Deixar assuntos entalados na garganta nunca fez bem. Sufoca, é desesperante e leva a uma desnecessária falência das funções vitais. Passou exatamente um mês desde que Portugal empatou na Escócia, sabendo que o melhor teria sido levar logo aí o apuramento ao bloco operatório e resolvido o problema. Ficando a questão pendente, a seleção nacional viu-se obrigada a remarcar a viagem de partida para os quartos de final da Liga das Nações e, mesmo que mais devagar, a equipa de Roberto Martínez foi tão longe quanto, para já, queria.
Portugal só tinha que atirar a corda a um empate no jogo contra a Polónia. Porém, num ato de zelo perante o bem-estar comunitário dos pontos, resgatou três e não apenas um. Por muito que a segunda parte tenha trazido um resultado vasto (5-1), tal como noutros jogos, cheirou a desresponsabilização e desleixo. Durante períodos demasiado largos, a seleção menosprezou o compromisso com o momento. Neste caso, não houve problema. No futuro, quem sabe...
Apesar de tudo, a lista inicial de 26 jogadores foi feita já com o condicionamento das lesões de Rúben Dias, Gonçalo Inácio, Rúben Neves e Diogo Jota. Mais tarde, Roberto Martínez deparou-se com a indisponibilidade de Pedro Gonçalves, Matheus Nunes e João Palhinha, compensadas apenas com a chamada de Samu Costa. Além disso, para desbastar a convocatória para os 23 nomes que os regulamentos deixam fazer parte da ficha de jogo, o selecionador cortou ainda Tiago Djaló.
Para serem compatíveis com a vestimenta que vão corrigir, os remendos têm que ter a qualidade o mais aproximada possível do tecido original para disfarçarem os buracos. O centro da defesa foi o mais remoído. António Silva e Renato Veiga fizeram dupla. Os 21 anos de ambos, somados, só por um triz ficam acima da idade de Pepe, o pretérito defesa da seleção que terminou a carreira depois do Euro e esteve no estádio a assistir à partida.
Uma Polónia com poucos floreados foi colocando o setor recuado português em alerta. Numa fase inicial, os ataques à profundidade permitiam apenas ganhar terreno. Mais preocupante ficou para Portugal quando os mesmos começaram a resultar em oportunidades de golo.
A folga que a seleção nacional deu ao polaco que ia possuindo a bola obrigou a equipa de Martínez a recuar constantemente. Com o caminho até à baliza de Marcin Bulka dilatado, só o virtuosismo na posse poderia desenterrar soluções aparentemente escondidas. O metralhar de más entregas dificultou o progresso. Ver Bernando Silva a errar passes laterais a uma distância de três metros para o destino é motivo para esfregarmos os olhos e tentarmos perceber se estamos acordados.
Mesmo sem Robert Lewandowski, a Polónia criou um cabaz de boas oportunidades. A bola picada por Bereszynski sobre Diogo Costa já estava a esticar a mão para cumprimentar a baliza quando Nuno Mendes apareceu a impedir o encontro. Piatek também foi barrado ou, neste caso, posteado pelo ferro. Zalewski também teve a sua chance, mas o guarda-redes do FC Porto defendeu.
Um eventual golo de Portugal seria só um pedido de desculpas pelo rocambolesco desempenho no Estádio do Dragão. A seleção nacional e o seu encravado 4X3X3 (a construção foi feita a três com Nuno Mendes mais recuado e Rafael Leão aberto sobre a esquerda e, no flanco oposto, Dalot por dentro e Pedro Neto à largura) produziram apenas um desconchavado golpe de Bruno Fernandes e um falhanço de Cristiano Ronaldo, o primeiro de dois do homem da braçadeira.
Logo depois de Marczuk dar novo sinal de que a vantagem não ficava nada mal à Polónia, eis que surge uma situação que raramente Portugal tem ao dispor. Através de um contra-ataque, Rafael Leão rejeitou o uso do cruise control e aumentou a velocidade a cada metro percorrido até ao lado contrário do campo. Pelo meio, soltou a bola para Nuno Mendes, lateral que assistiu para a finalização de cabeça do extremo do AC Milan.
Cristiano Ronaldo melhorou uma exibição que teve excessivos momentos de protestos com o árbitro com um golo de penálti. Azar de Kiwior, que tocou a bola com a mão dentro da grande área quando Dalot chegou ao último terço para ter alguma influência ofensiva. Bem melhor do que um remate a onze metros da baliza é um tiro a mais do dobro da distância e ao ângulo. Bruno Fernandes assinou por baixo do momento que rivaliza com o pontapé de bicicleta concretizado por Cristiano Ronaldo. Pelo meio, Pedro Neto também feriu a equipa liderada por Michal Probierz. A dor da Polónia foi ligeiramente diminuída com o remate de Marczuk que finalmente bateu Diogo Costa.
A entrada de Vitinha ao intervalo, para a vaga de João Neves, catalisou os processos de Portugal. Das suas pantufas saiu a responsabilidade do vendaval de golos da segunda parte. Ainda assim, fica a sensação de que, depois do último apito do árbitro, ainda se deviam jogar mais 45 minutos para compensar quem saiu lesado pela penúria do primeiro tempo. De qualquer modo, a seleção nacional, além do apuramento, conseguiu também desde já o primeiro lugar do grupo 1, graças à derrota da Croácia na Escócia. Portugal lá conseguiu tirar a espinha da garganta.