André Villas-Boas marcou esta terça-feira presença na 18.ª Conferência do Conselho de Ministros do Desporto, na Alfândega do Porto, onde discursou sobre vários assuntos e explicou, entre outros, a criação do portal de transparência do FC Porto, além de ter abordado o 'rapto' de Cardoso Varela, jovem de 15 anos que foi formado pelos dragões e cuja mudança para o NK Dinamo Odranski Obrez, da Croácia, ficou marcada por muita polémica. Não só isso, o presidente dos azuis e brancos condenou os "atos bárbaros de violência, discriminação e corrupção ativa e passiva no desporto português".

Leia o discurso de André Villas-Boas na íntegra:

"O FC Porto é um clube eclético, com várias modalidades, que diariamente movimenta milhares de atletas e estamos cientes que esta é a celebração de uma Convenção viva, que tem feito o seu caminho ao longo de 10 anos e cada vez mais países e agentes do desporto se congregam à sua volta e nela se orientam de forma a melhor servir a sociedade reconhecendo a prática do desporto como um bem fundamental da nossa vida.

Depois de ter sido atleta, formador, treinador, sempre me interessei pelo Desporto como um todo, como uma das mais completas e belas construções humanas, capaz de unir através de uma linguagem universal, de ultrapassar obstáculos entre e comunidades, de educar e formar, de incluir, capaz de levar o individuo à superação fruto do seu trabalho, do trabalho do grupo. Mas, há sempre um reverso da medalha, por isso o desporto tem que ser pensado, discutido porque não pode perder a sua capacidade de ser uma das raízes-força de evolução do individuo e das sociedades. No dia em que os ataques à sua integridade se impuserem massivamente e o desporto passar a andar a reboque e não a liderar, as sociedades perderão uma das suas maiores e mais universais referências.

O FC Porto, tal como hoje, estará no centro dessas discussões críticas que marcarão o futuro. Seremos um ator ativo, não nos demitiremos nunca da nossa responsabilidade.

Utilizaria aqui 3 exemplos:

- O portal da transparência que lançamos resulta de um compromisso que assumimos com os nossos sócios e com o mundo do desporto. O Futebol Clube do Porto tornou pública toda a informação relevante sobre matérias institucionais, organizacionais, económico-financeiras, de planeamento e contratuais. Em conformidade com os mais elevados padrões internacionais de transparência e acesso à informação, prestamos contas. Tornamos transparente todas as formas e proveniências de financiamento, a rastreabilidade das transferências de atletas e a natureza dos contratos: um tampão a qualquer operação que favoreça a criação de terreno fértil à corrupção ou até, no limite, ao tráfico humano. A própria UEFA elogiou publicamente este passo que demos em nome da integridade e que esperamos se torne uma regra. Descrição e secretismo no decorrer de negócios não tem de terminar em opacidade.

- o segundo exemplo que gostaria de partilhar é sobre um caso de um jovem, de 15 anos, português, de origem africana, que estava a ser formado no FCPorto, vítima de um processo nebuloso que tem que ter um epilogo que sirva de desincentivo ao crime. Próximo de poder assinar o seu contrato profissional, caiu nas malhas de supostos agentes, que aproveitando a debilidade financeira da família, o desviaram, obrigando-o a fugir do clube que garantia a sua integridade, a troco de uma quantia monetária não compensatória e uma vinculação a uma contratualização leonina que hipoteca o seu futuro desportivo e o seu desenvolvimento humano. O FC Porto assegurava a este jovem formação desportiva e formação escolar, suporte social e psicológico e, sempre em contacto direto com a família, de forma a garantir o seu desenvolvimento como um todo. Quase foi inscrito num clube de uma liga que se escuda num «buraco» legislativo e regulamentar que viola os direitos básicos de integridade. Ali seria sempre e apenas um bem transacionável. Poderíamos ter optado pela via mais fácil. Entrar num leilão desumano, em que os maiores beneficiários seriam agentes que ignoram a vertente humanista do Desporto e clubes que não cuidam verdadeiramente dos seus atletas. Pelo contrário, investimos os nossos esforços na recuperação do jovem, envolvemos as autoridades policiais e jurídicas nacionais e internacionais, promovemos processo junto das instâncias reguladoras, como as instâncias da FIFA. A razão está do nosso lado e esperamos que este caso seja um dos últimos em que jovens jogadores não são protegidos de interesses obscuros. Queremos dar o nosso exemplo, para que os jovens, as suas famílias, os seus clubes não sejam passivos e envolvam as autoridades e, em caso de necessidade recorram às instâncias jurídicas, para que a impunidade e o esquecimento não traiam os ideais do Desporto.

- Por último e tocando no ponto do ataque à integridade das competições desportivas e à sua manipulação, uma declaração é obrigatória: O FC Porto só se relaciona com operadores autorizados e reconhecidos legalmente que atuem na área das apostas desportivas. É suficiente? É o mínimo, o que para nós é pouco. Queremos fazer mais. Ir às raízes, educar. De há vários anos até hoje, já realizamos vários programas de formação juntos dos jovens atletas, para que estejam conscientes de todas ameaças que circundam o mundo do futebol e adquiram ferramentas para se protegerem a si e ao Futebol.

Promovemos regularmente ações de Formação em Match Fixing, sobre as leis do jogo e educação para os Direitos Humanos; Ética Desportiva, para os Pais/ Encarregados de Educação; formação sobre psicologia e sustentabilidade para os treinadores; e muito importante, formação para os jovens atletas sobre Redes Sociais e a sua Gestão, esta que é a porta de entrada de muitas ameaças.

A integridade do desporto começa no individuo, enquanto criança em formação, mas exposta ao mundo. O caminho da formação é aquele em que mais investimos.

Por fim dizer-vos que não viraremos a cara à denúncia, à cooperação ativa com as autoridades e as instâncias judiciais. Assim o temos feito diariamente. Queremos e desejamos que muitas das entidades nacionais governamentais e as instituições ligadas ao desporto invistam cada vez mais na auto-regulação, na execução da lei mas também sejam capazes de passar da omissão e da passividade para a condenação pública e judicial cada que vez que estivermos perante atos bárbaros de violência, discriminação e corrupção ativa e passiva no desporto português.

Esses são os tempos que não queremos de volta ao futebol português e onde os seus verdadeiros adeptos não se reconhecem. Hoje urge a ação e não o silêncio. Muito respeitamos o trabalho que nos trouxe até aqui e estamos carregados de expectativas. O "terreno" precisa de mais apoio, de ver consequências reais e efectivas, de ter razões palpáveis para dizer de peito aberto que no Desporto, efectivamente, o crime não é compensador".