Um estudo pioneiro revela que a exposição a partículas finas mesmo antes da recolha de ovócitos para uma fertilização in vitro reduz as hipóteses de um nascimento vivo em quase 40%.

As conclusões deste estudo foram apresentadas no encontro anual da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia que decorreu em Amsterdão a 15 e 16 de julho e publicadas na revista Human Reproduction, uma das principais publicações de medicina reprodutiva do mundo.

O estudo analisou a exposição à poluição atmosférica - a PM10 partículas em suspensão) nas duas semanas que antecederam a recolha de ovócitos e concluiu que as hipóteses de um nado vivo diminuíram 38% ao comparar o quartil mais alto de exposição ( 18,63 a 35,42 µg/m3) até o quartil mais baixo (7,08 a 12,92 µg/m3).

Investigação durante 8 anos

Realizada durante um período de oito anos em Perth, na Austrália, a investigação analisou 3.659 transferências de embriões congelados de 1.836 pacientes. A idade média das mulheres foi de 34,5 anos no momento da recolha do ovócito e 36,1 anos no momento da transferência dos embriões.

O estudo examinou as concentrações de poluentes atmosféricos durante quatro períodos de antes da recolha dos ovócitos (24 horas, 2 semanas, 4 semanas e 3 meses).

“Este é o primeiro estudo que utilizou ciclos de transferência de embriões congelados para analisar separadamente os efeitos da exposição a poluentes durante o desenvolvimento dos óvulos e na época da transferência de embriões e início da gravidez. Conseguimos por isso avaliar se a poluição estava a afetar os próprios óvulos ou os primeiros estágios da gravidez", explicou o principal autor do estudo Sebastian Leathersich .
“Os nossos resultados revelam uma associação linear negativa entre a exposição a partículas durante as 2 semanas e 3 meses antes da recolha de ovócitos e as taxas subsequentes de nados vivos desses ovócitos. Esta associação é independente da qualidade do ar no momento da transferência de embriões congelados. Estas conclusões mostram que a poluição afeta negativamente a qualidade dos óvulos, e não apenas os primeiros estágios da gravidez, uma distinção que ainda não tinha sido feita".

O aumento da exposição ao PM2.5 nos 3 meses anteriores à recolha do ovócito também foi associado à diminuição das hipóteses de nascimento vivo, caindo de 0,90 (IC 95% 0,70-1,15) no segundo quartil para 0,66 (IC 95% 0,47-0,92) no segundo quartil.

Os autores do estudo salientam que "o impacto negativo da poluição atmosférica foi observado apesar da excelente qualidade geral do ar durante o período do estudo, com os níveis de PM10 e PM2,5 excedendo as diretrizes da OMS em apenas 0,4% e 4,5% dos dias de estudo, respetivamente".

Ar poluído é uma das maiores ameaças para a saúde

A poluição do ar ambiente (exterior) é um dos maiores riscos ambientais para a saúde e estima-se que cause mais de 4 milhões de mortes prematuras por ano em todo o mundo.

A exposição a partículas finas está associada a uma série de doenças, incluindo doenças cardiovasculares e respiratórias.

Em 2021, 97% da população urbana da UE esteve exposta a concentrações de PM2.5 acima das diretrizes da OMS (5 µg (micrograma) /m3).

Embora os dados epidemiológicos mostrem uma correlação clara entre a poluição e os piores resultados reprodutivos, os mecanismos permanecem por esclarecer.

"As alterações climáticas e a poluição continuam a ser as maiores ameaças à saúde humana e a reprodução humana não está imune a isso. Mesmo numa parte do mundo com uma qualidade do ar excepcional, onde muito poucos dias excedem os limites máximos de poluição internacionalmente aceites, existe uma forte correlação negativa entre a quantidade de poluição atmosférica e a taxa de nascimentos vivos em ciclos de transferência de embriões congelados. Minimizar a exposição a poluentes deve ser uma prioridade fundamental de saúde pública", alerta Leathersich.