Pelo terceiro ano consecutivo, a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas vai realizar-se num país produtor de petróleo, com um histórico de abusos de direitos humanos. Em novembro, o Azerbaijão acolhe a COP29 e, tal como o Egito e os Emirados Árabes Unidos em edições anteriores, o seu Governo deixou claro que não vai tolerar críticas fora do contexto da conferência - especialmente sobre os presos políticos no país.
“É realmente de mau gosto - encaramos isto como atos hostis contra o Azerbaijão. Sobrecarregar a agenda da COP com assuntos que não têm ligações diretas e imediatas às alterações climáticas não é útil, mas sim prejudicial”, considerou o ministro dos Negócios Estrangeiros azeri, Hikmet Hajiyev, ao “POLITICO”.
O Azerbaijão é considerado pela organização Freedom House como um “regime autoritário consolidado” e um dos países menos democráticos do mundo. Em setembro do ano passado, as forças azeris invadiram a região de Nagorno-Karabakh, obrigando as 100 mil pessoas de etnia arménia a fugirem, uma ação que mereceu acusações de limpeza étnica e desalojamento forçado pela comunidade internacional.
Na semana passada, a pouco mais de um mês da conferência climática em Baku, várias organizações não-governamentais apelaram que a União Europeia e outras instituições condenassem o aumento de “detenções arbitrárias” pelo Governo do Azerbaijão. As ONGs pediram que se relacionassem “compromissos concretos de direitos humanos” às relações comerciais com o país da Ásia Central, que cresceram com a necessidade de substituir o fornecimento de combustíveis russos em outras zonas do globo.
“A recente onda de detenções e acusações semeou medo entre as vozes críticas e independentes que sobram. Um número cada vez maior de ativistas da sociedade civil abandonou o país desde novembro de 2023, reduzindo a diversidade das organizações e os ativistas que falam sobre direitos humanos e que desafiam o Governo”, apontou o relatório, assinado pela Human Rights Watch e pela Freedom Now. Nos Estados Unidos, quase 60 congressistas assinaram uma carta aberta a exigir que a Administração Biden “exija a libertação imediata e incondicional de todos os presos políticos e de guerra”.
Contudo, o Governo azeri considera que os relatórios das ONGs e as notícias sobre os abusos são “uma campanha de difamação e propaganda suja” contra o país, e vincou que “não existe lugar para ideologia” na COP29, apenas “ciência”.
“Estas tentativas ingénuas não nos podem desviar de alcançar a nossa nobre missão de gerir os impactos negativos das alterações climáticas”, disse o Presidente Ilham Aliyev, numa reunião sobre a organização da COP em Baku, na quinta-feira.
E Hikmet Hajiyev reiterou que falar de direitos humanos na conferência climática é contraproducente, garantindo que “o Azerbaijão vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance para desempenhar um papel de ponte entre nações”, para atingir “um acordo histórico” e ambicioso para uma transição climática em países em desenvolvimento.
As escolhas das organizações das COP têm sido muito criticadas por ativistas e organizações de direitos humanos. Em 2022 e 2023, o Egito e os EAU foram acusados de usar a atenção mediática da conferência climática, e a presença de um público diverso e internacional, para limpar a imagem dos regimes conhecidos por silenciarem oposição, jornalistas e críticos.
Na COP27, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos denunciou “atos de assédio e intimidação” pelas autoridades egípcias, que tentaram impedir a realização de protestos à margem do evento. No ano seguinte, a conferência ocorreu no Dubai - um dos grandes centros da indústria petrolífera no Médio Oriente - e várias organizações internacionais boicotaram o evento por considerarem que os Emirados Árabes Unidos não tinham condições democráticas para acolher a COP28.
Segundo o último relatório da Amnistia Internacional, o número de indivíduos detidos no Azerbaijão por motivos políticos aumentou consideravelmente depois da adoção de leis que restringem a liberdade de imprensa, e da ocupação ilegal de Nagorno-Karabakh, estimando-se que quase 250 pessoas estejam detidas como presos políticos.