Quantas doenças raras existem no mundo?
Estima-se que existam entre 7 000 e 8 000 doenças raras, afetando entre 600 000 e 800 000 portugueses, cerca de 30 milhões de pessoas na Europa e umas 300 000 000 em todo o mundo.
Também podem afetar crianças como adultos?
80% das doenças raras são de origem genética e 20% não o são. Há pessoas a quem são prognosticados 3 ou 5 anos de esperança de vida, outras que chegam a adultas, com mais ou menos mazelas. Mas há uns “sortudos”, cujos sintomas aparecem já em fase adulta. Dou uns exemplos: há pessoas que têm um surto aos 40 anos, após um divórcio; há pessoas que estão 12 anos há procura de um diagnóstico e que, depois de controlada a doença, vivem quase normalmente; há quem após 21 anos de procura compreende o diagnóstico e ao fim de 2 anos têm um medicamento novo, mas promissor…
Felizmente, as doenças raras são cada vez mais diagnosticadas, porque a tecnologia está a avançar a uma velocidade estonteante. Mas também a comunicação e o conhecimento a nível global permitem a partilha de casos globalmente. Até os próprios doentes ou familiares fazem esta pesquisa e, por vezes, levam a informação aos profissionais de saúde.
“Imagine os problemas dos doentes com doenças crónicas mais comuns. Os desafios dos portadores de doenças raras são os mesmos, só que mais acentuados”
Quais são as mais prevalentes?
Essa é uma pergunta interessante. Aquilo que nos ocupa mais não são as mais prevalentes, exatamente por serem essas as que têm mais atenção. Ocupam-nos as que têm menos atenção na investigação. As mais prevalentes são, por exemplo, as doenças do metabolismo. Mas dentro destas são muitas. Ou então os cancros. Mas mesmo dentro dos cancros raros, por vezes, existem diferenças entre eles. Só unidos percebemos a relevância.
Quais são os principais desafios que os doentes e os familiares enfrentam?
São de diversa natureza. Imagine os problemas dos doentes com doenças crónicas mais comuns. Os desafios dos portadores de doenças raras são os mesmos, só que mais acentuados. Primeiro porque os médicos não estão treinados para os sintomas diferentes, estão treinados para sintomas comuns. Depois, as unidades de cuidados têm procedimentos estandardizados para as “coisas” comuns e não para o que é diferente. A consequência é o diagnóstico demorar anos. A média na Europa, segundo a EURORDIS, é de 7 anos. E se pensar que apenas 5% das doenças raras têm tratamentos modificadores da doença, percebe-se o tamanho do desafio. Por último, muitas destas pessoas não têm as mesmas oportunidades que as pessoas sem doença ou com alguma doença crónica mais comum. Nas leis, no papel, até têm, o problema é que tem de passar do papel à realidade.
“Ou, por que não, para além do teste do pezinho ter um teste do ADNzinho?”
No caso dos medicamentos órfãos, por que não existe uma maior aposta? É uma questão de verbas ou de desconhecimento face à sua raridade?
É uma questão de aposta. Quero acreditar que após a pandemia se tenha percebido o valor dos dados, da partilha de conhecimento, e que a saúde baseada em valor tenha ganho um espaço de grande protagonismo. Há que partilhar o risco, mas também os resultados. Isto pode trazer a transformação do mundo. É claro que vão sempre existir pessoas para as quais o lucro está à frente, mas também percebemos como podemos de repente ser contaminados com algo que termina com todos os planos. E isso é o que acontece com as doenças genéticas. De repente, o chão desaparece. Portanto, só mudando o paradigma. Por exemplo, colocar profissões diferentes a colaborar com profissionais de saúde, experimentar medicamentos que foram excelentes para determinadas doenças, em algumas destas raras ou ainda fazer mais ensaios da vida real. Ou, por que não, para além do teste do pezinho ter um teste do ADNzinho?
Representando a RD-Portugal, sente que as associações de doentes deveriam ter mais voz na sociedade?
Já está a acontecer. A evidência tem demonstrado a necessidade de incluir mais profissões. Quem está nas associações de doentes, fá-lo por um propósito. Na sua maioria, é por ter sido afetada pessoal ou familiarmente por algo ligado à doença ou consequência da doença. E, dentro do que é a sua profissão ou as suas relações pessoais ou profissionais, podem acrescentar valor. E isso está-se a revelar cada vez mais na sociedade. Aquelas associações que só existiam para reclamar direitos estão ultrapassadas. Nós temos direitos e responsabilidades, tal como temos 2 pernas para caminhar rumo a melhores resultados.
Quais as vossas principais dificuldades?
Desde logo financiamento. A Lei prevê o apoio a associações de doentes. Na prática existe uma desconfiança sobre este tipo de organizações por algumas pessoas que no passado mancharam os nomes ou simplesmente porque é útil politicamente continuar a ter consultoria gratuita. Também existem, por exemplo, associações que desenvolvem soluções interessantes e potencialmente replicáveis, alvo de prémios. Mas isso não acontece. Ouvimos dizer “juntos somos mais fortes”, mas depois quando toca a partilhar conhecimento, não acontece. E não é só nas associações. Mesmo ao nível dos hospitais. Exemplos excelentes de cuidados não são partilhados.
Há algo que precisa de mudar. Precisamos de colocar a tecnologia ao serviço da saúde, de aproximar as distâncias e partilhar mais o conhecimento.
De que forma podem os portugueses ajudar?
É um processo que vai exigir alguns anos. Precisamos de mudar a cultura e isso requer mudar hábitos. Começar pelas crianças e jovens, pela educação. Pelas universidades, através da investigação e inovação. Aprender a fazer mais perguntas, a ser mais curiosos e querer fazer mais. Nós, por natureza, somos hospitaleiros e amigáveis. Porque não fazemos isso de forma mais sustentada? Pegarmos nessas características, e aliá-las à ciência e ao conhecimento rumo a mais conhecimento e melhores resultados.
Texto: Maria João Garcia
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