22 milhões de euros - foi o montante do contrato celebrado entre o Estado Português e o seu Comité Olímpico para financiamento do Programa Paris 2024. No seu regresso dos últimos Jogos, o Primeiro Ministro Luís Montenegro afirmou que o Governo iria aumentar em mais de 20% esse financiamento, ou seja, um aumento de 4,4 milhões de euros. Isto significa que, nos próximos 4 anos, e para cumprir a sua missão, o COP irá enquadrar um suplemento de 1,1 milhões euros/ano no seu orçamento.
Confesso que nunca me pareceu que a forma mais sensata e eficaz para um Governo de ajudar a resolver os problemas do desporto fosse a de “atirar” dinheiro assim, qual monarca magnânimo, sem concertação prévia ou objetivo definido. Mas, como essa parece infelizmente ser uma prática bastante usual, fiquemo-nos pela consideração do que de muito positivo tem - mais dinheiro para o desporto olímpico – e ponto final!
Neste contexto, caberá ao COP a ponderação responsável da aplicação desse acréscimo financeiro. Nada que envolva especial dificuldade, pois serão certamente várias as carências a reclamar mais meios financeiros. E uma das soluções, talvez a mais óbvia (mas que em verdade pouco de relevante alterará), será a de distribuir por todo o programa olímpico esses novos 20% anuais.
Em alternativa, proponho que uma pequena refleção nos leve a determinar um setor onde tal suplemento financeiro vá realmente valer a pena e ter um determinante impacto positivo. Quando olhamos para o Programa Olímpico, e sabendo da sua importância, temos noção do longo percurso pleno de obstáculos que um atleta tem de percorrer para lá chegar, o que obriga a que nada possa faltar em termos de apoio a quem alcança este supremo patamar desportivo.
Nos dias de hoje, um atleta de alto nível planeia e estrutura a sua época desportiva de forma a tentar atingir e permanecer no topo dos rankings mundiais na sua modalidade. Para isso, tem de atender a uma multiplicidade de custos que vão desde as viagens a encontros e competições, o alojamento, os estágios, as infraestruturas de treino, o material desportivo altamente especializado, a suplementação, o apoio médico e nutricional, a saúde mental, até à fisioterapia e recuperação do treino.
Para se atingir este nível desportivo, há um longo e tortuoso caminho a percorrer. Esse caminho, pleno de pequenos avanços e tantos outros recuos, está alicerçado na motivação e na ambição de cada atleta e seu treinador, no trabalho desenvolvido pelos nossos clubes e enquadrado da melhor forma possível pelas respetivas federações desportivas. Olhemos, por exemplo, para uma modalidade, o atletismo, e dentro dela para uma especialidade que nos deu um campeão olímpico - o triplo salto e o Nelson Évora!
Para que um atleta consiga alcançar o nível de entrada do Programa Olímpico (nível Elite) no triplo salto, tendo por base os critérios definidos na sua grelha de integração, requer-se que o seu desempenho se traduza numa classificação até ao 8.º lugar em Campeonatos da Europa ou ao 16.º em Jogos Olímpicos ou Campeonatos do Mundo, isto no escalão absoluto, ou em alternativa fazer uma marca “tão simples como” 17.14 m. Ou seja, um atleta que não renova anualmente classificações ou marcas deste calibre, deixa simplesmente de integrar o Programa Olímpico.
Nelson Évora, que na sua primeira participação olímpica em Atenas 2004 atingiu o 40.º lugar, foi 4 anos depois, em Pequim, o nosso campeão olímpico. Como foi isto possível? Com um enorme esforço e dedicação do atleta e seu treinador, mas também com o apoio do programa olímpico que integrou. Ninguém duvide da exigência tremenda que isto significa.
Para um atleta, o Alto Rendimento significa o escrutínio anual repetido, dentro dos mais altos patamares europeus e mundiais. Num país como o nosso, onde a base de recrutamento é curta, uma abordagem responsável e estruturada não pode deixar de construir e proteger o verdadeiro alicerce de todo este sistema de apoio.
Os clubes e as federações são quem acolhe os atletas e quem ajuda fazer deles campeões até que o projeto olímpico os receba. E a fronteira entre o alto rendimento (das federações) e o projeto olímpico (do COP) é difícil de transpor, transformando-se muitas vezes num vaivém frustrante e desmotivador para o atleta com grandes sonhos e aspirações.
Em 2022, uma inovação foi introduzida para trazer estabilidade ao atleta, e sobretudo o conforto de não ser imediatamente “despedido” porque um dia tudo correu mal. Diz-se nessa alteração (que entra em vigor pela primeira vez após Paris) que “… aos atletas que participem nos Jogos e que não obtenham um resultado desportivo de acordo com os objetivos definidos será garantida a integração mínima num período não inferior a seis meses…”, tendo ainda em consideração uma nova oportunidade competitiva.
Esta almofada de proteção vem impedir que a frustração de um mau resultado possa inspirar uma desistência. Afinal, até os campeões têm também dias maus. E não podem, nesses dias mais agoirentos, ser abandonados. Nem eles nem os clubes e as federações que os fizeram crescer. Parece-me facilmente evidente que esta seja uma das áreas que melhor podem acolher valiosos acréscimos orçamentais como os prometidos.
Portugal não se pode dar “ao luxo” e à irresponsabilidade de deixar desprotegidos atletas cujo talento e potencial só podem ser enquadrados pelas nossas federações desportivas, cujo reforço de verbas não tem acompanhado a proporção dos custos destes projetos, estrangulando o sistema e fazendo com que muitos percam a motivação e não sintam capacidade nem apoio para apostar de forma permanente e firme no Alto Rendimento.
Quanto mais estabilidade se oferecer a atletas e treinadores no seu dia a dia, e quanto maior for a coordenação entre o alto rendimento federativo e o projeto olímpico, mais consistente e duradouro será o contingente de jovens campeões a ambicionar o lugar no pódio e a acreditar nas gloriosas medalhas olímpicas a repousar sobre o nosso belo equipamento das quinas. Acredito que esta será uma aposta vencedora.