A saúde mental pode ser afetada à medida que envelhecemos?

A saúde mental pode afetar os idosos de várias maneiras. Na prática, muitas doenças que surgem no início ou durante a vida adulta, ou até mesmo na adolescência, podem afetar as pessoas quando são idosas. Entre as doenças mais comuns temos as patologias da ansiedade e da depressão.

Falando aqui particularmente da depressão, pode ocorrer no contexto das dificuldades sociais e económicas, isolamento, algumas limitações físicas que o limitem a socializar e a fazer atividades que antes gostava de fazer, e também patologias orgânicas (doença cardíaca, AVC e outras doenças neurológicas). Tipicamente, um doente com historial de AVC pode desenvolver depressão, quer por causa do AVC em si, quer pelas limitações físicas e cognitivas impostas pelo AVC. As patologias da ansiedade podem surgir no mesmo contexto que as depressivas.

De entre as várias patologias psiquiátricas, todas elas se relacionam com a diminuição da funcionalidade e, muitas vezes, afetam o sono, o apetite e a energia vital. Como consequência, estes fatores podem influenciar o estilo de vida do doente idoso, quer seja na alimentação, quer seja na sua capacidade de interação social, ou na energia para fazer coisas que antes fazia.

Há patologias próprias do idoso, e falamos mais concretamente das demências, cuja prevalência tem vindo a aumentar paulatinamente, relacionada com vários fatores, sendo um deles o aumento da esperança média de vida. Para além disso, o estilo de vida tende a ser mais sedentário, mais exposto a toxinas, nomeadamente através da alimentação e da exposição ambiental à poluição. Todos estes fatores e o próprio stress da vida moderna impõem alterações ao sistema nervoso central que, no final da vida, podem desencadear o aparecimento de demências.

Existem formas de mitigar este processo, como hábitos a manter, por exemplo?

Há doenças que se instalam e que têm uma componente genética, a nível dos fatores biológicos genéticos, e nesses casos dificilmente se consegue contrariar. Depois existem os fatores ambientais, e esses todos devemos regular ao longo da vida. O idoso deve ter um padrão de sono regular, dormir cerca de 6/7 horas por noite, porque, à partida, necessita de dormir menos do que um adulto; deve ter um estilo de vida saudável, praticar exercício físico de intensidade baixa a moderada, sobretudo caminhadas; uma alimentação saudável; não abusar do consumo de álcool e do tabagismo; e socializar, uma vez que a componente social é sempre muito importante. No fundo, estas são regras que devemos implementar tanto na vida adulta como no idoso, mas com maior ênfase nesta fase de vida. Outro fator importante que previne e promove a saúde mental nos idosos é a prática de atividades de estimulação cognitiva, como jogar às cartas, palavras cruzadas, terapia ocupacional, participar na universidade sénior, etc.

“… existe a perceção social de que é uma pessoa com baixa energia, baixa motivação, baixos interesses e que deve dedicar-se às atividades do lar. Isto é uma perceção errada, que pode atrasar o diagnóstico”

A taxa de suicídio é preocupante entre pessoas idosas em Portugal?

A taxa de suicídio no doente idoso não tem vindo a aumentar em percentagem, ou seja, no fundo, podemos ter uma taxa de suicídio superior à que tínhamos no passado, podemos ter um número absoluto superior, mas que se encontra associado também ao envelhecimento populacional. Já a das demências é, de facto, preocupante. Entre os 65 e os 74 anos anda na ordem dos 5%, entre os 75 e os 84 anos nos 20% e, acima dos 85 anos, ronda os 50%.

A que sinais devem estar atentos os médicos de Medicina Geral e Familiar, já que a depressão e a demência, por vezes, na fase inicial, podem confundir-se?

Do ponto de vista de avaliação é uma alteração no padrão normal do idoso, porque existe a perceção social de que é uma pessoa com baixa energia, baixa motivação, baixos interesses e que deve dedicar-se às atividades do lar. Isto é uma perceção errada, que pode atrasar o diagnóstico.

Na sua opinião, deveriam existir mais consultas de Psicogeriatria em Portugal?

Sem dúvida, deveriam existir mais consultas de Psicogeriatria em Portugal. Se falarmos no âmbito da depressão e da ansiedade, que são as patologias, grosso modo, mais comuns que afetam o idoso, estes doentes devem ser avaliados em cuidados de saúde primários ou em consultas de Psiquiatria. O problema é que estas últimas estão completamente lotadas no SNS. Dá-se prioridade à doença mental grave, como seja a esquizofrenia e a doença bipolar. Os mais velhos ficam assim numa situação de precariedade. A demência deve ser acompanhada pelos neurologistas e pelos médicos psiquiatras também, e o contexto é o mesmo no setor público. Falando nas propostas de terapias não farmacológicas no SNS, é quase inexistente. O potencial de acompanhamento de reabilitação, seja a nível de psicomotrocidade ou de estimulação cognitiva, é quase inexistente a nível nacional.

CG

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