Como podem as empresas ajudar a educar os jovens para o futuro? Que caminhos podem ser seguidos para estimular os mais novos e criar neles um ADN inovador e garantir que os mais velhos não ficam cristalizados em funções ultrapassadas? Na segunda conversa improvável da série Beyond Profit Talks, promovida pela Fundação Santander Portugal, dois convidados de luxo deixam pistas e ideias muito concretas sobre o caminho que a Educação em Portugal tem de seguir para recuperar o elevador social e verdadeiramente impulsionar o país. Conduzidos pelo maestro Martim Sousa Tavares, a CEO da Sonae, Cláudia Azevedo, e o secretário de Estado da Administração e Inovação Educativa, Pedro Dantas da Cunha, falam em PPP alargadas, debruçam-se sobre as vantagens de currículos escolares sem amarras e apontam ambos a necessidade de ensinar os miúdos a serem curiosos e procurarem as suas próprias respostas.
Mas não é apenas entre os jovens e as crianças que faz falta a educação com esta vertente de inovação. Num panorama em que a maioria das pessoas vai ter de reaprender ou mesmo começar do zero, em que já não existem profissões para a vida, Cláudia Azevedo vinca a importância da formação nas empresas. "Hoje, as competências duram uns quatro anos e na Sonae temos noção disso. A educação é um pilar fundamental para nós, até porque o meu pai sempre foi adepto desse elevador social, vendo nele a forma de Portugal se tornar resiliente e competitivo. Estamos todos a investir em Inteligência Artificial, mas e as pessoas? As pessoas são o elemento essencial", frisa a empresária.
Prematuramente consciente da necessidade de atualizar as pessoas da sua organização com regularidade e atenta às necessidades concretas de reskilling e upskilling, a Sonae foi pioneira nessa luta, candidatando-se a ser empresa-piloto da European Roundtable na construção de uma visão para a Europa em que as competências surgiam como ferramenta essencial. Ombreando com Espanha e Suécia nesse piloto, assumiu a missão de identificar as pessoas adequadas a receber formação e a área de aposta para elas, desenhando então um programa à medida, com ligação ao IEFP e a noção de que, no final, essas pessoas teriam de estar preparadas para novas funções, que fossem úteis à firma mas também apreciadas pessoalmente. E correu tão bem que não apenas a Sonae se tornou num case study europeu como da mão de Cláudia Azevedo se formou aqui a Associação Business Roundtable Portugal, com forte vocação para a aprendizagem das pessoas nas áreas identificadas como necessárias pelas empresas que a compõem.
"Agora é preciso ganhar escala. E para isso fizemos, com a Telefónica, uma plataforma digital em que qualquer pessoa pode fazer upload do seu CV e lhe indica que cursos devia fazer de acordo com o que as empresas precisam na sua área de skills", explica Cláudia Azevedo. "É preciso muito investimento no reskilling. Já não há empregos para a vida, hoje é preciso formação para a vida."
Reeducar os professores para ensinar a aprender
E do lado das políticas públicas, em particular no sistema que dá as bases aos mais novos, o que está em ação? Se é preciso mudar a forma como se aprende, isso não passa também por fazer um reskilling aos professores? Para Pedro Dantas da Cunha, não há dúvidas:" O perfil de quem trabalha em educação tem de estar ajustado ao que queremos da educação. Se queremos que a educação seja servida durante 12 anos a jovens sentados e calados, se o objetivo é que se mantenha ou até agrave as desigualdades sociais, se queremos formar quem só execute, se o objetivo é selecionar quem aprende porque tem imenso apoio e uma rede em condições e separar esses dos que não têm nada e ficam para trás, se o que queremos é selecionar quem consegue memorizar para testes e imediatamente a seguir esquecer tudo. então não se muda nada. Mas é isso que queremos? O que irá essa pessoa saber? Em que é especial e como vai inovar e melhorar a minha empresa?"
A realidade que apresenta é precisamente a que o secretário de Estado quer mudar. "O nosso sistema está preparado para segregar e segregar com uma régua que não serve as necessidades da sociedade. Portanto, se quisermos preparar pessoas para trabalhar em equipa, para resolver problemas colaborativamente, para terem ambição, para abraçar a complexidade e o desconhecido, sem recear a incerteza, para pensar por si, temos de mudar." Isto não significa que se deixe de ensinar os troncos comuns, as disciplinas nucleares, mas que se faça isso de forma a que sejam os miúdos a procurar chegar às suas próprias respostas, mostrando-lhes depois o que foram as respostas dadas ao longo do tempo (na História, na Filosofia, que não perdem valor). Provocar a inquietação e a reflexão, o raciocínio e a inovação, ao lado dos conhecimentos fundamentais tradicionais.
"Se aos 3 anos é importante que os miúdos conheçam as profissões, aos 16 devem saber o que existe à sua volta. Não há bons cidadãos se não forem conscientes de si e do meio que os rodeia. Ser humanista é essencial, para saber o que tenho à volta, tenho de reconhecer a minha realidade, mas também o país, a Europa, o mundo. E o mercado de trabalho não fica do lado de cá do muro da minha aldeia. Por isso temos de expor os alunos a tudo isso." Na opinião de Pedro Dantas da Cunha, é essa a melhor forma de ensinar a incerteza: abrir os olhos aos miúdos e fazê-los procurar respostas por si. Como se ensina o incerteza nas escolas? "Há uma máxima que diz que não responder às perguntas dos miúdos é a melhor técnica pedagógica; devemos antes ensinar e criar condições para que eles próprios criem ou descubram a resposta. Quanto mais certezas lhes dermos, pior serviço lhes prestamos."
Para o secretário de Estado, a mudança é essencial e é por isso que já se fazem testes nas escolas. Como um projeto que vai ser alargado a mais escolas mas já corre em sete secundárias, que junta uma oferta de secundário com ingredientes essenciais do ensino profissional. "Porque é que um aluno que se especializa em Música não pode prosseguir os estudos numa área generalista ou noutra especialidade? Ou alguém que segue Gestão, mudar para Música? É essa limitação que queremos apagar e já começámos a 'perverter' o sistema, de forma a dar-lhe mais ambição, mais liberdade e mais equidade", explica Pedro Dantas da Cunha. "Convidámos as escolas a baralhar o jogo e dar da maneira que acham melhor, permitindo por exemplo que os alunos possam escolher as disciplinas livremente, desde que façam as cadeiras essenciais."
Outro projeto em curso passa pela introdução de uma prova de aptidão profissional no final do secundário: "Os alunos do Efanor, logo no 10.º ano, têm de identificar um problema de qualquer natureza (ambiental, social, empresarial...) e levam um ano a estudá-lo; no 11.º constroem e implementam a sua solução e no 12.º apresentam os resultados e são avaliados por um painel externo e exigente. Isto já está a acontecer." Como também já está em aplicação a cadeira de Literacias, que se espraia por conceitos financeiros (de que servem os impostos, como fazer o IRS...), dos dados (com estatística e data, de forma aprendam a identificar a credibilidade do que veem nas plataformas digitais) e jurídica (como se faz um contrato de trabalho, de arrendamento...). "É a forma de introduzimos estes temas em cima do conhecimento tradicional clássico. Eu não sou dado a revoluções, gosto mais de evoluções, e creio que temos de preservar o que garantiu o fim do analfabetismo e acrescentar em cima", conclui o governante.
Aprender a aprender durante a vida toda
E como podem as escolas também incutir esta necessidade de continuar a estudar ao longo da vida? O governante recorre a uma projeção da Comunidade Europeia que aponta que os jovens hoje no secundário terão em média 11 ocupações diferentes ao longo da vida. "Já não há carreiras lineares, mas se olharmos para a nossa geração, se calhar até dentro da mesma empresa já nos comportávamos assim, já assumimos vários desafios e tarefas e papéis distintos. A incerteza é associada a mudar de empregador, mas não o é necessariamente. Mas assumir funções diferentes exige não só aprender como desaprender. É preciso ensinar que o conhecimento verdadeiro é temporário (e a História e a Filosofia mostram-nos bem isso, uma verdade só o é num dado momento). O conhecimento evolui e nós temos de evoluir com ele."
Mas não será um esforço demasiado grande reeducar quem está há 20 anos na empresa? Não seria mais simples refrescar as equipas com quem já aprendeu de forma diferente? Para Cláudia Azevedo, é uma questão de responsabilidade social. A empresa também é responsável por manter os seus atualizados e ajudá-los a progredir na carreira e na sociedade e tem vantagem nisso, sobretudo numa Europa e num país a envelhecer rapidamente. Mas ponha-se o ênfase no "também". As empresas têm essa responsabilidade, mas não é apenas sua, porque é este o único caminho para um país mais próspero, resistente e competitivo.
É preciso ir sempre formando, mas quem paga as novas competências? "O modelo de financiamento da educação tem de mudar", defende a CEO da Sonae, lembrando que uma pessoa de 50 anos não chegou ainda à meia idade e deve passar vários ciclos de formação. "E é uma maravilha, uma oportunidade, saber que se terá oportunidade de aprender sempre coisas novas. Agora, o financiamento não pode vir só de um lado, tem de ser de todos: empresa, pessoa e Estado."
O que diria Cláudia Azevedo a um CEO de uma PME para o convencer que deve gastar tempo e dinheiro em formação? "Que se ele não investir em educação, não terá retorno." Mas também há um pedido dirigido a quem tem algo a dizer sobre a construção da educação: "Pediria ao Pedro Dantas da Cunha que aposte em formar pessoas curiosas e capazes de trabalhar em equipa." E todos ganhamos com isso.