Depois da operação do filho Benjamim e de ter revelado que este está contaminado com um vírus, Pedro Chagas Freitas oferece mais um testemunho aos seus seguidores:
–Pai, sabes qual é a parte mais gira da montanha russa?
– Qual?
– Quando pára.A nossa não há maneira de parar, raios. 63 dias aqui fechados, entre corredores, exames e cirurgias. Vivi e morri. A vida vale pelas mortes que nos vai dando — e pela quantidade de ressurreições que isso nos traz. Quanto mais nos vão matando, mais vivos vamos ficando, num processo que tem pouco de lógica e muito de amor. O que nos sustém é o que não vem nos livros de medicina, só nos de poesia. Visitei a biblioteca dos profissionais daqui do Hospital e não vi lá um livro de poesia, e ainda se consideram eles médicos. Não há médicos sem poemas, como não há empreiteiros sem poemas, como não há professores sem poemas, como não há vendedores sem poemas.
Somos o verso que fazemos no meio de uma frase cheio de erros.
A vida é uma frase mal escrita, mal pensada, mal planeada. Só um poeta consegue ver nela algo mais do que uma amálgama de palavras sem sentido. O que dá sentido à vida é aquilo que vemos nela, nunca o que ela é. A vida não é muito recomendável. Há dor, há perdas, há sofrimento, há medo, há angústia, há uma quantidade interminável de merdas que só servem para dar cabo de nós. Raramente as coisas boas cobrem as outras. O que cobre as outras, o que nos faz superar as outras, é o que construímos com elas. Quando o meu filho estava a ser transplantado, estive 13 horas à espera de notícias, num sofrimento que não seria, nem serei, capaz de definir. Nessas 13 horas, poderia estar ali, só a sofrer, mas aproveitei para amar. Amei o meu filho, desde logo. Passei aquelas horas a amá-lo, a vê-lo em imagens, em vídeos, a querer cada vez mais ser o pai dele. Amei, também, a maneira como a minha mulher e eu andámos pelo meio desse momento: ficámos mais profundamente apaixonados um pelo outro, mais capazes de saber quais os limites de um, quais os limites de outro. A vida é saber qual é o nosso limite, e obviamente, e regularmente, ultrapassá-lo. Tu, meu filho, ultrapassas os teus todos os dias. Já não falta muito para festejares. Eu acredito. Tu também?