A obstipação é uma doença gastrointestinal comum que afeta entre 12-19% da população, sendo mais comum nas mulheres. A sua prevalência aumenta com a idade, afetando 1/3 das pessoas com idade superior a 60 anos. Apresenta uma elevada repercussão na qualidade de vida dos doentes. A obstipação crónica pode ser primária ou secundária. A obstipação crónica primária pode ser classificada em obstipação de trânsito normal, obstipação de trânsito lento, ou dissinergia defecatória, de acordo com a sua fisiopatologia.

A dissinergia defecatória (DD), é documentada em cerca de 50% dos doentes com obstipação. É definida pelos critérios de Roma IV como uma “contração inapropriada do pavimento pélvico, medida por manometria ou eletromiografia anal, com adequada força propulsora durante a tentativa de defecação”, com duração de pelo menos 6 meses. Tal distúrbio é condicionado pela ausência de coordenação entre a musculatura abdominal e os músculos do pavimento pélvico. A causa da DD é ainda hoje desconhecida, contudo sendo identificada mais frequentemente nos doentes que sofreram trauma anorectal e/ou abuso sexual.

Para além da obstipação (definida por menos de 3 dejeções por semana), caracteriza-se também pelo esforço defecatório, fezes duras, sensação de esvaziamento incompleto e o recurso a manobras manuais de facilitação. O diagnóstico implica a exclusão de outras causas primárias, nomeadamente funcionais como é o caso da síndrome do intestino irritável com obstipação, e secundárias, nomeadamente cancro colorretal, devendo todos os doentes realizar colonoscopia total com adequada preparação intestinal.

Adicionalmente, e em conformidade com os critérios Roma IV, deve ser realizado o exame objetivo proctológico (em que é avaliada a região perianal e canal anal) bem como testes que permitam avaliar a função defecatória, como é o caso da manometria anorretal com teste de expulsão de balão e/ou defecografia.

A manometria anoretal permite uma avaliação funcional dinâmica anorretal, requerendo colaboração ativa do doente. O exame realiza-se em posição de decúbito lateral esquerdo e requer apenas a realização de um enema previamente. É introduzida uma sonda através do ânus, após a qual o médico solicita manobras simples, como fazer força para evacuar, que ficam registadas num gráfico sob a forma de pressões.

A abordagem terapêutica consiste na implementação de medidas gerais de prevenção da obstipação , podendo ser necessário, nalguns casos, tratamento específico.

No que diz respeito às medidas gerais salienta-se a revisão dos medicamentos e suplementos, os quais podem condicionar obstipação, promover hidratação adequada (1,5-2L/dia), dieta equilibrada (com legumes e frutas) e rica em fibras (20-30 gr/dia) e promover a prática de atividade física. Adicionalmente, é importante educar o doente para hábitos defecatórios saudáveis – rotina defecatória (mesma hora), não mais de 5 minutos na sanita, evitar manobras digitais. Em alguns doentes, poderá ser necessária a instituição de terapêutica laxante com intuito de amolecer as fezes.

Dentro das medidas específicas, destaca-se a terapêutica de biofeedback, que consiste num treino neuromuscular, sendo realizada pelos médicos de Medicina Física e Reabilitação.

Sob monitorização da atividade muscular da parede abdominal e do pavimento pélvico, é pedido ao doente que execute contrações muscular relacionadas com a defecação, o que permite identificar respostas musculares anómalas e a sua substituição por respostas normais. Trata-se de uma terapêutica promissora, com resultados superiores às medidas gerais, contribuindo para uma melhoria sintomática em 66% dos doentes.

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