O futebol português que hoje conhecemos merece uma renovada reflexão, que considere o seu passado, mas sobretudo que projete o seu futuro. Uma reflexão assente nas realidades atuais ditadas pelo contexto nacional e internacional, e também pelo surgimento de novos e inspiradores protagonistas. Para ser séria e relevante, essa reflexão não pode ser complexa nem passar longe do conhecimento do cidadão comum que, não sendo parte da estrutura do futebol, é, porém, o responsável maior pela força adepta dos clubes, e pelas audiências que finalmente se traduzem também em meios financeiros indispensáveis.

No passado fim de semana, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional organizou uma grande cimeira de futebol nacional e internacional onde, quero crer, nada ficou por abordar no que toca às áreas que fazem a força, mas também a debilidade do futebol português na sua perspetiva de futuro. Longe vai o tempo em que o futebol se escondia e guardava para si os chamados “segredos do seu negócio”, afastando o grande público do conhecimento e da compreensão dos seus problemas. Ou seja, desvalorizando a importância da multidão de adeptos que, no mundo competitivo deste desporto dito rei, transformam os clubes portugueses em conhecidas e respeitadas entidades no plano europeu e mundial.

O futebol é feito pelos clubes. Os clubes são, por sua vez, o que resulta da coesão dos seus sócios e adeptos, e Portugal vive na singularidade, que penso ser rara, de mais de 90% dos seus cidadãos se confessarem apoiantes de apenas três clubes - Benfica, Porto e Sporting - como se a paleta de cores só pudesse comportar o vermelho, azul e verde.

Esta é, no entanto, a realidade, para o melhor e para o pior. Para alguns, isto significa a debilidade de um futebol desequilibrado e menos competitivo do que seria desejável. Verdade talvez difícil de aceitar, mas incontornável. Para outros, significa a garantia de sobrevivência na alta roda do futebol europeu de três clubes portugueses que, se não se assemelhassem a multinacionais, não teriam dimensão para tais palcos. Igualmente verdade, por muito que incómoda.

Às vezes, a euforia e a vaidade nacional transportam-nos para níveis que, sendo circunstanciais, não são sustentáveis. Se o nosso Ronaldo é o melhor do mundo, somos logo todos os melhores do mundo! Se a seleção nacional ganha o Europeu, somos logo obrigatoriamente imbatíveis! Parece que (sabendo que o não somos) adoramos dizer em alto e bom som que “somos os maiores” em matérias de desporto, para depois irmos dormir descansados e felizes, esquecendo temporariamente as dificuldades que vivemos a muitos outros níveis da nossa vida nacional. Não é atitude realista nem madura, faz pensar numa posição quase “terceiro-mundista” de um país que se apazigua com pequenas felicidades, face a uma realidade carente de orgulho nacional no dia-a-dia. Não sou nem tão pessimista quanto à nossa realidade, nem me deixo entusiasmar de forma a perdê-la de vista.

Sejamos francos: Portugal nunca conseguirá ser uma das grandes potências na economia do futebol europeu e mundial. Não porque não possa ter (e tem!) dos melhores jogadores, atletas, clubes e dirigentes, mas porque temos um mercado de escassos milhões de aficionados, quando comparados com os de dezenas de milhões nos países europeus de grande dimensão.

A força do futebol é a força dos clubes e das suas estruturas de direção. E, no mundo competitivo de hoje, os clubes têm vindo a percorrer um caminho muito próprio. Sabemos que a economia de um clube tem base nas receitas dos seus sócios, na venda de bilhetes, na publicidade e merchandising, nos direitos de TV, e também na venda de jogadores. Num país de pequena dimensão como o nosso, é apenas a componente “venda de jogadores” que se pode equiparar num contexto internacional além da nossa debilidade dimensional.

Por isso tem sido esse o caminho regularmente enveredado pelos clubes. E bem! De tal modo que a FIFA anuncia Portugal como a quarta Liga do mundo que mais receitas teve por venda de jogadores. O último saldo disponível do balanço vendas/compras coloca-nos em segundo lugar nas ligas europeias, com 245 milhões de euros de saldo positivo. Isto resulta do enorme esforço dos clubes num investimento em instalações e quadros técnicos, para a formação de jogadores jovens, nascidos ou não em Portugal.

Somos, de facto, um país formador em recursos humanos qualificados, e o sector do futebol será dos poucos que, formando esses jovens, os vê sair para o estrangeiro com benefício não apenas para eles próprios, mas também para a economia da entidade formadora e do país.

Se a sustentabilidade do futebol assentar grande parte neste caminho, e penso que é essa a tendência, é imprescindível que seja acompanhada de um reforço de transparência e de partilha de informação que fomente uma relação de confiança entre a sociedade e o futebol. É essencial que se afaste progressivamente a dúvida e a suspeição sobre os “negócios do futebol”, como aponta um estudo esta semana publicado.

Em 2010, acompanhei com a Associação Nacional dos Agentes de Futebol a tentativa de criação de uma estrutura que seria chamada de “casa das transferências”, na qual ficariam à disposição pública todas as contratações, custos, receitas e comissões. A iniciativa não conseguiu colher resultado, manteve-se a primazia da confidencialidade, com todos os seus problemas associados ao secretismo. Quinze anos depois, a indústria do futebol começa a dar sinais claros de que só pode crescer em credibilidade e sustentabilidade se se impuser, a si própria, claras regras de transparência e escrutínio público.

Nesta matéria não há, a meu ver, decisão política que vá obter bons e reais resultados se for imposta externamente. Mas acredito que será esta nova geração de dirigentes quem virá fazer a diferença para a dignificação e o assegurar do futuro do futebol enquanto operação desportiva, e também empresarial. Que melhor exemplo disso que o Portal da Transparência, aberto pelo Futebol Clube do Porto no seu site! Merece uma visita do adepto e do cidadão interessado, e merece que os demais clubes se lhe juntem para que, aqui também, em matérias de transparência, Portugal possa orgulhar-se de ir à frente, de ser campeão.