Diariamente somos confrontados com notícias sobre a pobreza que está a aumentar em Portugal, que há condicionamentos importantes no acesso aos cuidados de saúde e que os gastos em saúde estão a aumentar. Estes dados não surgem por acaso! Há uma associação entre pobreza, baixa qualidade de vida, mortalidade e gastos em saúde como tem vindo a ser demonstrado em vários estudos científicos.
No âmbito da Tese de Mestrado em Medicina na Escola de Medicina da Universidade do Minho, Ana Filipa Soares Lemos desenvolveu o trabalho “Impacto do nível socioeconómico na apresentação clínica e outcome da Doença Arterial Periférica” sob a orientação da Dr.ª Cristina Silva e da Dr.ª Joana Ferreira.
Este trabalho pretendeu avaliar a relação entre as diferentes dimensões socioeconómicas (nível profissional, nível de instrução, fontes de rendimento familiar, conforto do alojamento e zona residencial) com a apresentação clínica, taxa de amputação, mortalidade e características da Doença Arterial Periférica.
A Doença Arterial Periférica é uma doença aterosclerótica progressiva, de elevada prevalência, caracterizada por estenose e oclusão de artérias de grande e médio calibre. De uma forma simplificada, podemos dizer que esta doença se caracteriza pela oclusão das artérias das pernas com diminuição da quantidade de sangue que chega aos pés e com consequente risco de amputação (nos casos mais graves). Esta doença pode manifestar-se de dois modos distintos: claudicação intermitente e isquemia crítica. A claudicação intermitente está associada a uma dor nos membros inferiores, de origem vascular, potenciada pelo exercício e aliviada pelo repouso. Por outro lado, a isquemia crítica manifesta-se por uma dor crónica em repouso superior ou igual a duas semanas, feridas que não cicatrizam ou gangrena em uma ou ambas as pernas. Estima-se que, desde o ano 2000, pelo menos 200 milhões de pessoas tenham sido diagnosticadas com esta doença em todo o mundo, representando um aumento da sua prevalência de 28,7% nos países em desenvolvimento e 13,1% nos países desenvolvidos. Um estudo realizado em 2008 pela Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular revelou uma prevalência de 5,9% desta doença.
Para o desenvolvimento desta tese foram incluídos 170 pacientes diagnosticados com DAP entre 2018 a 2022, com idade superior a 18 anos. Um questionário foi realizado aos pacientes abrangidos pelo estudo, de modo a categorizá-los de acordo com o seu nível socioeconómico, além disto, os seguintes dados foram recolhidos: demográficos, antecedentes pessoais, dados relacionados com o internamento, apresentação clínica à admissão, estratégias terapêuticas efetuadas e taxa de amputação e mortalidade.
Os resultados obtidos com este estudo revelaram que os pacientes com baixo nível socioeconómico tiveram maior número de internamentos e que a duração dos mesmos foi superior. Adicionalmente, foram submetidos a mais procedimentos invasivos (cirurgias) e tiveram maiores taxas de mortalidade e amputação. Esta associação persiste após correção dos fatores de risco. Ou seja, após a correção paras outras condições que poderão causar a doença arterial periférica como a diabetes e o tabagismo. Assim conclui-se que a mitigação do risco associado aos determinantes sociais da saúde tem o potencial de melhorar os resultados dos doentes com doença arterial periférica.
Estes resultados estão em linha com os obtidos em trabalhos internacionais. O baixo salário está associado a maior prevalência da doença arterial periférica, mesmo após o ajuste para o nível de alfabetização, fatores de risco e raça. Várias explicações têm sido avançadas por investigadores em todo o mundo. O deficiente acesso aos cuidados de saúde, a inflamação associada às condições de habitação, o menos apoio familiar e social, a perda de autonomia pessoal e o stress- associado à perda da dignidade pessoal são algumas das justificações apontadas.
Outras doenças cardiovasculares e oncológicas seguem o mesmo padrão, enfatizando que mitigar a pobreza e tornar o país próspero, melhora a saúde e qualidade de vida das nossas populações e diminui os gastos em saúde.
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