguir as pisadas do seu antigo ídolo Élber. Não mais saiu da Baviera desde aí, fez toda a formação no clube de Munique e acabou, com naturalidade, por chegar à equipa principal. Um homem de um só clube, como cada vez menos vemos.

Thomas Müller
Bayern München
Total
711 Jogos 51344 Minutos
245 38 1 1 2x
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Teve uma temporada de destaque com os Sub-19 em 2007/08, marcando 18 golos em 26 jogos - terminaram em 2º lugar no campeonato - e chamou à atenção de Jürgen Klinsmann, na altura técnico da equipa principal. Contudo, não o atendeu para ouvir as boas novidades: «Eu não atendi o telefone no início. Mas quando ouvi a mensagem de voz mais tarde, era Jürgen Klinsmann, a dizer que ia ser promovido à equipa principal.»

Fez a estreia na Bundesliga um mês antes de fazer 19 anos, entrando para o lugar da lenda Miroslav Klose, no empate (2-2) com o Hamburger SV. Apesar dessa estreia precoce, passou a larga maioria do resto da época nos reservas - onde marcou 15 golos, em 32 jogos - e foi só na época seguinte, em 2009/10, com a chegada de Louis van Gaal ao Bayern, que começou a fazer nome.

«Mesmo que Franck Ribery e Arjen Robben estejam disponíveis, Müller jogará sempre na minha equipa», afirmou, na altura, Van Gaal e cumpriu. Nessa época, Muller participou em todos os 52 jogos e fez nome no futebol mundial, com 19 golos e oito assistências. Ajudou o Bayern a fazer a dobradinha, foi eleito Jogador Jovem Alemão do Ano, incluído na Equipa do Ano da Bundesliga e acabou a merecer chamada à seleção germânica para o Mundial 2010, na África do Sul. Mesmo aí, apesar da eliminação nas meias, impressionou e fez cinco golos e três assistências.

O nome de Thomas Muller, com apenas 21 anos, já era incontornável.

Muller só conhece o seu Bayern @Getty / Alexander Hassenstein

Carreira de conquistas

Desde aí, a carreira de Thomas Muller foi sendo feita de conquistas atrás de conquistas, sempre com as cores do «seu» Bayern Munchen, intervalando com as cores da seleção germânica.

Jogando como falso extremo, Médio ofensivo ou na frente de ataque, Muller era sinónimo de golos, magia, consistência e um pragmatismo e paixão que deixavam qualquer treinador rendido às suas habilidades.

Se a nível interno só o Borussia Dortmund de Jurgen Klopp conseguia incomodar o Bayern de Muller e companhia, a nível internacional os bávaros também eram uma ameaça para qualquer adversário. No seu início de carreira, Muller até marcou presença em duas finais, em 2010 e 2012, marcou na 2ª, mas acabou por perder ambas, para o Inter (2-0), de José Mourinho, e Chelsea (1-1, derrota nos penáltis), mas acabou por levantar a «orelhuda» pela primeira vez em 2013.

Muller segue a fazer história @Getty /
Raumdeuter - ou «intérprete do espaço» em português - foi a alcunha dada pelo próprio, numa entrevista, em 2011, ao Süddeutsche Zeitung, que acabou por servir como uma luva a um jogador ofensivo considerado «desajeitado», essencialmente pela sua fisionomia, mas com uma leitura de jogo no último terço invejável e determinante para o melhor Bayern.

A sua consistência, de resto, fala por si. Nas 15 épocas completadas ao serviço do Bayern, por dez ocasiões chegou aos dois dígitos ao nível de assistências e golos - e nas restantes ficou pertíssimo -, com o auge a chegar na época de 2015/16: 32 golos e 12 assistências, em 49 jogos. Já ninguém sabia qual era a posição de Muller e, sinceramente, ninguém queria saber. Era um jogador, com J bem grande.

«Müller é o jogador mais extraordinário da história do futebol alemão, junto com o grande Gerd Müller. Ele ainda está a mostrar as qualidades que sempre o distinguiram: ser um jogador de equipa, trabalhador e corrido. Além disso, ele é uma força motriz em campo, o que agora está mais claro do que nunca», disse Heynckes, à DFL Magazine, em 2020, dois anos após deixar o Bayern pela última vez.

Desde aí, foram um total de 12 Bundesligas, seis Taças da Alemanha, oito Supertaças, duas Liga dos Campeões, duas Supertaças Europeias, dois Mundiais de Clubes e ainda um Mundial ao serviço da Alemanha, em 2014 - nesse ano ficou em 5º na Bola de Ouro.

Recordes, recordes e mais recordes

Toda a lógica deste texto adveio do mais recente recorde de Thomas Muller, que ultrapassou o compatriota Sepp Maier e tornou-se no jogador com mais jogos na vasta história do Bayern Munchen (710). Contudo, Thomas Muller é uma máquina de recordes, especialmente no que à Bundesliga e futebol alemão diz respeito.

Entre os livros de história, Thomas Muller aparece como o recordista de vitórias na Bundesliga, é o 3º melhor marcador da história do Bayern - atrás de Gerd Müller (566) e Robert Lewandowski (344) -, com 245 golos, é o melhor assistente da história da Bundesliga (217) e o único jogador da história da Bundesliga a marcar em 16 épocas distintas. É também o jogador alemão com mais jogos (151) e golos (54) na Liga dos Campeões, sendo apenas ultrapassado ao nível de vitórias (104) por Cristiano Ronaldo (115).

Além disso, os seus 33 troféus fazem dele o 2º jogador alemão mais titulado da história, apenas ultrapassado pelos 34 de Toni Kroos, que, como sabemos, se reformou neste último verão. E por falar em recordes por bater, precisa apenas de mais três temporadas para se tornar o jogador da história da Bundesliga com mais épocas disputadas sempre com o mesmo clube - Kaltz (pelo Hamburgo), Körbel (pelo Frankfurt) e Fichtel (pelo Schalke) são os recordistas, com 19.

Tradução: só existe um Thomas Muller, um Raumdeuter.