PARIS – Voltamos ao imponente Grand Palais para apanhar o final da prova de águas abertas e é só surpresas.

Ainda meio para uma prova que arranca às 7h30, saímos na estação errada do metro e temos de contornar meia Paris para chegar ao nosso ponto de trabalho.

Que bela surpresa…

Mas acordamos rapidamente! A caminhar nos corredores do edifício, cruzamo-nos, de repente… com uma medalha de ouro!

Tae Joon Park, sul-coreano que na véspera se sagrou campeão olímpico dos -58kg do taekwondo, faz uma curta sessão fotográfica com a medalha de ouro, num dos halls que temos de atravessar até ao centro de imprensa.

Surpreendente!

Pois é, com o fim da competição de esgrima, o taekwondo tomou conta de uma das arenas mais impressionantes destes Jogos Olímpicos, lembramo-nos.

E de repente, ainda meio ofuscados pelo brilho da medalha do sul-coreano, vemos uma cara familiar com a farda de voluntário.

Ah, é o doutor Rui! Não, espera. Taekwondo! É o doutor Rui, sim. Mas aqui é o Rui Bragança! O campeão europeu de -58kg e 2014 e 2016, vice-campeão mundial em 2011 e o ouro nos Jogos Europeus de 2015! Esse mesmo, o representante português na modalidade nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e de Tóquio.

Mas… voluntário!?

Que surpresa!

«O plano não era este, era ter estado cá como atleta, e depois nos Paralímpicos como médico voluntário», introduz sorridente, em conversa com A BOLA, que há quatro meses não conseguiu apurar-se para a terceira edição olímpica e terminou a carreira desportiva, aos 32 anos.

Os planos saíram todos trocados. Porque pouco depois de não ter conseguido apurar-se para os Jogos Olímpicos, e ter solicitado marcar presença como médico nos Jogos Olímpicos em vez dos Paralímpicos, Rui foi informado que a organização não estava a autorizar participação de médicos sem a licença francesa.

A proposta que recebeu foi para estar, então, como voluntário comum, ideia que começou por não lhe agradar particularmente.

«Comecei por recusar porque a ideia era estar cá como atleta. Se viesse antes como médico, era uma coisa, outra coisa era estar cá como voluntário. Não era algo que eu tivesse planeado. Mas depois pensei que podia fazer sentido e seria uma boa maneira de encerrar este ciclo meu ciclo olímpico», explica.

«Estou muito bem resolvido com o fim da carreira»

Uma vez que conhece como poucos a modalidade, Rui Bragança foi colocado, de forma natural, no taekwondo, como um dos responsáveis da zona de aquecimento. Cabe-lhe o papel de controlar os atletas e garantir que estão prontos para entrar em combate sem atrasos. E claro, a presença dele ali começou por causar alguma estranheza.

«Claro que eles me reconhecem. Até há quatro meses estávamos no mesmo circuito. No início surpreenderam-se por ver-me com estas roupas, mas depois até agradecem porque sabem que está ali alguém que percebe as dinâmicas e tem um pouco mais de tato para garantir que as coisas correm bem», nota.

E para ele também não está a ser estranho interpretar outro papel, no maior palco desportivo, no qual esteve como atleta duas vezes. Ainda que ele próprio tenha tido esse receio.

«Tinha um pouco de receio que pudesse sentir alguma estranheza, mas a verdade é que estou muito bem resolvido e tenho as coisas muito claras. Este já não é o meu mundo, pelo menos não como atleta. Agora estou aqui agora para ajudar outros. O capítulo da minha carreira no taekwondo foi encerrado e está muito bem arrumado na minha cabeça», confessa, sorridente.

Ora, no domingo, após o final da competição, Rui Bragança vai voltar à sua vida profissional, que passa pela medicina. Depois de ter terminado o curso em 2017, e ainda sem possibilidade de fazer o curso de especialidade, uma vez que só terminou a carreira de atleta há poucos meses, Rui Bragança tem trabalhado, sobretudo, em Viaturas Médica de Emergência e Reanimação (VMER), e em medicina do trabalho.

Por isso, se um antigo atleta olímpico chegar num carro do INEM ou o apanhar num daqueles exames encomendado pela sua empresa, não se deixe surpreender.