Pedro Chagas Freitas continua a viver um período conturbado, derivado da doença do filho Benjamim. Numa nova publicação, o autor português decidiu recordar o pai e lamentar o facto dele lá não estar para o apoiar neste momento difícil.
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Ora, veja aqui mais um testemunho:
O espectáculo disto tudo não está na velocidade; está na dificuldade.”
Foi assim que o meu pai me explicou, teria eu uns seis anos, a magia dos ralis, algo tão básico como ver carros a passar. Eu pensava que a arte estava no que andava mais depressa. Ele explicou-me que não. Explicou-me que o grande piloto é o que supera a grande dificuldade. Era o que o fascinava: perceber a maneira como cada um conduzia, onde mudava de velocidade, onde travava, que trajectória fazia, para onde virava o volante. Ia para os locais mais estranhos, para onde ninguém ia, fazia quilómetros a pé para encontrar o melhor lugar para apreciar o espectáculo que só ele conseguia ver. No fundo, queria perceber como cada um lidava com as dificuldades que iam aparecendo. A vida é também assim, sei-o agora, meu pai (que merda não estares aqui para te explicar isso, para te confessar isso). Na vida, como nos ralis, o mestre não é o que sabe mais. Saber mais é fácil: há livros, há informação. Só não sabe mais quem não quer saber mais. O mestre não é o que sabe mais. O mestre é o que vem de mais fundo, da maior dificuldade, o que conheceu caminhos com pedras, calhaus, lama, gelo, furos nos pneus, falhas nos travões. Estou num desses caminhos, pai. E que caminho. Que labirinto. Cada dia é uma encruzilhada nova. Não há meio de haver uma saída, não há um laivo de esperança de que esteja para breve o que todos queremos. Há possibilidades, há tentativas. Eu sei que a vida às vezes é uma besta, não precisava era de me dar tantas provas disso. Se estivesses aqui, meu pai, abraçava-te como podia (nem podemos abraçar com tanto medo de que qualquer contacto seja perigoso, e é, temos de proteger o teu neto: máscaras, distâncias, o que for preciso); dizia-te, meu pai, que se estivesses aqui te dava o abraço que pudesse dar, depois dizia-te que tinhas razão: o mestre está na dificuldade, é de lá que ele sai. Mas caramba: quando é que o teu Benjamim sai de lá?