O som começou a ouvir-se no começo da segunda parte do dérbi de Madrid, entre Atlético e Real, a contar para a 8.ª ronda da La Liga. Vindo da zona da Frente Atlético, claque organizada dos colchoneros, um cântico desejava, em uníssono, a morte de Thibaut Courtois, o guarda-redes dos blancos que, entre 2011 e 2014, representou o outro grande emblema da capital de Espanha.

Pouco depois de se escutar o cântico, Éder Militão fez o 1-0 para a equipa visitante. Courtois, cuja morte fora desejada instantes antes, cometeu o delito de festejar de forma que, para a mesma Frente Atlético, foi considerada provocatória. E, aí, começou a chuva que levou à suspensão do dérbi.

Os isqueiros começaram a voar na direção do guardião belga. Busquets Ferrer, o árbitro da partida, solicitou que, através do sistema de megafones do Metropolitano, se pedisse que o lançamento terminasse. Não resultou.

Courtois continuou a recolher isqueiros. O aviso repetiu-se. E, assim, Busquets Ferrer, seguindo o protocolo redigido para este tipo de situações, suspendeu o jogo.

Florencia Tan Jun

O desafio esteve parado durante mais de 20 minutos. Ambas as equipas recolheram aos balneários, enquanto Koke e Giménez, capitães do Atlético, tentavam falar com elementos da claque do clube, em apelos à calma também feitos por Diego Pablo Simeone, técnico dos colchoneros desde 2011.

A cena foi pouco digna de um duelo entre duas das principais equipas europeias: jogadores aproximando-se das bancadas, falando com gente encapuzada, tratando de sensibilizar quem, claramente, não estava muito receptiva à mensagem que vinha do relvado.

Com um ambiente estranho, de conflito e incómodo geral, o dérbi retomou. Aos 95', Ángel Correa ainda empataria o marcador, fazendo o 1-1 final, aos 99', numa partida que parecia destinada a não terminar, Marcos Llorente — outro protagonista de destinos cruzados, ex-Real que joga pelo Atlético —, ainda seria expulso com vermelho direto.

O “El País” chamou ao encontro o “dérbi da vergonha”. Na “Marca”, no “AS”, no “El Mundo” ou no “Relevo” o tom para descrever o sucedido não muda muito: um “Vietname”, “ridículo”, “caos”, “escândalo” ou “dia mau para o Atlético de Madrid e para o futebol espanhol” são algumas das expressões utilizadas para qualificar a noite do Metropolitano.

O sucedido chamou, novamente, a atenção para a difícil relação do futebol espanhol com alguns elementos mais violentos que povoam parte das bancadas. Ainda há dias foram os jogadores do Athletic a enfrentarem os seus próprios adeptos, alertando-os para o mau comportamento em Roma, e a Frente Atlético não tem um historial propriamente limpo, desde cânticos racistas — nomeadamente contra Vinícius Junior — até casos como o da morte de um adepto do Deportivo da Corunha, em 2014.

Também tendo em conta este passado, entende-se melhor a reação da maioria do Metropolitano no final do dérbi. Quando os jogadores do Atlético se deslocaram ao topo onde está a claque, aplaudindo-a, a maior parte dos restantes adeptos assobiou, criticando aquele gesto.

O cúmulo de uma noite em que a bola a rolar quase pareceu o secundário, o pico de um jogo em que o foco esteve mais no que deveria ser acessório, deu-se com as declarações do capitão e do técnico do Atlético de Madrid.

Após o apito final, Koke atirou, à “DAZN”, que os “jogadores têm de ser mais inteligentes”, colocando a tónica não nos cânticos ou no lançamento de objetos, mas sim na alegada provocação feita por Courtois.

Mais contundente foi Diego Simeone. El Cholo pediu “cuidado” em relação a “quem se faz de vítima”, acusando Courtois de “provocar”. “Nõs não ajudamos quando provocamos as pessoas, que depois se chateiam. Podes celebrar, mas não na direção das bancadas”, opinou o argentino, que considerou que o belga deveria ser castigado: “É preciso sancionar quem provoca” ”