«Malta, era porreiro cobrirmos um jogo em específico da Taça de Portugal amanhã», ouvimos na redação do zerozero. O coração começa a palpitar. «Qual jogo? Onde é?». «Lusitânia de Lourosa - União de Lamas, em Lourosa», respondem-nos. Os olhos brilham... o fervoroso dérbi da região de Aveiro? «Contem connosco!».
«Pedir acreditação?» Check. «Preparar o equipamento de vídeo?» Check. «Requerer o automóvel?» Check. Tudo parece estar a postos, mas ainda faltam cerca de... 14 horas até ao jogo. Portanto, não querendo maçar o leitor com esta importuna espera, talvez seja melhor passarmos já para sábado, 7 de setembro, o dia do jogo.
O orgulho corticeiro

Afastados apenas por dois km, os dois clubes vivem uma rivalidade que vai muito além daquilo que se passa dentro do tapete verde. E aqui está o zerozero, presente nas horas que antecedem a partida entre lusitanistas e unionistas para tentar perceber mais sobre esta relação antagónica. «É o dérbi dos dérbis», ouvimos. «Não interessa como, só interessa que ganhemos!», diz-nos um menino pequeno, acompanhado pelo pai.

qIsto é muito especial, vocês vão ver que é muito especial quando entrarem no estádio
Adeptos do União de Lamas

«Este é um jogo especial?», perguntamos a um jovem adepto da equipa da casa. «Este é o jogo mais esperado por nós. É um jogo muito especial. Aqui decide-se quem é o verdadeiro orgulho corticeiro». Acreditamos que desta forma conseguimos resumir bem esta rivalidade tão especial. Neste jogo não se disputa só a passagem à próxima eliminatória da Taça de Portugal. Disputa-se o orgulho da região, disputa-se a forma como se olham os amigos na escola, os colegas no trabalho, até mesmo os familiares que, por sorte ou azar, nasceram do outro lado da barricada. Tudo tão puro, tão raro, tão nostálgico, tão... bom.

Precisa de mais um exemplo do quão importante é este dérbi para as pessoas destas duas terras, caro leitor? Cruzamo-nos então com dois adeptos do União de Lamas que tiveram de percorrer um pouco mais do que os 2.000 metros que separam os dois estádios. São dois amigos - há 45 anos, mais propriamente -, sendo que um veio de Versalhes (França) e o outro veio de Londres (Inglaterra). «Como?!», deve estar a pensar, caro leitor - pensamos o mesmo e questionamos. «Isto é muito especial, vocês vão ver que é muito especial quando entrarem no estádio», justificam-nos de forma emocionada.

«O Dérbi dos dérbis»

A nossa primeira paragem é na sede da Armada Lusitana, claque do Lusitânia de Lourosa. Já o aquecimento ia a meio quando lá chegamos. Somos recebidos no meio de abraços e cânticos. Ainda nem tiramos o material da mochila e já temos uma cerveja na mão. Seria uma falta de respeito recusar... que sacrifício. No meio de bandeiras e tochas, fizemos o nosso caminho até à próxima paragem.

Sede da Armada Lusitana @Renato Soares / zerozero

«Está a ver o parque de estacionamento do Aldi? É lá». Acenamos afirmativamente na esperança de que a querida senhora que nos deu a indicação não perceba o desconhecimento e a ignorância que ia dentro da nossa cabeça. «É lá que os Papa Tintos se estão a juntar!». Confuso, caro leitor? Os Papa Tintos são a claque do União de Lamas e ir ter com eles é a nossa missão seguinte. Em direção ao Aldi!

Apanhamo-los a meio da marcha. Seguem juntos, em uníssono, e com um objetivo em mente. «Fazer com que a nossa equipa se sinta em Lamas, se sinta em casa!», diz-nos um adepto. E lá vamos nós até ao estádio. Chegados ao local predefinido, deparamo-nos com um cenário do faroeste, o clássico confronto. Imagine isto, caro leitor: uma rua paralela ao estádio, Armada Lusitana numa ponta, Papa Tintos na outra. O jogo começou aí, sentimos.

Que comece a festa da Taça

Chegou a hora. Casa preenchida, jogadores a postos. Suspira-se pelo início da partida. '17h31' marca o relógio quando o árbitro apita. Rola a bola em Lourosa! À nossa esquerda os adeptos mais fervorosos da equipa caseira vão mostrando um tifo de um leão - símbolo da equipa -; à nossa direita, os adeptos forasteiros que, naquele canto do estádio, parecem multiplicar-se, tal é a forma barulhenta como apoiam a sua equipa.

Tarja exibida pelos adeptos do Lourosa @Renato Soares / zerozero

Dentro de campo o jogo vai sendo bastante disputado. Os primeiros 25 minutos são sinónimo de equilíbrio, encaixe e estudo mútuo de ambas as formações. À passagem da primeira meia hora, a equipa da casa começa a pegar nas rédeas da partida. Henrique Ramos, o vértice mais recuado do meio-campo lusitanista, vai ditando os tempo de jogo. Goba Zapka, na frente, vai dificultando a vida de Filipe Melo e João Serrão (ex-Juventus - pode ler a entrevista feita pelo zerozero ao jogador aqui).

Sem grandes oportunidades de parte a parte, a primeira metade deste duelo vai-se 'esfumando'.

Reta final

Na segunda metade da partida decidimos abandonar a tribuna da imprensa. Optamos por ver os restantes 45 minutos entre os adeptos de uma e outra equipa. Mal nos sentamos e já o árbitro apita para uma grande penalidade a favor da equipa da casa. Miguel Pereira assume a responsabilidade e não treme. Estava aberto o marcador.

Os lusitanistas entram em campo de forma autoritária e 'mandona', empurrando os comandados por André Ribeiro para o seu meio-campo. A pressão vai aumentando e começa a adivinhar-se o segundo golo. Dito e feito. Cruzamento milimétrico da direita e, nas alturas, Marcos Valente superioriza-se aos defesas adversários e cabeceia para o fundo das redes de Mário Évora. Com o golo do capitão, a formação de Pedro Miguel resguarda-se.

Adeptos do União de Lamas @Renato Soares / zerozero

Empurrados pelas centenas de adeptos presentes no campo do seu inimigo, o União de Lamas tenta reagir o mais rápido possível. As substituições realizadas pelo técnico unionista surtem efeito e, cinco minutos após entrar em campo, Emanuel Alves reduz a desvantagem no marcador. O clima vai aquecendo nas bancadas do Estádio do Lourosa. Animada pelo golo e alimentada pelo combustível que vinha de fora, a formação de Lamas tenta chegar ao segundo golo até ao último suspiro da partida, mas sem efeito.

Resultado final: Lusitânia de Lourosa 2-1 União de Lamas. A formação da casa garante a passagem à próxima fase da Taça de Portugal, onde encontrará o Vizela. Os forasteiros perdem em campo, mas vencerm fora dele. Terminamos com a descrição da imagem com que terminou esta partida: jogadores e adeptos em uníssono, numa espécie de homenagem mútua cheia de sentimento e orgulho.

Adeptos - Lusitanistas e Unionistas - que fazem corar de vergonha muitas equipas dos principais escalões do futebol nacional. E a verdade é que, depois deste espetáculo, ficamos mesmo na dúvida. Será este o «dérbi dos dérbis»?

Uma coisa é certa, na redação do zerozero o jogo não ficou por aqui e estamos a preparar uma reportagem em vídeo desta nossa experiência para si, caro leitor...