Quando pensamos em regionalismos no futebol, como base de todo um projeto, o Athletic afigura-se como o maior exemplo. A turma do País Basco é mundialmente conhecida por apenas atuar com jogadores nascidos ou que foram criados na região (País Basco, Navarra e País Basco francês). Mesmo com tal condicionante, a turma do San Mamés nunca desceu de divisão e apresenta-se anualmente como um forte candidato aos lugares de acesso às competições europeias. O seu palmarés comprova que é um ‘grande’ do nosso país vizinho, com oito campeonatos e 23 Taças do Rei, além das três supertaças. Nascido em 1898, a auto-imposição de atuar com ‘bascos’ somente apareceu em 1911, como resposta às críticas dos rivais regionais, que criticavam a presença de ingleses no onze da turma de Bilbao.
Esta história não é nova, nem é propriamente surpreendente. Até nos videojogos como o Football Manager a limitação é imposta. O Athletic é mesmo popular pela sua caraterística especial. Porém, a mesma não é exclusiva. Se existe uma região com elevado grau de nacionalismo em Espanha, além do País Basco, essa é a Catalunha, que há poucos anos até realizou um referendo, declarado inválido pelo governo de Mariano Rajoy. Todo este tumulto, inflamado por Carles Puidgemont, colocou a Catalunha nas notícias mundiais, com direito a capa.
Foi mais ou menos nesta fase que UE Olot decidiu tomar uma decisão fundamental: jogador apenas com jogadores nascidos nos designados de Países Catalanes, isto é, Catalunha, Comunitat Valenciana e Ilhas Baleares. O conceito pode ser alargado a Andorra e Aragão, mas neste caso, essas duas regiões ficaram fora.
O conjunto catalão tomou esta decisão no verão de 2016, quando foi despromovido à Tercera Divisón, conseguindo regressar à Segunda División B logo na temporada seguinte: Joan Agustí, presidente do Olot, justificou a determinação:
«Perdemos a nossa dimensão social e o nosso compromisso e decidimos que todos os jogadores da equipa devem ter sido formados na Catalunha ou em países catalães, como Valência e as ilhas», referiu o dirigente ao El País.
A ideia tem funcionado na perfeição e o Olot transformou-se num exemplo, dentro dos clubes do seu padrão. Afinal, não falamos de um gigante, mas a existência de um plano que abrange várias áreas, faz desta turma um projeto a seguir.
«Não olhamos para a origem do jogador, mas queremos que ele tenha uma ligação com o que é nosso e é por isso que para assinar connosco tem de ter sido formado aqui. Queremos ser um Athletic Bilbao ao estilo catalão», disse Joan Agustí, admitindo que o conjunto de Bilbao é um exemplo a seguir.
Este estilo faz com que o Olot ganhe uma relevância ao nível social, existindo uma ligação entre a instituição e toda uma região. A sua política marca pontos com os fãs. O emblema tem uma postura inflexível em relação ao machismo, racismo ou homofobia, por exemplo. Joan Agustí e a estrutura diretiva fazem questão de recordar que os resultados não são tudo para esta instituição, embora seja normal que os adeptos vão para casa mais felizes com os três pontos no bolso. O Olot trata igualmente de uma maneira equitativa os elementos com necessidades, atribuindo bolsas. Ao contrário de muitos, o clube da Garrotxa preocupa-se também com a inclusão no desporto, contando com três equipas para portadores de deficiências. Isto sim, é um golaço.
Mesmo com a limitação auto-imposta, o Olot tem-se saído bem. A equipa conseguiu sagrar-se vencedora do seu grupo da Tercera RFEF e estabelecer-se como o segundo clube mais forte da Província de Girona (apenas por trás do conjunto liderado por Míchel), além de terem atingido a final da Copa Catalunya, perdendo com o FC Andorra, em 2023/24.
«Esta é a melhor época da nossa história, porque subimos à segunda divisão da RFEF como campeões da terceira divisão catalã – com pelo menos sete pontos de vantagem sobre o segundo classificado – e porque chegámos à final da Taça da Catalunha pela primeira vez na nossa história. E não fomos campeões por meio metro a 30 segundos do fim», exclamou Joan Agustí no final da época, em entrevista ao Relevo.
Estamos na temporada 2024/25 e o Olot segue no décimo terceiro posto do grupo 3 da Segunda RFEF, zona de play-off de despromoção. A equipa foi inserida num campeonato complexo, que conta com vários históricos como Sabadell, Lleida ou Sant Andreu, e ninguém esperava uma luta pela promoção. A turma conseguiu eliminar o Córdoba da Taça do Rei, mesmo com os andaluzes estando duas divisões acima. O objetivo passará por estabilizar nesta divisão e depois tentar sonhar com algo mais. Por vezes, ser ambicioso demais pode levar a consequências graves no futuro e a diretiva do Olot, pelo discurso apresentado nos últimos anos, não é ‘gulosa’ e é consciente que pode chegar ao sucesso ao seu estilo, mas também com o timing correto.
Tal como vemos no caso do Athletic, o Olot com a sua política que pode ser considerada como ‘extremista’ ou ‘protecionista’ por alguns, pode levar a que alguns frutos na sua formação comecem a surgir, mas isto não ocorre de um dia para o outro, é algo que requer tempo e paciência. Ainda assim, vale a pena dar a nota que existe um protocolo entre a equipa da província de Girona e o Barcelona, referente ao futebol de formação. Quem sabe se daqui a alguns anos o Olot não consegue vender uma pérola por um valor considerável que alimente todo o seu plano?
Embora este estilo de projeto seja do agrado de muitos, acabando por ganhar fãs um pouco por todo o globo, será que esta ideia resulta em todo o lado? No caso do Athletic e do Olot, abordamos dois emblemas que fazem parte de regiões com várias metrópoles, que contam com muita população e boas condições de vida. A Garrotxa tem apenas 53 mil habitantes, mas os Países Catalanes são uma zona com um desenvolvimento acima da média. O mesmo se pode dizer do País Basco. É um risco apostar em somente elementos relacionados com a região, mas não o estão a fazer em locais com poucas condições, no que ao futebol diz respeito. Transportemos este plano para Portugal.
Uma equipa que decretasse que apenas passaria a utilizar atletas provenientes da Grande Lisboa, até poderia ter algum êxito. Afinal, vivem mais de dois milhões de pessoas na região. O mesmo se pode dizer da Área Metropolitana do Porto. Serie até bonito que existisse um clube com tal projeto e limitação. Porém, daria para fazer igual em outros locais?
Basta vermos como estão os mapas de equipas da Primeira Liga, Segunda Liga e Liga 3. O interior é praticamente despido. O Alentejo é vazio, a Beira Baixa conta apenas com o Sporting da Covilhã e Trás-os-Montes está dependente do Chaves à uma série de anos, para que os locais vejam futebol dos principais escalões na região. Seria totalmente impossível, nessas regiões, cada vez mais envelhecidas e abandonadas, uma equipa ditar a utilização/contratação de apenas jogadores da zona, e ao mesmo tempo atingir o estatuto de profissional. Seria uma história bonita, mas irreal, que não dependeria apenas do desporto para poder crescer.
O exemplo do Olot merece uma salva de palmas e um acompanhamento mais profundo, na esperança que em uma ou duas décadas consigam atingir e estabilizar na La Liga Hypermotion ou até mesmo participar recorrentemente na La Liga. Vivemos em uma era em que podemos observar um jogador do outro lado do mundo, na esperança de encontrarmos uma pérola a ser lapidada ou simplesmente um negócio mais rentável. Os clubes querem é pagar menos, se possível.
Conseguir montar um elenco de qualidade com os jogadores todos da mesma região não é tarefa simples. A amostra é menor, mas nem todos os catalães quererão jogar no Olot. O próprio emblema tampouco terá um orçamento salarial que se permita dar ao luxo de ir contratar os craques da zona.
O Athletic aplicou a sua política numa fase da história em que o futebol não era um desporto profissional, mas sim um complemento à atividade profissional que os jogadores exerciam no dia a dia. Numa região industrial, não foi complicado contar com craques e obter o sucesso. Afinal, muitas instituições surgiram nestas condições. Hoje em dia vivemos um cenário muito distinto. Joan Agustí arriscou depois de não ter tido sucesso dentro de campo, mudando radicalmente o plano de um clube, dando-lhe uma nova vida e bases para o mesmo se sustentar, dentro e fora de campo. O mérito é (praticamente) todo dele, num século XXI em que o futebol se inova diariamente.