Notei que antes de nos sentarmos olhou para as três as taças da Liga juntas e fez um sorriso especial. Conte-me a razão desse sorriso.

— É um sorriso que traduz um sonho que estava muito longe do meu imaginário, muito longe. No dia em que aceitei vir para o Benfica tinha ilusões, como é evidente. Tinha muitos sonhos, mas achar que em quatro anos ia conquistar três ligas, para além de tudo mais, era algo que não estava no universo dos meus planos. Daí que olhar para elas e vê-las juntas significa quase mil treinos, largas dezenas de jogos, muitas horas aqui passadas, momentos de stress terríveis, bastantes alegrias, portanto, é um turbilhão de sentimentos que não é fácil explicar.

— O que é que fez a diferença na temporada passada para o Benfica ter recuperado o título?

— Para já trabalhar, ter uma boa equipa. Sem trabalho e uma boa equipa dificilmente se ganha. Mas, sobretudo acreditar que o processo tem vicissitudes de vários níveis e que acreditando no processo, estando atento aos sinais que ele nos vai dando, acreditar que seguindo essa linha e corrigindo aqui e ali, era possível chegar ao grande objetivo, que era a conquista do título.

As dúvidas estão lá e têm que existir a bem da mola para o trabalho do dia-a-dia. A dúvida no treinador, desde que seja algo construtivo, que está integrado no processo de análise ou autoanálise, é muito importante para que se dê o salto para outros planos qualitativos.

— Nesse processo, o começo do campeonato passado não foi fácil. Temeu que as coisas não corressem tão bem até ao fim?

— A dúvida faz parte. Costumamos dizer que nunca se tem dúvidas. Não é verdade, as dúvidas estão lá e têm que existir a bem da mola para o trabalho do dia-a-dia. A dúvida no treinador, desde que seja algo construtivo, que está integrado no processo de análise ou autoanálise, é muito importante para que se dê o salto para outros planos qualitativos. De facto o início começou de uma forma titubeante, com algumas derrotas e momentos menos bons, mesmo a nível de performance. Foi uma dúvida que depois fez mudar uma série de questões e arrepiar o caminho.

Temos, normalmente, uma preferência para jogadoras que já conheçam o nosso campeonato, que já cá estejam ou tenham estado.

— Três títulos em quatro épocas. O que é que procura numa equipa no início da temporada? 

— Várias coisas. O scouting tem muitas vertentes, mas, desde logo, encaixa numa ideia de jogo. E essa ideia de jogo não é estanque, também se vai adaptando. Mas, tendo em conta a filosofia que trazemos neste programa há vários anos, acho que a escolha das jogadoras tem um pouco a ver com isto. Depois existem vários itens no scouting. Desde logo, a perspetiva se conhecem ou não o Benfica, se têm alguma noção de qualidade ou não. Temos, normalmente, uma preferência para jogadoras que já conheçam o nosso campeonato, que já cá estejam ou tenham estado. Não é fácil porque o campeonato português é um periférico, de passagem para muitas basquetebolistas, portanto não é fácil manter os talentos que andam na nossa liga.

E depois, existem uma série de dados estatísticos que nos permitem tentar escolher o melhor possível. Há também o pormenor que, por vezes, escapa aos adeptos e às pessoas que seguem o basquetebol de uma maneira menos profissional, que é o facto da constituição do plantel depender muito se participamos em competições europeias ou só na Liga porque o tipo de jogadoras e a sua nacionalidade difere. Podemos ter um determinado setup para as competições nacionais, mas para as europeias não pode ser o mesmo. E isso também faz pesar na escolha.

Gosto de jogar um basquete mais rápido. Seja num momento ofensivo, defensivo ou nas transições. Aprecio e valorizo muito essa capacidade de atuar em menos tempo

— E qual é a sua ideia de jogo de basquetebol?

— Uma ideia assente em leituras, muitas leituras. Não gosto muito de comandar o jogo. Acho que tem de ser dado muito espaço à jogadora e à tal criatividade que é fundamental. Desde logo o apelo ao conceito, ao conhecimento do jogo, à tomada de decisão que tem muito a ver com algumas regras que tenho, mas depois fica dentro da esfera da decisão da atleta. Há ainda a capacidade de jogar em curtos períodos de tempo, ou seja, gosto de jogar um basquete mais rápido. Seja num momento ofensivo, defensivo ou nas transições. Aprecio e valorizo muito essa capacidade de atuar em menos tempo do que aquela que a posse de bola nos dá normalmente nos 24 segundos.

Por fim há ainda o lado aguerrido e o combativo. Quem me vê em campo — fora das quatro linhas até sou bastante sossegado —, mas confesso que dentro do jogo sou bastante expressivo e intenso. Por isso, naturalmente vou à procura das jogadoras que caiam um pouco nesta ideia, tenham esse sangue e capacidade de vibrar com as coisas. É difícil colocar numa frase ou num parágrafo, mas é mais ou menos esta a matriz que procuro.

Foi, talvez, das sensações mais intensas que vivi até hoje. Ainda me custa um pouco falar sem o lado emotivo

— Como é que qualificaria cada um daqueles títulos?

— O primeiro [2020/21] foi bastante inesperado, até fruto das vicissitudes que sofremos ao longo da época. Só tínhamos duas estrangeiras, uma lesionou-se na meia-final, portanto, na altura, para sobreviver nessa mesma semifinal, tivemos de ir à negra, e depois ir vencer a casa do adversário só com uma estrangeira. Foi inesperado. Foi, talvez, das sensações mais intensas que vivi até hoje. Ainda me custa um pouco falar sem o lado emotivo — estou a dar aqui um bocadinho a minha análise —, mas foi de facto, quer a taça como o campeonato, algo que não esquecerei tão cedo.

O segundo [2021/22] foi um ano de afirmação. Conseguimos trabalhar sobre uma base sólida que tínhamos da época anterior. Acrescentámos qualidade, trouxemos também mais jogadoras estrangeiras e alguma experiência a nível nacional.

O segundo [2021/22] foi um ano de afirmação. Conseguimos trabalhar sobre uma base sólida que tínhamos da época anterior. Acrescentámos qualidade, trouxemos também mais jogadoras estrangeiras e alguma experiência a nível nacional. Limpámos todas as competições em Portugal. Não foi a mais fácil, mas talvez tenha sido aquela que foi mais previsível. Esta última [2023/24], foi a mais difícil. Já ando nesta vida há 38 anos e a época passada foi realmente muito dura em diversos aspetos. Um ano de reconstrução sobre reconstrução. Tivemos, por razões várias, de reconstruir a equipa para a época, e depois, com lesões, os ajustes no plantel que toda a gente faz, foi necessário reorganizar tudo novamente. A particularidade como se desenvolveram as meias-finais e finais foi o título, o que ele representa, um dos feitos mais difíceis em que estive envolvido nestas já quase quatro décadas que levo no basquetebol.

— Comum aos três títulos: a final do play-off foi sempre contra o União Sportiva e acabou por 2-1. Ainda está à espera de um 2-0?

— [risos] Não, o Sportiva é, nesta altura, um dos grandes do basquetebol português. Trata-se de um clube que tem dinamizado e investido bastante o basquete feminino. É um adversário de muitíssimo respeito e na fase regular ostentou uma supremacia que ninguém conseguiu igualar ou chegar ao pé. Calhou ser o adversário com quem ganhámos sempre. Preferia ter tido mais um diferente pelo meio [perderam com o GDESSA Barreiro em 2022/23], mas vai continuar a ser, por certo, um opositor com quem voltaremos a ter muitos embates. Não tenho dúvidas disso.