Em seis dias arderam 121 mil hectares, morreram sete pessoas e mais de cem ficaram feridas nos incêndios que arrasaram o país. Luís Montenegro, perante a situação de calamidade, prometeu ir “atrás dos responsáveis” que, “em nome de interesses particulares são capazes de colocar em causa os direitos, liberdades e garantias e a própria vida” de cidadãos. Uma afirmação audaz. O fogo posto e culpa face aos incêndios que a cada ano assolam o país são uma realidade permanente.

Falamos de fogo posto quando nos referimos ao ato intencional e deliberado de deflagrar um incêndio. Consideramos fogo posto, por exemplo, se alguém atear um fogo numa zona florestal, quer movido por malícia, por razões económicas, ou meramente por diversão. Em Portugal o fogo posto está muito longe de explicar os incêndios devastadores que a cada ano destroem vidas. Tal como nos outros países mediterrânicos, cerca de um terço dos incêndios têm origem criminosa, deliberada. No entanto, o destino final dessas ignições é, em Portugal, significativamente diferente ao dos países que se podem comparar com o nosso.

As condições atmosféricas, cada vez mais características no território mediterrâneo - de seca e calor extremos - acompanhadas de ventos fortes, humidade baixa e calor que não baixa à noite, aliadas a terrenos abandonados e extensas monoculturas de eucalipto, criam as condições perfeitas para o deflagrar de incêndios com as proporções e impactos como os que mataram 66 pessoas em Pedrogão Grande em 2017, 45 pessoas a 15 de Outubro do mesmo ano e mataram sete pessoas na semana que passou.

Estas condições não são nem “naturais” nem uma mera casualidade. Derivam de atos intencionais, dos quais as consequências eram conhecidas e foram tidas em conta, por parte de empresas e de governos. Há décadas que as grandes empresas emissoras conhecem os impactos da queima de combustíveis fósseis e emissão de gases com efeito de estufa das suas atividades económicas. Sabem que esses impactos levariam à perda de vidas à escala planetária, e poderiam culminar com a extinção da espécie humana. Apesar disso, continuaram a investir nestas atividades, expandi-las e a lucrar com elas. Há décadas que os governos recebem avisos por parte da comunidade científica, reconhecendo até este problema com leis fracas que fingem abordar o tema, mas ainda hoje continuam a subsidiar as indústrias fósseis e emissoras, viabilizando projetos que aumentam as emissões. Governantes e gestores de empresas sabiam que estavam a condenar pessoas à morte, devastação e extinção, através do colapso climático e social.

As empresas de celulose, como a Navigator e a Altri, apoiadas e auxiliadas por sucessivos governos nacionais, transformaram Portugal no terreno perfeito para o caos deflagrar. Portugal é o país com maior área relativa de eucalipto do mundo e, em termos absolutos, compete com colossos como a Austrália, Brasil, China e Índia. Estas empresas lucram com a exportação de pasta e de papel, perfeitamente conscientes dos impactos das suas atividades nos territórios e nas populações. É relevante relembrar que o negócio das celuloses é altamente intensivo em emissões e que a Navigator é a empresa responsável por mais emissões de gases com efeito de estufa em Portugal. Além de estarem conscientes de que estão a dirigir o planeta para uma situação de caos, investem paralelamente em negócios de bioenergia, biomassa e hidrogénio verde, que lhes permite aumentar a sua propaganda através de novos negócios mascarados de verde, rentabilizar até a matéria-prima já ardida, maximizando ainda mais os seus lucros. Podemos estar certos que a estas empresas, a destruição das nossas vidas, não levará a uma redução de rentabilidade – pelo menos até não haver mais nada que destruir.

Estas empresas efetivamente “em nome de interesses particulares são capazes de colocar em causa os direitos, liberdades e garantias e a própria vida” de todas as pessoas vivas, e também das pessoas que ainda não nasceram. Juntamente com as restantes empresas emissoras e os governos que lhes dão as mãos, lançam fogo a todas as pessoas e ao planeta. As promessas e palavras de Montenegro são vazias, coincidindo com um Orçamento de Estado que põe mais fogo na sociedade e que é também ele uma reiteração da violência contra as pessoas comuns. Está nas nossas mãos deixar de normalizar estes ataques e pará-los, unidas e com força.