Em que consistiu o estudo PORTHOS?
O estudo foi desenvolvido com o intuito de conhecer a prevalência de pessoas que sofrem de insuficiência cardíaca em Portugal, numa iniciativa da Sociedade Portuguesa de Cardiologia e da AstraZeneca, em parceria com a NOVA Medical School. O estudo percorreu o país e passou por 22 municípios de Portugal Continental, tendo decorrido entre dezembro de 2021 e setembro de 2023 e envolveu uma amostra de 6189 utentes com mais de 50 anos. O contacto foi feito telefonicamente pelos Centros de Saúde e quem aceitou participar no estudo foi convidado a deslocar-se à unidade móvel, instalada num camião devidamente equipado com meios técnicos e humanos, onde existia a possibilidade de realizar alguns exames médicos, desde colheitas de sangue que incluíram o NT-ProBNP, eletrocardiograma e ecocardiograma.
O diagnóstico foi feito de acordo com as últimas recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia. Os resultados do estudo foram divulgados no dia 12 dezembro.
“Mais de 700 mil portugueses com idade superior a 50 anos vive com insuficiência cardíaca, sendo que 90% desconhece que tem esta patologia.”
Estima-se que a insuficiência cardíaca venha a aumentar até 2030. Quais são os motivos para esta tendência?
Esta doença está muito relacionada com o envelhecimento da população. É muito mais prevalente nas pessoas do grupo etário acima dos 65 anos e vai aumentando conforme se atinge o grupo dos 80 anos.
Somos dos países mais envelhecidos da Europa e quase do mundo, sendo que temos uma sobrevivência bastante elevada e a esperança média de vida atinge os 81 anos de idade. Nos homens a média ronda os 78 anos e nas mulheres atinge os 82 anos.
Além disso, existem ainda outras razões. No passado as pessoas que tinham um enfarte agudo do miocárdio apresentavam uma alta probabilidade de morrer. Atualmente existe uma maior sobrevivência, uma vez que os doentes são tratados eficazmente, rapidamente, e a artéria do coração que está a provocar o bloqueio do sangue, que pode provocar o enfarte, é dilatada e é desobstruída.
Devido ao tratamento atualmente disponível, com o envelhecimento da população, com a maior sobrevivência pós-enfarte do miocárdio e com a maior sobrevivência dos próprios doentes com insuficiência cardíaca, é evidente que vai existir um aumento da prevalência desta doença.
De que forma é que a insuficiência cardíaca se associa à diabetes e, mais concretamente, a doença vascular aterosclerótica à diabetes mellitus tipo 2?
A insuficiência cardíaca e a diabetes andam de mão dada. Cerca de um terço dos doentes com diabetes têm insuficiência cardíaca, um risco duas a cinco vezes maior do que no caso da população que não é diabética. A diabetes lesa as artérias coronárias por um processo acelerado de aterosclerose, ocasionando o enfarte de miocárdio. Com o aparecimento da insuficiência cardíaca também poderá ocorrer disfunção microvascular que leva a miocardiopatia diabética, que consiste numa disfunção global do coração.
Quais são os riscos de insuficiência cardíaca num doente com diabetes?
Como o doente diabético só por si já é muito vulnerável, ao associar-se outra doença, no caso, a insuficiência cardíaca, que consiste numa doença crónica, esta vai piorar o estado clínico do doente.
Os doentes diabéticos com insuficiência cardíaca têm uma maior resistência à insulina, mas se não controlam bem a glicemia e se não cumprem rigorosamente a terapêutica, têm um maior risco de desenvolver insuficiência cardíaca, que habitualmente está relacionada também com o tempo de duração da diabetes. Quanto maior o número de anos que o doente já tem diabetes, maior a probabilidade de desenvolver insuficiência cardíaca. Atualmente existem medicamentos para o tratamento da diabetes que também apresentam efeito benéfico no tratamento da insuficiência cardíaca.
Depois, é necessário controlar todos os outros fatores de risco, como seja a hipertensão arterial, a obesidade, o sedentarismo, o colesterol e os triglicéridos elevados. Todos estes fatores de risco vão contribuir para o aparecimento da insuficiência cardíaca num doente diabético.
Vendo o último relatório da OCDE, nos últimos anos somos um dos países que menos tem investido em prevenção, tanto nas doenças em geral, como, neste caso, nas doenças cardiovasculares. Isto não é um resultado das políticas dos últimos quatro ou cinco anos, é o resultado dos últimos largos anos.
Há muito mais sedentarismo na população, e nos adolescentes é extremamente preocupante a obesidade e o sedentarismo. Em muitos casos, mesmo que não tenham obesidade, muitos têm excesso de peso e a percentagem é bastante significativa. Atualmente, os jovens fazem menos desporto e estão mais parados, o que aumenta o sedentarismo.
O relatório da OCDE evidencia que temos 42,6% da população portuguesa com hipertensão, que corresponde a um número muito elevado, sendo que a média na Europa está entre os 30 a 35%, daí que tenhamos mais AVC e mais enfartes do miocárdio. Deste modo, a mudança de estilos de vida, com uma alimentação mais saudável e com exercício físico, também está ligada à prevenção.
Ao fazermos a prevenção da hipertensão arterial e do enfarte do miocárdio, estamos a fazer a prevenção da insuficiência cardíaca, que é a única maneira de atuar face a esta patologia de modo preventivo.
Qual a importância da comparticipação do biomarcador NT-PROBNP para o diagnóstico precoce da insuficiência cardíaca, neste caso em pessoas com diabetes?
O doseamento do biomarcador NT-proBNP, tem um valor preditivo negativo e foi um dos exames feitos no estudo PORTHOS. Tal como já referido, a análise feita no estudo PORTHOS tem um fator preditivo negativo. Quando existem existe a hipótese hipóteses de o doente ter insuficiência cardíaca, seja por sintomas ou por exame clínico, se a análise for feita mais precocemente e se os cuidados primários tiverem acesso a pedir essa análise, vão ter um diagnóstico mais precoce. Desta forma, começam o tratamento da insuficiência cardíaca mais precocemente, portanto, vai melhorar a qualidade de vida do doente, vai diminuir os sintomas e vai aumentar a sobrevivência.
Atualmente, existe medicação para a insuficiência cardíaca que, além de melhorar os sintomas e melhorar a qualidade de vida, altera também o prognóstico da doença, aumentando a sobrevivência. Quanto mais cedo o doente começar a fazer o tratamento, menos complicações terá.
CG
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