Em qualquer parte do mundo, há sempre um português pronto a fazer história. Na Alemanha, não é diferente. São perto de 40 os lusos que travaram caminho pela elite alemã do futebol e apenas cinco levantaram o prato: Renato Sanches (por quatro vezes), Tiago Dantas, João Cancelo, Fernando Meira e Ricardo Costa. No entanto, há um que se destaca pela longevidade na Bundesliga.

Entre a base de dados do zerozero, não se mostrou difícil a busca pelo jogador português com mais jogos na maior prova alemã de futebol. Entre os mais variados nomes que poderiam surgir no pensamento, eis que o nosso portal confirma: com 212 jogos, Sérgio Pinto é o líder luso em participações na Bundesliga, seguido de Fernando Meira – que conta com menos 39 jogos.

Na antecâmara do encontro entre Bayern Munchen e Benfica, o zerozero voltou a conversar com Sérgio Pinto para perceber como foram os dez anos em que atuou na elite da Alemanha e como é que a vida de um jovem de Vila Nova de Gaia que começou a dar toques na bola na formação do FC Porto no início da década de 90 embarcou numa viagem duradoura até à Alemanha.

«Eu media 1.50m e jogava com jogadores muito mais altos que eu»

zerozero: O Sérgio soma mais de 200 jogos na Bundesliga como jogador e é o português que lidera esta marca. Como é que se sente por “liderar esta classificação”

Sérgio Pinto: Eu não sinto nada, para ser sincero (risos). Para mim, é uma coisa normal. Só joguei um ano fora da Alemanha e o resto foi sempre aqui. Para mim, é como é.

zz: Jogou praticamente a carreia toda na Alemanha. Como se sucedeu?

SP: Nós viemos para a Alemanha ainda 1993 e, no final, acabei por ter sorte. Deram-me uma oportunidade de ser jogador profissional aqui na Alemanha. Gostei sempre de jogar aqui porque também não conhecia outra coisa. Sei como foi jogar em Espanha e, por isso, é que tentei voltar rapidamente ou o mais rápido possível para a Alemanha porque é onde eu me dou e sinto bem.

zz: Na nossa base de dados, o FC Porto foi o primeiro clube onde alinhou na carreira - ainda na formação. Ainda se recorda desse tempo?

SP: Ainda tenho vários contactos dos jogadores das escolinhas e dos infantis. A internet agora dá-nos tudo e e consegues colocar-nos em contacto com várias pessoas. (risos)

zz: E como é que seguiu para a formação do FC Porto? Como é que aconteceu numa altura em que ainda era tão novo?

SP: Tive uma oportunidade de ir treinar e fazer provas. Depois, fiquei lá nas escolinhas durante dois anos. Depois, estive dois anos nos infantis. E, no final, no último ano dos infantis, os meus pais já tinham vindo para a Alemanha. Eu fiquei por Portugal durante mais tempo porque eu disse sempre aos meus pais que eu só queria sair de Portugal depois de ser campeão português. Foi o que aconteceu no segundo ano dos infantis e, depois, vim para a Alemanha para estar com os meus pais e fiquei desde aí por aqui.

zz: Sendo ainda tão novo, foi difícil habituar-se a essa realidade na Alemanha, quer a nível social como no futebol?

SP: Foi muito diferente, para ser sincero. Nos primeiros dois anos, joguei num clube muito pequeno, um clube da distrital. E depois, acabei por para o Schalke 04. Aí já existia uma grande diferença entre o futebol português e o futebol alemão.

Por exemplo, em Portugal, nós íamos para os treinos só com as coisas para tomar banho depois dos treinos e dos jogos. Não precisávamos de levar mais nada para lá. Aqui, na Alemanha, nós tínhamos de lavar a nossa própria roupa. Tínhamos de a levar para casa e lavá-la por lá. Isso foi uma grande diferença.

No futebol em si, também foi muito diferente. Era muito mais forte, muito mais físico. Não era muito tático ou técnico, na altura. Era tudo à base de força. A mudança de futebol foi um pouco difícil. Eu era pequenino. Eu até me lembro que, quando eu vim para a Alemanha, eu media 1.50m e estava a jogar com jogadores que eram muito mais altos que eu (risos). Eram muito mais fortes. Não foi fácil habituar-me no princípio, mas, no final, já tinha alguma qualidade, porque joguei no FC Porto também. Tive um talento que Deus me deu e foi uma coisa que me ajudou muito.

zz: Há algum jogo em particular que considera o mais desafiante da carreira? Algum que tenha ficado na memória?

SP: Há um que recordo e hei de recordar para sempre. Foi a última jornada da época 2009/2010. Tudo aconteceu depois da situação que aconteceu com o Robert Enke [n.d.r: o guarda-redes faleceu no início dessa mesma temporada]. E foi o último jogo. Tínhamos de ganhar em Bochum. Foi um jogo muito importante para o clube, muito importante para a equipa também.

O que aconteceu não foi fácil. Não foi fácil de digerir. Mesmo tendo passado vários meses, foi um jogo muito difícil. Ainda me lembro perfeitamente de como tudo correu como se tivesse acontecido hoje. Lembro-me de tudo. Do primeiro minuto até ao minuto 90. Houve mesmo muita pressão acumulada com muitos sentimentos.

zz: Ainda teve uma passagem por Espanha, pelo Levante. Como se sucedeu?

SP: Para ser sincero, o meu contrato estava a acabar no Hannover e o clube tinha uma ideia de apenas dar um ano de contrato para os jogadores mais velhos. Eu decidi que assinava contrato por dois anos, mas, no final, não conseguimos chegar a um acordo. No meio de tudo isto, o Levante já tinha perguntado por mim ao meu empresário. Por volta do mês de março, questionaram se havia a possibilidade de me contratar.

Nessa altura, eu disse que ainda gostava de esperar para saber como é que a situação seguia com o Hannover, mas, no final, entramos em acordo com o Levante e eu acabei a assinar contrato por dois anos. Ao princípio, correu tudo bem, mas, posteriormente, aconteceram coisas das quais eu não gostei e por isso é que eu pedi ao clube para rescindir o contrato.

zz: E que diferenças encontrou entre a realidade espanhola e alemã? Também era tão físico como na Alemanha?

SP: O futebol em Espanha foi muito diferente do futebol na Alemanha. Quer na intensidade dos treinos, quer na vida diária, era tudo muito distinto. Por exemplo, eu ia para o estágio e só treinava uma vez por dia. Essa era uma realidade que eu não conhecia. Havia muitas coisas muito diferentes e, com a idade que eu já tinha - estava com 32 anos - é uma realidade muito mais difícil de se habituar.

Eu precisava sempre dessa intensidade por semana e por dia, nos treinos, para estar sempre num nível top. Eu precisava de estar num nível top nos jogos. E isso foi algo que complicou muita coisa para mim também, para me habituar. No final, foi uma decisão que eu tive em conjunto com a família e até acabou por ser uma vida porreira o ano inteiro, para ser sincero (risos). Foi uma cidade espetacular. Gostei muito, mas eu fui para a Espanha para jogar futebol e não fui para viver. Por isso, é que eu tomei a decisão que para não me retirar de futebol logo depois do contrato, para não perder a vontade e o que se precisa para jogar futebol, eu decidi regressar à Alemanha no final desse ano.

zz: E acabou mesmo por terminar a carreira no ano seguinte, com a camisola do Fortuna Dusseldorf.

SP: Estava a correr tudo muito bem e, no final, tive uma lesão rara no futebol. Tentei continuar, mas não podia mesmo. Fiquei quase um ano e meio sem jogar. Estive quase um ano e meio lesionado. Depois disso, acabou por tomar a decisão de me retirar do futebol. Eu não podia correr mais. Se eu fizesse um jogging de 20 ou 30 minutos, acabava a ficar com muitas dores. Falei com os médicos e chegámos à conclusão que a melhor decisão a tomar seria mesmo retirar-me de futebol.

«Se houver algum projeto em Portugal que seja interessante, continuo a pensar nisso»

zz: Alguma vez teve propostas para regressar a Portugal?

SP: Para ser sincero, houve uma proposta. Bem, não foi bem uma proposta. Houve um clube que me perguntou se eu gostaria. Eu sempre disse que se houvesse um clube com uma filosofia e um projeto bom, pensava nisso. No entanto, uma proposta na mesa não houve. Eu também era muito direto nas minhas decisões. Sempre fui muito honesto naquilo que pensava e ainda penso. Sempre tive os meus valores e acabaram por ser coisas que nunca alcançaram um acordo. Não havia uma base para falar mais.

zz: Alguma vez quis regressar?

SP: Para ser sincero, até falei no último verão com um clube português. A proposta era para diretor desportivo - que é mais ou menos o trabalho que estou a fazer agora -, mas não entrei em acordo muito por causa da situação da família também.

Eu gosto de estar perto deles aqui. Não entrámos em acordo, porque não era assim tão fácil para mim. No entanto, eu estou sempre aberto a projetos interessantes e, para mim, se houver algum projeto em Portugal que seja muito interessante, continuo a pensar nisso. Neste momento, eu quero um projeto onde eu possa dar o próximo passo na minha carreira.

zz: E qual é esse passo? Depois de coordenador de scouting e «mais ou menos»diretor desportivo, o que o espera daqui em diante?

SP: Nas estruturas do nosso clube, é um pouco mais diferente porque nós tínhamos - ou tivemos - o CEO - que também foi despedido há duas ou três semanas. Tínhamos o CEO desportivo e não tínhamos diretor desportivo. Eu era o Head of Recruitment. Eu trabalhava em conjunto com ele.

O título de diretor desportivo era mais ou menos dividido pelo CEO e por mim. Na base das estruturas do clube, simplesmente não dava para mais. E, honestamente, também não precisávamos porque trabalhávamos muito bem juntos. O meu próximo passo na carreira? Quero continuar a tomar as minhas decisões e aprender. Para além disso, quero tentar ajudar onde puder ajudar. Eu estou aberto para tudo. Para mim, a coisa mais interessante é um projeto. Um projeto desportivo bom. O meu contrato acaba no próximo verão e vamos lá ver o que vai acontecer nos próximos meses.