O investimento chinês no futebol luso é uma realidade bem vincada dos últimos anos, mais pelos ecos do Oriental Dragon a competir nas divisões inferiores que pela proveniência do patrocinador da Segunda Liga. A Ledman assinava em 2016 um contrato até 2019 com valores mais relevantes que nos 15 anos anteriores; Pedro Proença, fechando-se em copas quanto às condições, dizia apenas que, seis meses antes, quando assumira o cargo, a “insolvência” da competição era uma hipótese real.

Luis Aguilar, num artigo replicado tanto pelo Sindicato dos Jogadores como pelo canal americano da Chinese Global Television Network, desvendava o mistério: além dum valor a rondar os 4 milhões/ano, dez jogadores chineses eram transferidos em todas as pré-épocas para clubes da competição, que servia como laboratório de desenvolvimento.

A complexa rede de investimento chinês merece a mais cuidadosa das reportagens, que naturalmente não será este artigo, e mencionamos os detalhes da última grande entrada de capital asiático no futebol nacional apenas para sublinhar o nome da mastermind por trás da coisa.

Chama-se Qi Cheng o homem forte responsável por desenvolver o futebol chinês com a ajuda do know-how português – foi ele o principal intermediário, enquanto personificação da WSports Seven, na criação do Oriental Dragon ou da Football Stars League. A toca de coelho tem quilómetros, e teremos de recuar a 2006 para o ver pela primeira vez a agir em Portugal.

Yu Dabao era a coqueluche do futebol chinês: tinha-se estreado com 17 anos na segunda divisão e apresentava características físicas impensáveis para o fenótipo chinês futebolístico, porque ao contrário do pequenino-rápido-incansável que nos habituámos a associar, num tique preconceituoso, ao jogador do sudeste asiático, ele parecia Hércules, mais europeu na altura (183 centímetros), na velocidade e na técnica.

Fez miséria no Campeonato continental de selecções sub-17 e chamou prontamente á atenção dos olheiros europeus. Falou-se em Newcastle, Ajax e outros dessa laia. Só que Qi Cheng e Jorge Mendes conheceram-se por alguma razão e a coisa proporcionou-se – Yu Dabao chegava em meados de 2006 à experiência e voltaria em definitivo em 2007. «É uma aposta clara de futuro» dizia António Carraça, à época director do novíssimo Seixal, na apresentação do ‘Grande Tesouro’, tradução literal de Yu Dabao e que permitia a liberdade criativa ao director. «Encontrámos aqui uma joia, ainda mais sendo o primeiro chinês do futebol português e o primeiro jogador asiático no Benfica.»

Na altura, justificava-se a relação Lisboa-Pequim com uma suposta viagem de Luís Filipe Vieira à China – por isso, para o negócio «pesou o relacionamento privilegiado que o Benfica desenvolveu com dirigentes chineses», nas palavras do mesmo interveniente.

Yu Dabao marcaria um hattrick na estreia, num 8-0 ao Portimonense pelos Juniores. Era adicionado a uma grande geração, que no lançamento do Caixa Futebol Campus era vista como protagonista das ambições da Selecção para o pós-Geração de Ouro: havia André Carvalhas, Miguel Rosa, Leandro Pimenta, Miguel Vítor ou Rúben Lima, tudo gente que faria depois apenas longo trajecto pelas ligas profissionais, sem o nível internacional previsto.

Um pouco antes de Yu Dabao, já estes tinham visto ser introduzido nas sessões de treino um talento exótico, das longitudes pouco vistas por cá e que dava pelo nome de Kaz Patafta, capitão da Austrália sub-20 no Mundial de 2005 (que daria a conhecer ao mundo alguém chamado Messi) – Patafta reconheceria, muitos anos mais tarde, que a adaptação à Europa não foi fácil.

Numa entrevista ao Stats Perform e reproduzida pelo Zerozero em 2023, num artigo assinado por Diogo Matos, Patafta explicava os contornos da mudança: «Quando cheguei a Portugal disseram-me que o meu trajeto seria idêntico ao do Anderson [antigo jogador de FC Porto e Manchester United]. Basicamente fui informado onde iria parar e, ao mesmo tempo, qual seria o destino do Anderson. Um de nós acabou onde era suposto. Já é passado, por isso posso revelar: as conversações eram para uma transferência para o Chelsea». O intermediário da sua transferência para o Benfica foi, obviamente, a Gestifute.

Patafta não teria sucesso, voltando à Austrália dois anos depois. Yu Dabao durou mais um bocadinho, ainda se estreou pelos séniores, fez parte do plantel 2007-08, chegou a marcar ao Nacional, aprendeu com Nuno Gomes ou Rui Costa. Depois os empréstimos: Desportivo das Aves, Olivais e Moscavide, Mafra.

Falhou em todos e em 2009 voltava à China, com total aprovação do Benfica em encontrar uma nova experiência, de preferência com vínculo definitivo. Tentaria a MLS e nada, que em Dallas não se convenceram. Por isso regresso a casa, onde construiu carreira de respeito na Superliga e na Selecção, onde foi um respeitado capitão e grande bandeira do talento no país.

O grande momento da sua carreira? Estávamos em 2018, já a procissão ia no adro em questões de campeonato, o Beijing Guoan lutava na Superliga pelos lugares de acesso à Champions. Porém, tinha acabado de perder em casa do segundo classificado, o Guangzhou Evergrande. Alguma coisa tinha de mudar. Era a segunda derrota nos últimos cinco jogos duma equipa que apenas perdera na estreia, seis meses antes.

Yu Dabao estava tapado por Soriano, Bakambu ou Jonathan Viera. Na preparação da 23.ª jornada, na ressaca da derrota que impediu o assalto ao pódio, Yu Dabao é chamado ao gabinete do treinador. As experiências de transformação do artilheiro em defesa-central tinham decorrido nas semanas anteriores e os resultados tinham sido satisfatórios, pelos vistos. Sentia-se orgulho no inglês carregado do treinador quando este o informou de que seria titular no fim-de-semana.

Não mais sairia do onze inicial, mesmo apesar desse jogo ter corrido pessimamente, com nova derrota e expulsão por duplo amarelo. Yu Dabao capitanearia a equipa rumo ao 4.º lugar final, cumprindo o objectivo continental, foi ele o responsável pela marcação implacável a Graziano Pellè na final da Taça, que permitiu ao Guoan a conquista do troféu. O orgulho nas palavras tornavam-se num enorme sorriso; e o inglês carregado entoava aos microfones da comunicação social um inconfundível “top game, top perfomance”. Era o auge da aventura asiática de Roger Schmidt.